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Ajude-se

O gênero literário que mais cresce no mundo causa polêmica entre especialistas. Afinal, a auto-ajuda pode mesmo ajudar você?

Por Allyson de Sousa
Atualizado em 31 out 2016, 18h52 - Publicado em 31 jul 2005, 22h00

Houve um tempo em que as listas de livros mais vendidos de jornais e revistas dividiam-se em 2 categorias. Na primeira, estavam os livros de ficção: romances, novelas, coletâneas de contos. Na segunda, os livros de não-ficção: memórias, biografias, ensaios literários. Mas lá pelos anos 60, a lista de não-ficção passou a exibir títulos bem diferentes. Eram manuais de autoconhecimento, dicas para um casamento mais feliz, fórmulas para que o leitor pudesse ser bem-sucedido. Os editores dos suplementos e seções especializadas se apavoraram. Afinal, aquelas obras, vistas como um gênero menor, começaram a não deixar espaço nem para trabalhos de inegável qualidade literária. Assim, em 1983, o New York Times criou uma lista exclusiva para o que foi chamado de “livros de aconselhamento”. No texto que explicava a mudança, os editores avisaram que “sem essa nova categoria, até mesmo o trabalho mais atrativo de autêntica não-ficção poderia nunca mais aparecer na lista de mais vendidos”.

Jornais e revistas do mundo seguiram o exemplo – e pelos mesmos motivos. De 2000 a 2004, o mercado americano desses livros cresceu 50%. No Brasil, a cifra é ainda mais impressionante. Enquanto o mercado editorial cresceu 35% entre 1995 e 2005, o filão de auto-ajuda acumulou impressionantes 700% de aumento.

O arrebatamento de leitores pelo mundo foi acompanhado por um proporcional aumento das críticas. Nenhum outro gênero literário sofre tantos bombardeios: os livros são chamados de pobres, superficiais e até de alienadores. Mas o que a demanda por eles diz sobre a sociedade em que vivemos? E é possível tirar algum proveito da ajuda oferecida por eles?

Como tudo começou?

Uma das acusações formuladas contra o gênero de auto-ajuda diz que os livros criam pessoas alienadas, incapazes de tomar atitudes. Assim, não deixa de ser irônico que o pioneiro do gênero, o cara que inclusive cunhou o termo para o qual os literatos torcem o nariz hoje em dia, tenha sido o médico escocês Samuel Smiles. Smiles (cujo sobrenome significa sorrisos em português, dando um tom ainda mais irônico à história) abandonou a medicina em 1830 para se tornar uma das figuras mais engajadas da política de sua época. Foi um dos principais defensores de idéias como o sufrágio universal, o voto secreto e a abolição da comprovação de renda para candidatos a cargos legislativos.

Mas na década de 1850, ele começou a se decepcionar com a vida pública. “Uma reforma meramente política não curará os males que hoje atingem a sociedade”, começou a dizer. No lugar de tentar mudar a sociedade, passou a promover idéias que pudessem transformar as pessoas. Em 1859, publicou Self-Help (lançado no Brasil sob o título Ajuda-te, mas cuja tradução mais fiel seria o conhecido termo “auto-ajuda”), uma coletânea de biografias de trabalhadores comuns. Smiles escolheu pessoas cujas trajetórias de vida, marcadas pela persistência e capacidade de lutar contra as adversidades, poderiam servir de exemplo a outros. Estava inaugurada a cultura de auto-ajuda.

Mas foi só em 1936 que o gênero ganhou os contornos de hoje, com o sucesso instantâneo Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas. O livro do vendedor Dale Carnegie foi concebido como um guia para comerciantes, mas se tornou um dos maiores sucessos na história do mercado editorial. O segredo? Dar dicas práticas, de maneira direta e usando exemplos do cotidiano para ilustrar as situações. “Evite criticar ou condenar as pessoas ao seu redor”, “encoraje os outros a falar deles mesmos” e “dramatize suas idéias quando for contá-las a alguém” são exemplos dos conselhos que já foram lidos por mais de 15 milhões de pessoas em todo o mundo.

Os ensinamentos de Dale Carnegie acabaram se transformando em uma rede internacional de treinamento profissional, que conta com 2 mil unidades espalhadas por mais de 70 países, inclusive o Brasil, e não vive só de livros. Ela oferece cursos, organiza palestras e vende produtos. É uma prova de que, à medida que conquistava o mercado, a cultura de auto-ajuda se espalhava também para fora das livrarias.

