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Conselhos errados: “Tenha pelo menos dois filhos… Porque filhos únicos são problemáticos”

Quantos pais felizes com seus bebês únicos não são pressionados a ter mais um filho "para o próprio bem do primogênito"? Bobagem. Para a psicologia atual, ter irmãos não é fundamental para o desenvolvimento das crianças

Por Ana Paula Severiano
Atualizado em 31 out 2016, 18h48 - Publicado em 1 fev 2013, 22h00

Um dos grandes culpados pelos rótulos – mimados, egoístas, antissociais, mandões, dependentes – que os filhos únicos recebem é o psicólogo G. Stanley Hall, conhecido como o fundador da psicologia infantil. Com base em estudos conduzidos no final do século 19, ele chegou a afirmar que o “filho único era uma doença em si mesmo”. Mas pesquisas mais atuais contrariam a ideia postulada por Hall e deixam claro que filhos únicos conseguem se desenvolver tão bem quanto quem tem irmãos. “Esses estereótipos sociais não têm bases na realidade. É o estilo dos pais, mais que o número de irmãos, que influencia como um filho único – ou qualquer criança – se desenvolve”, sustenta Susan Newman, psicóloga social e autora do livro The Case for the Only Child. Ainda há os pesquisadores que reforçam a contribuição fundamental dos amigos no desabrochar da personalidade de cada um.

Hall criou o primeiro laboratório americano de psicologia e foi respeitado em sua época. Mas, para alguns psicólogos, seu estudo de 1876, Of Peculiar and Exceptional Children, em que ele conclui que todos os filhos únicos são estranhos, ajudou a propagar uma ideia falsa. Segundo Newman, essa crença de que irmãos são fundamentais para um desenvolvimento saudável faz com que mesmo pais que se sentem realizados com um só filho se sintam pressionados socialmente a ter outra criança – porque o velho conselho reza que “ganhar um irmão fará muito bem ao primogênito”. Para ela, a relação causa-consequência aqui pode ser invertida: o reforço da ideia de que filhos únicos são problemáticos é que pode levar a mudanças no comportamento da criança.

A propagação do mito de Hall se deve ao fato de ele ter sido tão pouco questionado pelo mundo acadêmico, ainda que seu experimento tenha usado uma amostragem tão pouco controlada. O que ele fez: enviou questionários a professores, para que eles descrevessem crianças “peculiares e excepcionais” que estudassem em suas classes ou que tivessem conhecido ao longo de sua vida. A maioria dos 1 045 questionários analisados veio de uma mesma escola, e também entraram no grupo alguns filhos de conhecidos de Hall. Com base em relatos do tipo “ele revirou os olhos, de modo a mostrar apenas os brancos” ou “aos 6 anos, ela tem medo de sapos”, o pesquisador concluiu que filhos únicos da amostra tinham mais propensão a ser “peculiares e excepcionais”.

Essas conclusões só começaram a ser realmente revistas pela ciência a partir da década de 1970. Foi quando Toni Falbo e Denise Polit, da Universidade do Texas, se empenharam na revisão de 115 estudos que de algum modo envolviam filhos únicos para concluir que eles não eram mensuravelmente diferentes daqueles com irmãos – a não ser por apresentarem melhor desempenho escolar e mais autoestima. Por quê? Aparentemente, por receberem mais incentivo dos pais e porque não precisam competir por atenção com irmãos. Como convivem mais tempo com adultos, foi observado que também costumam ter melhor vocabulário que a média das crianças. Uma das pesquisas, da Universidade de Warwick, Reino Unido, que entrevistou jovens de 40 mil famílias, chegou até a inferir que eles podem virar adolescentes mais satisfeitos, dado o cuidado e o investimento dos pais. Seus resultados foram que, quanto mais filhos na casa, mais reclamações os adolescentes tinham. Além disso, diziam sofrer mais com o bullying dos irmãos do que com o dos colegas de escola.

O estudo “Personality and Social Skill Differences Between Adults With and Without Siblings”, publicado no The Journal of Psychology, mediu, com questionários, a habilidade de pessoas com e sem irmãos em expressar seus sentimentos, interpretar comunicação verbal e não-verbal e controlar suas emoções. De novo, diferenças pouco significativas. Dados mais recentes, de 2010, sobre socialização de filhos únicos também vão nessa linha. Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores Donna Bobbit-Zeher e Douglas Downey, do Departamento de Sociologia da Universidade de Ohio, usaram os dados de 13 mil alunos coletados pelo Estudo Nacional da Saúde do Adolescente, com jovens dos anos equivalentes aos ensinos fundamental e médio no Brasil. O método foi pedir a cada participante que, a partir da lista de nomes de quem estudava em sua escola, apontasse 5 amigos e 5 amigas. Na média, cada aluno foi nomeado por 5 colegas. Não houve diferenças significativas entre aqueles que tinham irmãos e os que não tinham.

