Atrito implacável
Terremotos continuam a causar desastres enormes, apesar de os cientistas saberem cada vez melhor onde eles vão atacar. O difícil é decidir quando tirar os habitantes de lá.
Flávio Dieguez e Denis Russo Burgierman
Na madrugada do dia 21 de setembro, a ilha de Taiwan começou a chacoalhar, como se estivesse à deriva nas ondas do Mar da China. A capital, Taipé, foi devastada, caíram prédios inteiros. Perto de 3 000 taiwaneses morreram. A tragédia parece ter pego todos de surpresa. Mas, seis meses antes, os pesquisadores do Departamento de Geologia de Taiwan tinham avisado que o perigo era iminente. A ilha fica bem sobre a beirada de uma placa tectônica, a eurasiana, que está em atrito com outra, a das Filipinas. Os cientistas já sabiam que, um dia, pelo desgaste mútuo, a massa eurasiana iria escorregar para cima da outra. Foi isso que aconteceu. “A pressão estava aumentando desde 1935, data do último grande tremor”, disse à SUPER Chris Browitt, que está rastreando o tremor de Taiwan para o Serviço Geológico Britânico. “Sabíamos que o sismo viria.” O problema era descobrir quando.
fdieguez@abril.com.br • drusso@abril.com.br
Algo mais
O terremoto de Taiwan atingiu 7,6 na escala Richter. Os outros dois grandes terremotos deste ano, na Turquia e na Grécia, chegaram a 7,4 e 5,9, respectivamente. Para comparar, os dois maiores tremores já registrados no planeta, no Alasca em 1964 e no Chile em 1960, alcançaram 8,5 pontos na mesma escala.
Área de risco
Taiwan fica bem na fronteira entre duas massas subterrâneas.
O terremoto de 21 de setembro começou com o atrito entre duas placas tectônicas exatamente embaixo da ilha de Taiwan.
Raspada mortal
O atrito entre duas placas rochosas fez Taiwan chacoalhar.
No momento em que a placa eurasiana deslizou sobre a das Filipinas, a ilha de Taiwan, que estava em cima, ruiu.
O efeito da tensão entre as placas é como o de empurrar uma mesa muito pesada.
No início você faz força e ela não se move. Mas, quando sai do lugar, move-se aos trancos, derrubando pratos e talheres.
A mesa é a placa eurasiana e o chão da sala é a das Filipinas.
Crônica de um abalo anunciado
Taiwan realmente estava à deriva na madrugada de 21 de setembro. Mas não foram as correntes do oceano que fizeram a ilha tremular. Foram outras, provocadas por rochas derretidas a mais de 100 quilômetros de profundidade, submetidas a uma pressão tão grande que balançam como se fossem de água. Em cima delas ficam as placas tectônicas, blocos que bóiam carregando os continentes e oceanos. É a trombada entre essas placas que causa tais tragédias aqui na superfície.
Prever o modo exato como elas irão se mover é difícil. Por isso, ainda não dá para marcar a hora de um terremoto nem preparar os habitantes da área para que deixem suas casas e esperem pelo tremor em terra firme. Adivinhar o lugar exato de um sismo também é muito complicado, mas um cientista americano conseguiu a façanha de predizer o local do terremoto devastador que agitou a Turquia em agosto.
Só quando a região da cidade turca de Izmit foi destruída, deixando 15 000 mortos, pesquisadores do mundo inteiro perceberam que o desastre tinha sido anunciado dois anos antes, num estudo do geólogo Ross Stein, do Instituto de Pesquisa Geológica dos Estados Unidos, um órgão federal. Foi a antecipação mais exata já feita de um tremor (veja infográfico). Infelizmente Stein não tinha como dizer a hora do infortúnio.
O trabalho de Stein sugere que o abalo turco pode estar ligado a outro, que em 9 de setembro matou pelo menos 83 moradores de Atenas, na Grécia. “É possível que exista uma conexão”, declarou ele à SUPER. “Mas não sabemos como explicá-la porque os dados são insuficientes”. À medida que houver mais informação, saberemos como os tremores se encadeiam e onde a bomba-relógio vai explodir. O geólogo Browitt concorda e acrescenta: “Em algumas décadas, também conseguiremos acertar a hora em que eles vão ocorrer”. Só então o mundo deixará de estar à deriva nas ondas sísmicas.
Um desastre puxa o outro
Na Turquia, cada tremor enfraquece outra área ao longo de uma fenda. Anos depois, a região afetada chacoalha.
Em 1997, o geólogo americano Ross Stein descobriu que havia rochas fragilizadas sob a cidade de Izmit, local do terremoto deste ano. Stein deduziu que os buracos observados no subsolo haviam sido criados pelo grande abalo ocorrido em 1992 mais de 800 quilômetros a leste dali. Previu, então, que Izmit seria a próxima a tremer. Na verdade, ele havia compreendido a lógica de todos os terremotos na Turquia desde 1939.
O geólogo percebeu que eles sempre aconteciam em áreas afetadas por abalos anteriores. Acompanhe no infográfico ao lado esse pingue-pongue a partir de 1957.
Veja onde está a falha
A zona de tremores passa pela Europa e pela Ásia.
A placa da Europa e a da Anatólia se encontram nesta linha vermelha
Roça-roça
Quando as placas tectônicas deslizam, a costa da Turquia fica agitada.
As placas da Anatólia e da Europa se comportam como dois caminhões que, ao colidirem de frente, desviam-se para um lado e para o outro. Foi isso que rasgou Izmit ao meio em agosto e matou 15 000 turcos.
Pingue-pongue sísmico
Acompanhe o sinistro vaivém de terremotos de leste a oeste desde 1957.
1. 1957 – Terremoto perto da capital Ancara vai causar, nove anos depois, um abalo bem no leste da Turquia.
2. 1966 – O tremor, quase na fronteira com a ex-União Soviética, devolve a bola para o oeste.
3. 1967 – Por isso, a nova catástrofe ocorre outra vez perto de Ancara, quatro anos depois
4. 1971 – O abalo anterior cria uma onda que vai bater quase 1 000 quilômetros a leste.
5. 1992 – Como resultado do tremor de 71, o seguinte volta, novamente, para o oeste.
6. 1999 – Depois de tantas idas e vindas, o tranco subterrâneo atinge Izmit em agosto passado.
Perigo à vista
Muito perto da linha dos tremores, a cidade histórica de Istambul, com 7,6 milhões de habitantes, é um dos alvos na mira do tiroteio que inferniza o subsolo da Turquia.
1. 1957 – magnitude: 6,8
2. 1966 – magnitude: 6,6
3. 1967 – magnitude: 7,0
4. 1971 – magnitude: 6,8
5. 1992 – magnitude: 6,5
6. 1999 – magnitude: 7,4
Ao longo desta falha, as placas deslizam 16 milímetros por ano
Abalos de magnitude 7,0 na escala Richter ocorrem quinze vezes por ano em diversas regiões da Terra.
Por sorte, a maioria é despovoada.
O foco do terremoto deste ano estava a 17 quilômetros de profundidade