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Como reconhecer um?

Se você entrar em uma livraria, não vai ter grandes problemas em reconhecer os livros de auto-ajuda. Basta se dirigir à maior prateleira da loja. Mas talvez não seja tão fácil definir o que faz e o que não faz parte do gênero. A obra de Paulo Coelho, por exemplo, costuma receber a etiqueta. “É a temática esotérica que o aproxima do gênero de auto-ajuda. Mas não há dúvidas de que os livros de Paulo Coelho são romances, ou novelas”, diz o historiador gaúcho Mario Maestri, autor de Por Que Paulo Coelho Teve Tanto Sucesso.

Ao contrário dos títulos de Paulo Coelho, livros de auto-ajuda não são romances, mas ensaios: textos analíticos sobre um assunto específico. Eles se dirigem diretamente ao leitor, tratando-o de forma pessoal. Falam com “você”. Não é à toa que, em inglês, receberam a denominação “livros de aconselhamento”. O objetivo deles é servir, ainda que temporariamente, como um amigo ou professor que sempre tem uma palavra de apoio na ponta da língua. Aliás, e apesar de não haver estudos específicos sobre reações cerebrais e livros de auto-ajuda, alguns psicanalistas acreditam que as mensagens contidas neles atuam no cérebro da mesma forma que uma conversa com pessoas em que confiamos: estimulam o lado direito do cérebro, responsável pelas emoções, e ativam a área responsável pelo prazer.

É para que esse “papo” tenha ainda mais efeito que os livros costumam usar letras grandes, tabelas e recapitulações. A idéia é facilitar o quanto puderem a leitura. Nesse sentido, outro trunfo do gênero são as metáforas. “Jogue o jogo da vida como um centroavante” ou “Tudo o que você precisa é lapidar o diamante bruto que há dentro de você” são exemplos de mensagens de alguns dos best sellers do gênero. Essas comparações podem ajudar o leitor a entender mais claramente algo que ele já intuía, ajudando-o a modificar comportamentos. Mas há quem diga que o uso recorrente deste artifício não passa de uma tentativa de maquiar idéias óbvias. “A retórica adotada pela cultura da auto-ajuda me lembra uma frase que Larry Bird (jogador de basquete) disse certa vez a um repórter. ‘Tudo o que sei é que nós ganhamos 100% dos jogos em que terminamos com mais pontos no placar’”, escreveu Steve Salerno no livro Sham: How the Gurus of the Self-Help Movement are Making us Helpless (“Fraude: Como os Gurus do Movimento de Auto-Ajuda Estão nos Tornando Inúteis”).

Outra característica típica é a promoção da idéia de que você é o único responsável por sua felicidade e pode se aprimorar confiando única e exclusivamente em seus poderes interiores. “Quando as pessoas se voltam à cultura de auto-ajuda, elas estão apostando em sua invencibilidade – e negando a vulnerabilidade e fragilidade humana”, diz a socióloga Micki McGee, da Universidade de Nova York.

Mas o contorno mais definitivo do que é a literatura de auto-ajuda está, sem dúvida, no objetivo dos livros. Todos eles – seja pelo sucesso profissional, pela educação dos filhos ou pela capacidade de fazer sexo como uma atriz pornô – prometem fazer de você uma pessoa mais feliz. Ou melhor, uma pessoa 100% feliz. “Os livros destinados a mulheres são a prova disso. Eles costumam dizer que é possível ser ao mesmo tempo mãe, empresária e esposa de sucesso. Isso é impossível”, diz Marcelo Caixeta, especialista em psicologia médica familiar pela Universidade de Paris e autor do livro Psiquiatria Clínica. “Em algum momento, ela terá de renunciar a alguma coisa pela outra. Na vida é assim: sacrifícios são necessários.”

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Por que tanto sucesso?

A explicação mais recorrente é exatamente a promessa de que podemos, sim, driblar os sacrifícios, romper os paradigmas e ser felizes – moeda, aliás, das mais valiosas nos dias de hoje. “A burguesia, a classe social que conduz a era moderna, acabou com o sofrimento e impôs a felicidade como regra”, escreveu o filósofo Pascal Bruckner em A Euforia Perpétua. Para Bruckner, essa obrigação nos coloca em condições ideais de consumir fórmulas milagrosas, entre elas, todo tipo de auto-ajuda. “Existe um arsenal de apetrechos que tenho chamado de felicidade automática”, escreveu Bruckner.

