Luiz Barco
A maioria das pessoas aprendeu a contar ainda muito criança e poucas tiveram oportunidade de refletir sobre esse aprendizado. Ele começa com uma espécie de coordenação entre os dedos e certas palavras; logo passamos a associar certos padrões formados por nossos dedos (ou palitos, ou blocos de madeira, ou contas) com certas palavras. Essas palavras são chamadas números, e nós temos de memorizá-las numa série ordenada. Quando os dedos já não são suficientes, aprendemos um processo retórico que nos faz capazes de aumentar os limites de contagem, sem recorrer a novos padrões.
A essa altura, a contagem transformou-se num jogo de palavras. Quando percebemos que o que foi feito uma vez sempre pode ser repetido, completamos a série numérica com um “e assim por diante”. E assim julgamos completada nossa educação sobre contagem, sem ao menos perceber que plantamos na mente a idéia da infinidade. Apesar de dominarmos esse processo desde criança, não há dúvida de que ele se apóia numa idéia matemática bastante complicada.
Essa idéia afirma que qualquer número inteiro positivo só pode ser representado de uma maneira. Tomemos um exemplo: 507.234. Será representado assim: 500.000 mais 7000 mais 200 + 30 + 4, como um polinômio arranjado em potências em potência de 10 (5 x 105 + 7 x 103 + 2 x 102 + 3 x 10 + 4), com os coeficientes (5,7, 2,3 e 4 no exemplo) restritos a inteiros menores que 10.
Tal sistema foi desenvolvido pelos fenícios muitos séculos antes de nossa era. Eles escreviam o número do nosso exemplo mais ou menos assim: 5c 7m 2c 3d 4. O c representa a centena do milhar, o m a unidade do milhar, ou c as centenas simples, o d as dezenas simples. Nos primeiros séculos de nossa era, um hindu anônimo imaginou o zero para marcar a ausência de qualquer quantidade. E nosso número passou a ser descrito desta forma: 5c, 0d ,7m, 2c, 3d e 4. O d depois do zero significa dezena de milhar. E assim acabou nos dispensando de acrescentar as letras aos números, pois, usando o zero para as casas que ficariam vagas, todos eles passaram a ocupar o lugar correto na ordem que pretendemos representar. Nosso sistema posicional de numeração é decimal: cada unidade colocada em certa ordem vale dez vezes a unidade da ordem imediatamente anterior. O sistema decimal e é aceito universalmente, mas outras bases também são usadas eventualmente. O sistema sexagesimal (base de sessenta) persiste na medida do tempo e dos ângulos. Talvez seja uma herança dos babilônios, grandes astrônomos do passado.
A preferência pelo dez não se baseia em algum mérito especial desse número, mas é apenas uma conseqüência do acidente fisiológico que nos dotou de dez dedos. Hoje seria insensato pensar em mudar essa base, mas no passado algumas tentativas foram feitas. No final do século XVIII, o grande naturalista francês Georges – Louys Leclerc, Conde de Buffon (1707-1778), sugeriu o sistema duodecimal (base 12). As vantagens desse sistema decorrem do fato de que a base em doze é mais rica em divisores que a base dez. O o hábito de cotar em dúzias é uma herança da idéia de Buffon.
Outra tentativa foi a de Joseph-Louis de Lagrange(1736-1813), matemático, que sugeriu que a base fosse um número primo (com somente dois divisores, ele mesmo e o um). Escolheu o onze, destacando que nesse sistema de onze símbolos todas as frações seriam irredutíveis.
Há ainda o sistema binário, utilizada na informática. Dele falaremos em outra oportunidade.
Agora vamos lembrar apenas que mesmo pessoas instruídas costumam não se dar conta da importância dessa construção. E nem sabem que há menos de quatro séculos a única bagagem que o homem de cultura média dispunha para calcular eram seus dedos. Para elas vale lembrar a frase do matemático americano Tobias Dantzig: “Enquanto o homem contar por dezenas, seus dedos lembrar-lhe-ão a origem humana dessa fase muito importante da sua vida mental. Assim possa o sistema decimal permanecer como monumento à proposição: o homem é a medida de todas as coisas”.