Denis Russo Burgierman, diretor de redação
No dia 5 de outubro, mais de 100 milhões de brasileiros foram às urnas votar. Até onde pude observar, não foi um dia muito alegre. Vi pelas calçadas mais de um bufar, irritado, diante de algum sorriso alheio que escapasse. Pelas redes sociais, milhares cancelavam amizades de décadas, por conta de mágoas eleitorais.
No dia seguinte, segunda-feira, começou no Rio de Janeiro o TED Global (veja na página 44). Lá, o clima era de alegria. Gente de 70 países trocava ideias e contava histórias incríveis sobre formas de mudar o mundo. Os brasileiros brilharam. Do engenheiro florestal Tasso Araújo, cujas políticas levaram a uma redução de 80% no desmatamento da Amazônia, ao empresário Ricardo Semler, que desafia todas as certezas do mundo dos negócios e agora investe em educação. Da ativista digital social Alessandra Orofino, que encantou a plateia toda com uma defesa racional e apaixonada do poder da mobilização social, a Miguel Nicolelis, Bruno Torturra, José Padilha, Vik Muniz e vários outros. Foi inspirador.
Dois dias depois, na quarta-feira, dia 8, tive que escapar do TED para ir ao cinema em Botafogo. Era a noite de pré-estreia do filme ILEGAL, um documentário de autoria de Tarso Araujo, Raphael Erichsen e grande equipe, produzido pela SUPER. Estavam presentes cinco mães que aparecem no filme – cinco das mulheres mais corajosas que já conheci. O que as une é a tragédia de enfrentar em casa alguma doença terrível, tendo o Estado como inimigo – já que o remédio do qual elas e seus filhos precisam é maconha e, portanto, ilegal. O filme é lindo e nós da SUPER temos muito orgulho de estarmos envolvidos. Terminamos a noite celebrando com cerveja, risos e lágrimas a decisão do conselho de medicina de São Paulo, tomada naquele mesmo dia, permitindo que médicos prescrevam remédios derivados da maconha para quem tem necessidade deles. Supomos que a decisão seja um pouco consequência da mobilização da qual ILEGAL faz parte.
Foi uma semana intensa, difícil, cansativa. Ainda mais porque levei minha filhota de 1 ano e 4 meses ao Rio e a luminosidade intensa de lá a acordava bem cedo de manhã. Precisava pegá-la no colo às 5h30 e depois o TED comia solto das 8 da manhã até depois da meia-noite.
Agora, de volta a São Paulo, sentado cansado à minha mesa, escrevendo esta carta, sou acometido pela certeza de que a eleição presidencial importa, claro. Mas importam muito mais as ideias e as ações de gente como Tasso, Ricardo, Alessandra, Miguel, Bruno, José, Vik, Tarso, Rapha, Camila, Katiele e todas as mães e pais de ILEGAL. Para a geração de Aurora importam mais as ações de gente mudando o mundo de baixo para cima. Sinto muito que tanta gente tenha encerrado amizades por causa de coisas que importam tão menos. Afinal, amizades estão entre as coisas que importam.