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Moral da história: hoje, para a psicologia do desenvolvimento, a dicotomia crianças com versus crianças sem irmãos ficou datada. Pela simples falta de indícios de que essa condição, por si só, gere personalidades mais ou menos problemáticas. Quanto à ladainha daquele parente mais velho, que diz que filhos únicos são uns coitados porque não têm com quem brincar, Suzan Newman responde, em um artigo escrito para a Psychology Today em 2011: “Tecnologias permitem aos filhos únicos estar mais conectados a outras crianças do que nunca, e essa conexão dá a eles uma vida social que se estende além das horas da escola e das atividades que eles dividem com os amigos”, diz. Quem já é pai ou mãe de um só e decidiu fechar a fábrica depois da estreia, pode ficar descansado. O mais difícil de criar um filho único vai ser ignorar os comentários da família.

Você deve amar todos os seus filhos igualmente

Ok, até aqui você pode estar pensando que esta matéria foi escrita por uma filha única (sim, verdade). Para provar a nossa imparcialidade, vamos falar também das famílias grandes. Para quem tem o sonho de ter um time de futebol em casa, a marcação cerrada dos conselheiros-que-tudo-sabem não é menor. Ótimo, você já teve pelo menos dois, já fez sua parte para que a população mundial não diminua, agora o importante é ter em mente que “pais não podem ter um filho preferido” e que é crucial que “irmãos sejam tratados do mesmo jeito”.

Tudo indica que isso seja pura hipocrisia. Pais têm, sim, um filho preferido. Catherine Conger, professora de desenvolvimento humano e estudos de família da Universidade da Califórnia em Davis, visitou durante 3 anos 384 famílias que tinham dois filhos – totalizando 9 visitas por família, em que ela não só entrevistava os membros, mas observava e gravava em vídeo momentos de convívio, como a hora do jantar. Os resultados: 65% das mães e 70% dos pais demonstraram preferência por um dos filhos, em geral, o mais velho. Psicólogos evolucionistas acreditam que essa preferência esteja associada ao investimento feito no primeiro filho. Uma vez que este já representa o sucesso da descendência das famílias, não seria preciso se preocupar tanto com os que chegam depois – certas espécies de pinguins, por exemplo, preterem um de seus ovos quando o outro já vingou.

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Embora os cientistas acreditem que, para a maioria dos pais, há um preferido, nem todos concordam com os resultados alcançados por Conger. Outro estudo, de Catherine Salmon, da Universidade de Redlands, nos EUA, acompanhou famílias ao longo de dois anos e concluiu que mães tendem a tratar melhor os garotos primogênitos enquanto os pais elegem as filhas caçulas.

Algum problema nisso? A psicóloga americana Ellen Libben e autora do livro The Favorite Child, que reúne pesquisas sobre o assunto, diz que “o favoritismo é normal e ocorre em toda família – tradicional ou não tradicional, com muitas ou poucas crianças”. O que não significa que se deva dizer :”filho, amo mais o seu irmão”. O importante seria não ignorar que há relações únicas com cada um. Além de manter as mesmas regras para todos os filhos e ter consciência de que eles sabem o que está rolando na cabeça dos pais: “As crianças apreciam a singularidade das diferentes relações na família, entendendo que não há dois vínculos iguais. Elas facilmente aceitam que o pai e o filho esportistas têm uma ligação única”, por exemplo. Em geral, os pais podem preferir um filho a outro por questões de afinidade ou porque encontram neles características que admiram, mas não têm. Também acontece de o favorito mudar ao longo da vida – um caçula que atrai muita atenção assim que nasce pode não parecer tão adorável depois de alguns anos. “As crianças são menos propensas a ser marcadas pela dinâmica do favoritismo quando podem expressar livremente suas reações sem que os pais ouçam e fiquem na defensiva”, completa Ellen.

Filhos únicos têm amigos imaginários e isso é sinal de problema

Professora de psicologia da Universidade do Oregon e autora do livro Imaginary Companions and the Children Who Create Them, Marjorie Taylor afirma que 65% das crianças têm amigos imaginários até os 7 anos, independentemente do número de irmãos com que convivem. Marjorie diz também que “a presença de amigos imaginários na vida de filhos únicos ou primogênitos não é necessariamente um sinal de solidão ou de estresse psicológico”. A conclusão é apoiada por um pesquisador de psicologia da Universidade de Yale, Jerome Singer. Nos testes que aplicou, ele descobriu que crianças com amigos imaginários se mostraram mais criativas, têm melhor vocabulário e não ficam facilmente entediadas – afinal, sabem se divertir sozinhas quando ninguém está dando bola pra elas. Também não importou o número de irmãos e se havia mais meninos ou meninas na família.

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Para saber mais

The Case for the Only Child. Susan Newman, Health Communications, 2011.

 

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