Além disso, a falta de rumo decorrente das mudanças comportamentais do século 20 acabaram por deixar as pessoas cada vez mais carentes de um manual (ou um guru) que lhes explique o que fazer e como. “Hoje, esses livros ocupam um lugar que, antigamente, as religiões ocupavam”, diz a psicanalista Giselle Groeninga, diretora do Instituto de Direito da Família.

Realmente tempos bicudos na economia ou política (que deixam a amarga sensação de desilusão) ou períodos de grandes mudanças de comportamento (que nos fazem questionar nossos papéis dentro da sociedade ou da comunidade) parecem favorecer o consumo de livros de auto-ajuda. De acordo com a Câmara Brasileira do Livro, a maior expansão no Brasil aconteceu na época do chamado “confisco” do ex-presidente Fernando Collor de Mello. Em 1994, 107 títulos venderam 410 mil exemplares no país, um recorde que ainda não foi batido (mas que – pelas notícias de Brasília – pode acabar sendo superado em 2005).

Em 2001, uma pesquisa patrocinada por entidades do mercado editorial brasileiro sugeriu ainda uma outra explicação para o fenômeno: o típico leitor do gênero é um trabalhador assalariado, das classes B e C, que ganha entre 500 e 3 mil reais por mês. Ou seja, é alguém em busca de ascensão social. O resultado não surpreende a socióloga Micki McGee, que defende a tese de que o boom da auto-ajuda é um sintoma da necessidade de reciclagem que o mercado impõe aos trabalhadores que querem se destacar. “O aumento do consumo de auto-ajuda é um sintoma do declínio da economia. Os trabalhadores respondem às dificuldades do mercado de trabalho tentando ‘se aprimorar’ para que continuem empregáveis”, diz.

Eles funcionam?

“O que ganhamos em troca dos 8,5 bilhões de dólares que gastamos com auto-ajuda todos os anos?”, escreveu Steve Salerno na introdução do livro Sham. “A resposta: não há como saber. Tanto dinheiro e tão poucos resultados documentados.” Realmente, é muito difícil fazer qualquer afirmação conclusiva sobre os benefícios de tantos livros, cursos e palestras, já que não há quase nenhum registro sobre o assunto. E um dos problemas é que isso acaba criando uma série de mitos. “Algumas pessoas costumam dizer, por exemplo, que mulheres lêem mais auto-ajuda. Nas informações que revisei, eu não encontrei confirmação para esses dados”, diz McGee.

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Apesar da falta de evidências (tanto do lado de quem apóia quanto do de quem critica), a tese defendida por Steve Salerno é que não estamos ganhando nada em troca do nosso dinheiro. Ao contrário, estamos perdendo. Em Sham, ele conta que os levantamentos de editoras sobre público-alvo mostram que o leitor que comprou um livro sobre como melhorar o casamento vai comprar todas as outras obras lançadas sobre o assunto. “Esse dado me impressionou. Tudo bem que pessoas apaixonados por animais de estimação leiam tudo sobre o assunto. Mas no caso de auto-ajuda a coisa é diferente. Os livros prometem resolver o seu problema – ou ao menos aliviá-lo. As pessoas não deveriam precisar de mais e mais ajuda naquela área”, escreveu. A conclusão a que ele chegou é que os consumidores desses livros não aprendem com eles, apenas passam a viver num mundo de fantasia enquanto dura a leitura. “Fracasso e estagnação são pontos centrais para o movimento de auto-ajuda”, escreveu.

O sociólogo paulista Francisco Rüdiger, autor de Literatura de Auto-Ajuda e Individualismo, tem uma visão parecida. Para ele, o gênero tem por alvo pessoas que provavelmente nunca poderão chegar a ser bem-sucedidas. “A modernidade coloca a cada um a exigência de ser único, diferente e bem-sucedido. Para os que falham, que não conseguem sucesso, é que são publicados os textos de auto-ajuda”, diz.

