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A vida secreta dos emojis

Tem gente que não vive sem eles. Outros acham que usá-los é "cringe" (cafona). Mas você sabe quem cria os emojis? Um conselho de 11 membros - que têm o poder de influenciar a comunicação de bilhões de pessoas.

Por Helô D'Angelo Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 30 jun 2021, 09h02 - Publicado em 23 set 2016, 22h00

Osiris Aristy era um garoto comum de 17 anos. Morava em Nova York com a mãe e vivia postando selfies no Instagram, letras de música no Facebook, comentários aleatórios no Twitter. Todo conteúdo que gerava era recheado de rostos amarelos, sinais manuais e objetos do cotidiano. Osiris não  o impacto que esses inocentes emojis teriam na vida dele. Em janeiro de 2015, publicou no Facebook uma série de frases do tipo “sou um garoto rebelde” – tudo muito normal para a idade se não fosse um detalhe: o garoto finalizou um dos posts com três ícones: o rostinho amarelo de um policial e dois revólveres apontados pra ele. Três dias depois, a polícia o levou para a delegacia sob acusação de ameaça terrorista – crime que pode render até sete anos de prisão nos EUA. Isso mesmo: um garoto de 17 anos quase foi parar na cadeia por uma escolha ruim de emojis.

Essa história mostra como os emojis são coisa séria. Uma pesquisa estimou que 92% dos internautas usam os ícones diariamente. Contando só o Twitter, são 10 bilhões de emojis postados por dia, de acordo com o Emojitracker (ranking online que acompanha símbolos tuitados em tempo real no mundo todo). São publicadas mais carinhas, corações e outras imagens do que as hashtags (#) que marcam os assuntos mais comentados. O uso dos ícones é tão maciço que eles estão deixando de ser encarados como apenas rostinhos bonitos amarelos para serem apreciados como uma nova forma de linguagem.

Ícones globais

Desafio rápido: defina emoji. O primeiro impulso seria dizer que são emoticons😉. #sóquenão tem nada a ver: a palavra “emoji” é japonesa, formada pelos termos e (, imagem) e moji (湞礄, caractere ou letra). Já “emoticon” vem do inglês, uma mistura de emotion (emoção) com icon (ícone). Outra diferença: emoticons são construídos a partir de outros caracteres, enquanto os emojis são caracteres, elementos que formam um alfabeto alternativo. É por isso que, no seu smartphone, existe a opção de teclado emoji, assim como de vários idiomas. Quando você manda uma berinjela, uma unha sendo pintada de cor de rosa ou uma luazinha safada é como se estivesse escrevendo em “emojês”.

Assim como os teclados de idiomas convencionais, os emojis também são padronizados. O responsável por isso é o Unicode, protocolo que permite a qualquer computador, tablet ou celular interpretar e exibir mais de 30 sistemas de escrita, como se fosse um tradutor simultâneo de alfabetos. Sabe quando um texto aparece cheio de caracteres esquisitos, como quadrados em branco, caveirinhas ou cabeças de ET? Isso acontece porque o aparelho em que você está visualizando o texto não reconhece a versão mais atualizada do Unicode. É como se o dispositivo avisasse: “não entendo essa língua”.

SEM PALAVRAS: 10 bilhões de emojis são publicados por dia no Twitter – metade do volume diário de hashtags

 

O Unicode foi criado pela Xerox, nos anos 1980, para padronizar os kanjis (caracteres) chineses, os japoneses e a escrita árabe, e facilitar a leitura e a cópia de textos nesses idiomas. A Apple aderiu, assim como Microsoft e IBM e outras importantes empresas tecnológicas. Tamanho interesse estimulou a fundação do Unicode Consortium – um tipo de clubinho de programação que define os padrões de código. Além de empresas, também há outras instituições envolvidas na padronização dos emojis, como a Universidade da Califórnia em Berkeley e o governo da Índia. Todo ano, os 11 membros do Unicode Consortium votam novas definições de códigos universais. São eles, também, que aprovam os novos emojis. 

