Se você pensa que esse milenar projétil de origem australiana é uma brincadeira primitiva, está muito enganado. Criado há pelo menos 10 000 anos, o wu-mera – “pau da vida” ou “alavanca”, como foi batizado pelos aborígenes turuwal – é um prato cheio para qualquer curso de engenharia avançada, um festival de fenômenos físicos tão complexo que explicar seu percurso de ida e volta é um osso duro de roer até para especialistas experientes… que dirá simples mortais como nós! “Arremessado corretamente, o bumerangue é submetido a um conjunto de forças aerodinâmicas que faz com que, a cada momento, ele se desvie ligeiramente para o lado, resultando em sua característica trajetória circular”, diz Nide Geraldo Couto, engenheiro do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). “Antes de mais nada, ele é capaz de voar porque possui o formato de um par de asas (veja o Quadro 1 do info). Isso cria uma força direcionada para cima: é a chamada força de sustentação, que mantém o objeto voando.” Como o bumerangue é arremessado na vertical, essa força acaba agindo na horizontal, direcionando-o para o centro do círculo a ser traçado no ar – ou seja, atua também como uma força centrípeta . “É a mesma força que ajuda um carro a fazer uma curva”, afirma Couto. O casamento dessas forças chama-se efeito giroscópico: ao girar do bumerangue, elas se distribuem de forma diferenciada em cada ponta (3 e 4). Essa diferença é que faz o objeto estar continuamente mudando de direção (5), até fazer a volta completa. Tudo isso foi desenvolvido a partir de um primeiro modelo de bumerangue não-retornável, usado como arma para guerra e caça. O sucesso nestas funções tornou-o um utensílio de uso diário pelos nativos: ora friccionado para fazer fogo, ora no papel de faca, martelo ou pá, ou mesmo como instrumento de percussão e até brinquedo. Hoje o bumerangue se espalhou pelo mundo e se tornou um esporte popular, com campeonato mundial de diversas modalidades: maior distância, tempo máximo no ar e melhor malabarismo, entre outras.
Para saber mais
Na internet:
https://mutley.ucdavis.edu/Book/Sports/instructor/boomerang-01.html
ja.lemos@abril.com.br
Objeto voador identificado
Ida e volta do bumerangue são um complexo jogo de forças aerodinâmicas
1. O formato abaulado de asa é o que mantém o bumerangue voando após o arremesso. O ar que passa por baixo, onde o objeto é reto, tem de percorrer uma distância menor que o ar que dá a volta por cima, onde ele é curvo. Fazer essa curva aumenta a velocidade do ar. Quanto maior a velocidade, menor a pressão: ou seja, a pressão embaixo resulta maior que a de cima. Isso gera a chamada força de sustentação, que impede a queda imediata do bumerangue
2. Como o bumerangue é arremessado na vertical, a força de sustentação aponta para o centro do trajeto a ser percorrido. Assim, ela funciona também como uma força centrípeta, desviando o objeto voador para o lado e provocando a curvatura de seu percurso circular
3. À medida que o bumerangue gira, sua ponta que está para cima sempre se projeta para a frente e a de baixo, para trás. Assim, a ponta superior sempre ganha mais velocidade que a inferior, embora o centro do objeto se desloque a uma velocidade constante. É como um peão que gira sobre si mesmo, mas ao mesmo tempo se desloca no espaço: o chamado efeito giroscópico, que fará o bumerangue dar a volta completa no ar
4. Esta é a aerodinâmica de toda asa: quanto maior a velocidade, maior a força de sustentação (por isso um avião só decola ao atingir uma velocidade mínima). Da mesma maneira que a velocidade da ponta de cima é maior que a de baixo, a força de sustentação que age na extremidade superior é maior que a outra
5. Apesar de a força de sustentação extra surgir na ponta superior, ela só surte efeito um quarto de volta depois, quando esta mesma ponta passa para a frente . Moral da história: toda vez que uma das extremidades assume a posição frontal, o objeto estará um pouco mais deslocado para o centro. Assim, o efeito giroscópico vai se completando, até o bumerangue retornar à mão de quem o lançou
O jeitinho certo
Para cumprir seu destino circular, o bumerangue tem de ser atirado quase na vertical. A chave é o ângulo, que precisa ser calculado conforme o vento. Se estiver ventando forte, o objeto deve ser jogado mais em pé, em um ângulo fechado, para não subir demais. Se não, o vento o leva embora, para nunca mais voltar. Da mesma maneira, um vento fraco pede um lançamento com o bumerangue mais deitado, em um ângulo aberto.