Já os autores recorrem a 2 argumentos principais para provar a eficiência dos seus livros: o fato de que eles vendem muito (ou seja, satisfazem os leitores) e o fato de estarem no mercado há anos e conquistando cada vez mais espaço. “Mas isso não é prova de que funciona como desejado, mas que a auto-ajuda realiza, em seu próprio consumo, certos sonhos e desejos do homem contemporâneo”, diz Rüdiger.

Alguém que tenha encontrado num livro de auto-ajuda o conforto necessário para um momento de dor, ou que tenha aprendido dicas para se aprimorar profissionalmente, por exemplo, terá uma razão bem mais simples para o sucesso do filão. Dirá que a literatura de auto-ajuda vende porque funciona. A verdade é que, muitas vezes, livros de auto-ajuda acabam sendo julgados com a lente da descrença que não faz distinção entre obras boas e ruins. “Assim como em qualquer setor, há livros de melhor qualidade e aqueles de qualidade duvidosa”, diz Bernardo Gurbanov, da Câmara Brasileira do Livro.

Mas há quem diga que mesmo o livro de auto-ajuda da melhor qualidade não pode fazer mais do que incutir em você o desejo de mudança. Mudar efetivamente já é outra história. “Como você espera quebrar um comportamento de uma vida toda só com a leitura de um livro?”, diz Archie Brodsky, da Escola de Medicina de Harvard e autor de If This is Love, How Can I Feel so Insecure (“Se Isso É Amor, Como Posso me Sentir Tão Inseguro?”, inédito no Brasil).

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Como Brodsky, Micki McGee também acredita que esses livros podem trazer algum alento. E talvez isso tenha a ver com a experiência pessoal dela. “Quando eu era criança, meu pai estava passando pelo que hoje chamamos de fase de transição, mas que na época era conhecido como desemprego mesmo. A casa vivia cheia de livros que prometiam ajudar a ele se reposicionar”, diz. Mas ela endossa o coro dos que não acreditam em grandes transformações. “Mesmo porque muito da literatura de auto-ajuda se apóia em metáforas e parábolas de textos bem conhecidos – como a Bíblia ou alguns sermões clássicos da tradição protestante. Esses livros podem animar os leitores, mas não exigem deles reflexão séria ou ação.” Ou seja, o problema não parece ser ler exemplares do gênero, mas acreditar que, sozinhos, eles poderão tornar sua vida melhor. E nisso concordam os 2 lados da discussão. “Todo sonho tem de ser transformado em projeto”, diz o psicoterapeuta Içami Tiba, autor de Quem Ama Educa, um sucesso editorial. “O que não vale é fazer da procura um projeto de vida.”

 

4 dicas para não cair em armadilhas

1. Verifique as credenciais do autor. É importante que ele tenha experiência na áre a em que pretende aconselhar. “Muitas vezes, a única diferença entre o autor e o leitor é que o primeiro consegue convencer uma editora a publicar seu livro”, escreveu Steve Salerno.

2. Não troque seus amigos por livros de auto-ajuda. Apesar de servirem de conselheiros, eles não podem substituir a convivência com pessoas em quem você confia. “Usando o apelo de mais humanização, esses livros podem acabar nos desuman izando”, diz a psicanalista Giselle Groeninga.

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3. Verifique se as teorias apresentadas no livro estão apoiadas em métodos e conceitos comprovados pela ciência.

4. Não use o número de exemplares vendidos como a única referência para escolher um livro. “Nem tudo o que vende muito é bom. Às vezes, ele só é mais convincente em nos iludir”, diz Groeninga.

 

3 dicas para achar o melhor da auto-ajuda

1. Títulos que ensinam como lidar com distúrbios de humor, ansiedade e estresse podem mesmo funcionar e trazer resultados práticos, desde que estejam ancorados em fundamentos científicos.

2. Livros que dividem experiências pessoais, como os que dão dicas para a educação de filhos, podem ser muito úteis, principalmente se você não tem parentes próximos que já tenham passado pela mesma situação. A socióloga Micki McGee, da Universidade de Nova York, acha que eles nem deveriam ser incluídos na categoria de auto-ajuda.

3. Evite os livros que ensinam como administrar perfeitamente uma empresa ou um casamento. Eles tendem a não funcionar porque cada problema nesses campos depende de diversas particularidades. Um autor que tenta lhe ensinar a melhor maneira de sobreviver a um divórcio, por exemplo, não tem como saber em que condições específicas a separação ocorreu.

 

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