Para fazer parte desse clube, é simples: é só bancar uma anuidade de US$ 18 mil. Mas sugerir novos emojis para o comitê é de graça. Qualquer um pode criar um ícone e enviar para a avaliação do Unicode Consortium. Basta desenhar sua sugestão e enviar para os caras, junto com um formulário e uma justificativa sobre por que seu caractere é indispensável para os teclados do mundo inteiro. Boas justificativas, de acordo com o site do Consortium, são: “meu emoji é impossível de representar a partir dos que já existem” ou “a coisa que meu emoji representa é uma parte frequente das conversas do mundo inteiro”. Para ser aceito, o ícone precisa passar pela aprovação de um subcomitê que se reúne semanalmente por teleconferência, e, só no fim do processo, pelo Unicode Consortium.

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Gerações passadas 

Um total de 93% da nossa comunicação é não verbal – conversamos mais por gestos, tom de voz e expressões faciais do que por palavras. Isso ajuda a entender por que os emojis são tão populares: eles tentam dar às redes sociais os 93% não verbais que, só com texto, não dá para reproduzir. Os emoticons já faziam isso em 1982. Foi nesse ano que Scott Fahlman, professor da Universidade de Carnegie Mellon (EUA), colocou um rostinho feliz “:-)” no fim de uma mensagem, como quem diz “ei, isso não é sério, pode dar risada”. Mal sabia que a moda pegaria e que o smiley-face seria o primeiro de muitos emoticons:😦, <3, :-O e por aí vai.

Não demorou para que os japoneses subissem o nível e criassem emoticons mais elaborados, os kaomojikao significa rosto e moji, caractere ou letra. O primeiro deles foi este aqui: ^_^.  Mas você já deve ter visto algum destes: ¯\_(孩)_/¯ಠ_ಠ e esta aqui também, olha ( ˘ ³˘)

No final dos anos 1990, surgiram os primeiros celulares com mensagens de texto. Com teclados menores, ficou mais importante comunicar muito com poucos cliques. Por causa dos textos mais curtos, marcar o contexto ficou mais importante para os japoneses.

TEXT SYMBOL: Em 2015, o face with tears of joy (rosto com lágrimas de alegria), emoji mais tuitado do mundo (1 bilhão de vezes por dia), foi eleito como palavra do ano pelo Dicionário Oxford de língua inglesa

Mas havia um problema técnico: o teclado em nove teclas: o T9. Para digitar caracteres diferentes no T9, você precisava apertar uma mesma tecla várias vezes, até que o caractere desejado aparecesse – imagine quanto tempo demorava para digitar (╯°□°)╯︵ ┻┻ (uma pessoa irritada, virando uma mesa). Os japoneses precisavam arrumar um jeito mais fácil de marcar o contexto. E foi aí que, finalmente, os emojis nasceram. 

A ideia foi do programador Shigetaka Kurita, que em 1998 trabalhava na Docomo – uma das empresas de telecomunicação mais importantes do Japão. Na época, Shigetaka fazia parte da equipe que tentava implantar a primeira rede de internet móvel no Japão, a i-mode. E aí veio a sacada: e se no próprio teclado houvesse um caractere que marcasse a emoção do autor? Começando pelos pagers, a Docomo criou um botão de “adicionar ao texto” que virou mania nacional. Com o sucesso do – primeiro emoji de todos os tempos -, a Docomo queria disponibilizar mais ícones. Por falta de grana, o próprio programador trabalhou o design dos primeiros 172 símbolos. 

