Conversa profética
"Ele comanda uma empresa que se orgulha de ter uma mistura do idealismo dos anos 60 e o tino comercial dos anos 80", afirmava a revista Playboy em 1985. Confira trechos desta entrevista histórica
Quando aceitou ser entrevistado pelo jornalista freelancer David Sheff para a revista Playboy, Steve Jobs batalhava para convencer o mundo da revolução trazida pelo Macintosh. A entrevista seria publicada em fevereiro de 1985. Pouco tempo depois, ele foi afastado da Apple. A conversa com o repórter refletia a tensão vivida pela empresa na época. Em vários momentos, ele teve que explicar richas internas e o fracasso de dois produtos (leia mais sobre o assunto na página 20). Mas esta entrevista se tornou histórica por outros motivos.
Poucas vezes o reservado Jobs falou tão abertamente com a imprensa. Nesta ocasião, fez previsões que se tornariam proféticas. Em uma época em que ainda fazia sentido perguntar quais os argumentos para ter computadores em casa, ele já antevia a internet.
O empresário, que estava para completar 30 anos de vida, levou Sheff para uma festa de aniversário na Califórnia. Impressionou o repórter por dar mais atenção ao aniversariante, um garoto de 9 anos, do que ao artista plástico Andy Wharhol. Por que ele preferia a companhia do jovem? “Pessoas mais velhas sentam e perguntam ‘O que é isso?’”, ele respondeu. “Mas o garoto pergunta, “O que eu posso fazer com ele?”’
Que tal você dar razões concretas para que se deve comprar um computador?
Há respostas diferentes para pessoas diferentes. Nos negócios, é fácil. Você prepara documentos e arquivos com mais velocidade e em nível de qualidade impossível de esperar de uma pessoa. Também aumenta-se a produção, porque livra as pessoas do trabalho puramente mecânico.
A razão básica para comprar um computador pessoal, hoje em dia, é que você deseja fazer algum trabalho em casa ou quer usar programas educacionais para você ou para seus filhos.
Você sabe que algo está acontecendo, só que não sabe exatamente o quê. Mas tudo isso vai mudar: o computador será uma peça essencial na maioria das residências.
As pessoas terão computadores em casa quando eles puderem ser ligados em uma cadeia nacional de comunicações e informação. Estamos apenas no início do que pode ser uma revolução na vida das pessoas – uma revolução tão importante quanto a proporcionada pelo telefone.
Então você está pedindo que as pessoas invistam US$ 3 mil em algo que é essencialmente um ato de fé?
No futuro, não será um ato de fé. O problema é que hoje as pessoas querem saber coisas específicas e a gente não sabe o que dizer. Mas, há 100 anos, se alguém perguntasse a Alexander Graham Bell o que se poderia fazer especificamente com um telefone, ele também não teria sabido responder. Enfim, há coisas que hoje não se pode conceber. Mas acontecerão.
Em 1844, foi inventado o telégrafo, uma fantástica inovação no mundo das comunicações: em pouco minutos, podia-se enviar mensagens de lugares distantes. Muita gente falou em colocar um aparelhinho de telégrafo em cada escrivaninha para aumentar a produtividade. Não funcionou. Havia aquele negócio de código Morse, pontos e traços. Felizmente, Graham Bell inventou o telefone. Fazia exatamente o que o telégrafo fazia, só que as pessoas podiam usá-lo com facilidade.
Tem gente dizendo que precisamos colocar um IBM-PC em cada escrivaninha da América. Não funciona. Desta vez, é preciso aprender programação, e ninguém vai fazer isso. É aí que entra o Macintosh: nosso computador é o “telefone” da indústria de computadores.
Pelo menos um crítico disse que o Macintosh é “o quadro-negro mais caro do mundo” .
Imagine o que qualquer um pode fazer com um quadro negro tão sofisticado! Não só ajuda a incrementar a produtividade e a criatividade das pessoas: faz com que a comunicação seja mais eficiente.
São necessárias pessoas malucas para fazer grandes projetos?
De fato, você precisa pensar diferente, fazer coisas novas, adotar novas ideias e jogar fora as velhas. Sim, sim, o pessoal que fez o Mac estava bem no limite da loucura.