Os emojis eram pequenos demais (12 × 12 pixels, o equivalente a 3 mm²), e, por isso, a Docomo não pôde patenteá-los. Sem dono, a ideia de usar caracteres para expressar emoções em SMS se espalhou pelo Japão e, aos poucos, pela internet. Em 2008, a Apple criou um teclado com os emojis para os iPhones japoneses e, três anos depois, abriu a opção para o mundo inteiro. Em 2009, o Unicode Consortium padronizou os emojis. E eles viraram mania rapidinho: em 2011, no primeiro mês depois do lançamento mundial do teclado, o uso de emojis no Instagram subiu 10% – e continuou crescendo até que, em 2015, metade das legendas fosse escrita só com emojis. Hoje, são cerca de 1.300 simbolozinhos oficiais – contando com 72 estreando em 2016.

NEXT SYMBOLS: A previsão do Unicode Consortium, entidade que padroniza os emojis, é de que todo ano 60 ícones novos sejam incorporados. Este ano foram 72

Fluentes em “emojês”

Todo esse sucesso criou algumas situações malucas. Em 2009, o americano Fred Benenson começou uma tarefa inusitada: reescrever Moby Dick, de Herman Melville, em emojis. Para isso, levantou uma grana no Kickstarter e contratou 8 mil pessoas para traduzir as 10 mil frases do livro. O resultado foi um livro de 736 páginas, publicado em 2010 com o título Emoji Dick. Em 2015, a biblioteca do Congresso Nacional dos EUA – um dos acervos bibliográficos mais importantes do mundo – adquiriu uma cópia do livro.

A obra de Benenson levanta uma pergunta: seriam os emojis uma nova língua universal? Para o tradutor, sim: o cara já até escreveu um dicionário de “emojês” chamado Como Falar em Emojês (em tradução livre), e tentou emplacar no Kickstarter um conversor simultâneo de qualquer idioma para o “emojês”. 

O Unicode Consortium, em seu site, declara que emojis não são uma língua: “Eles não têm a gramática ou o vocabulário necessários para substituir a linguagem escrita”.  A linguista canadense Gretchen McCulloch, especializada em cultura pop e em linguagem de internet, concorda – para ela, se você não consegue traduzir qualquer coisa em emoji, nada feito. “Traduzindo Moby Dick do inglês para o português, qualquer falante de português lê o livro e entende a história. Mas mesmo uma pessoa ‘fluente’ em emojês teria dificuldade em entender as frases em Emoji Dick. Tanto é que, no livro, os ícones vêm acompanhados de traduções. Ou seja, não dá para entender só os emojis e, portanto, eles não constituem uma língua”, diz. 

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Realmente, a gente não consegue dizer qualquer coisa em “emojês”. Pode testar: tente escrever “estou me sentindo sozinho” usando só emojis. Não rola – você pode até entender, mas nem todas as outras pessoas vão captar exatamente o significado que você criou. “Uma língua precisa ser compreendida da mesma forma por todos os seus falantes. E esse não é o caso dos emojis”, diz McCulloch. 

E tem outro porém: só porque é possível criar frases e histórias  com emojis, não significa que as pessoas estejam deixando seus idiomas para se comunicar em “emojês”. Uma pesquisa realizada pelo SwiftKey revelou que, apesar de enviarmos 6 bilhões de emojis diários, só uma a cada mil mensagens é formada exclusivamente por cinco emojis ou mais. Além disso, a maioria das sequências de emojis nessas “frases” são repetições de carinhas amarelas, beijos e corações, e não combinações formando frases. Entre os 20 emojis mais usados no mundo, todos expressam emoções, e não partes de histórias. “Ou seja: as pessoas usam emojis complementando as palavras, não em vez delas”, ressalta McCulloch. 

“Acho que os emojis vieram para ficar. Afinal de contas, o princípio de melhorar nossas mensagens com informações emocionais é algo positivo”, conclui a linguista. A impressão de que os emojis estão se tornando uma nova língua universal surge, segundo ela, porque eles são intuitivos: o significado está ali, desenhado, direto – e passível de ser entendido por qualquer pessoa do mundo.

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