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Devagar, quase parando

O trânsito da maior cidade brasileira irrita os moradores e projeta o que pode acontecer nos grandes centros do país. A saída para o caos: recuperar o transporte coletivo e integrar cada vez mais o trem, o metrô e o ônibus.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h47 - Publicado em 30 abr 2003, 22h00

Cláudia de Castro Lima

Sete milhões de carros, quase um para cada dois moradores. A impressionante frota de veículos da região metropolitana de São Paulo é a maior do país e uma das maiores do mundo. Uma conta rápida mostra a dimensão do problema: se considerarmos que cada automóvel tem 3,5 metros de comprimento (tamanho de um carro compacto como o Uno, por exemplo), esses 7 milhões de veículos, enfileirados, ocupariam 24.500 quilômetros de vias – a distância entre a Patagônia argentina e o Alasca. Se todos os paulistanos e moradores das cidades ao redor saíssem de carro ao mesmo tempo, a região e seus 16.000 quilômetros de ruas ficariam quase totalmente travados nos dois sentidos.

O trânsito de São Paulo e seu efeito negativo sobre a qualidade de vida dos moradores pode ser traduzido em alguns números dramáticos: são mais de 120 quilômetros de congestionamento todos os dias (mesmo com o rodízio, que restringe a circulação de cerca de 20% da frota nos dias úteis), 316 milhões de horas anuais que os paulistanos perdem nos engarrafamentos, 20% de queda de produtividade nas empresas devido ao estresse e ao atraso dos funcionários, 1,9 milhão de toneladas de monóxido de carbono e 430.000 de hidrocarbonetos que são emitidas no ar a cada ano. Um estudo do engenheiro e consultor de trânsito Adriano Branco traz mais dados alarmantes: a região metropolitana perde nada menos que R$ 22 bilhões por ano com os congestionamentos. Essa cifra inclui o desperdício de combustível (R$ 2,6 bilhões por ano), os estragos causados pela poluição ao meio ambiente e a perda de tempo e de eficiência no trabalho, entre outros fatores.

Menos túneis, mais metrô

Grande parte das cidades brasileiras, incluindo São Paulo, cresceu desordenadamente e relegando o transporte de massa a segundo plano. O que os paulistanos viram nos últimos anos foram investimentos altíssimos em túneis, viadutos e avenidas. O dinheiro empregado no túnel Ayrton Senna, que passa sob o parque do Ibirapuera e custou R$ 745 milhões aos cofres públicos, seria suficiente para construir alguns quilômetros de metrô. “Gasta-se mais em sistema viário para automóveis do que em corredores para transporte público”, diz Valeska Peres Pinto, presidente do Sindicato dos Arquitetos do Estado de São Paulo. “São viadutos, túneis, cebolões, cebolinhas, uma verdadeira salada. E tudo só para o uso do carro.”

Os paulistanos – e os brasileiros em geral – vivem o que os especialistas chamam de “cultura do automóvel”. “O carro é hoje muito mais que um meio de deslocamento. Ele mexe com valores e sentimentos”, diz Nazareno Stanislau, diretor executivo da Associação Nacional de Transporte Público (ANTP). Esse caso de amor não pára de crescer e de complicar ainda mais a vida dos moradores: a cada dia útil, 1.500 novos carros começam a circular na Grande São Paulo.

Muitos podem alegar, com razão, que só usam o automóvel pela falta de alternativas de transporte público de qualidade. Uma metrópole com a dimensão de São Paulo não funciona sem um transporte coletivo racional. Há um consenso entre os especialistas ouvidos pela Superinteressante: o destino da cidade é enterrar-se, literalmente, com o metrô. Um sistema metroviário eficiente, no entanto, deve servir apenas como um meio estruturador, integrando-se a outros meios de transporte. “Não há como o metrô passar na esquina da casa de todo mundo”, afirma Arnaldo Luís Santos Pereira, diretor de Planejamento e Expansão do Metrô de São Paulo. “O que deve haver é uma complexa rede que compreenda um sistema de ônibus mais racional, com linhas coordenadas e tarifas integradas.”

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São Paulo conta atualmente com 58,6 quilômetros de metrô e 52 estações. É muito pouco se comparado com a malha de outras metrópoles. Londres, por exemplo, tem 394 quilômetros e 270 estações. O sistema paulistano detém outro título nada invejável: é o segundo do mundo em densidade (número de passageiros por quilômetro de linha), perdendo apenas para o de Hong Kong. Transporta anualmente mais de 500 milhões de pessoas. “Há estações, como a Sé, que estão explodindo”, admite Jurandir Fernandes, secretário estadual de Transportes Metropolitanos.

Plano existe

Em meio a esse caos, será que não há mais solução para o transporte e o trânsito de São Paulo? Resposta: é possível, sim, melhorar o que os especialistas chamam de “mobilidade urbana”. O próprio governo estadual já tem um plano pronto para evitar um colapso. Há alguns anos, vários urbanistas e especialistas em transporte se reuniram para elaborar um projeto daquilo que consideravam o sistema de transporte ideal para a Grande São Paulo. A Secretaria de Estado de Transportes Metropolitanos adotou o plano e o batizou de Pitu 2020 (Plano Integrado de Transportes Urbanos para o ano de 2020). Ele é racional e perfeitamente executável, pois aproveita a estrutura existente e a ela soma algumas ampliações. O Pitu é ainda um plano básico: não traz detalhes como os locais onde devem ser criadas novas estações do metrô ou de trem. Mas é a bússola que tem orientado as ações da STM.

Um exemplo é a execução da nova linha amarela do metrô, a linha 4. Com 12,8 quilômetros de extensão e dez estações, ela ligará o bairro da Luz, no centro, à Vila Sônia, na Zona Sul da cidade. “É uma linha importante porque tem integração com todas as outras linhas do metrô”, diz Fernandes.

Ao todo, o Pitu conta com 400 quilômetros de trilhos, que incluiriam as atuais linhas do metrô e pelo menos mais 80 quilômetros em ampliações. Além disso, o plano engloba as linhas de trem da CPTM que seriam convertidas em metrô. “Ninguém presta atenção, mas já temos uma grande malha ferroviária: são 270 quilômetros”, diz Fernandes. “Se somados às linhas do metrô, os trilhos chegam a 330 quilômetros. O problema é que os trens são subutilizados. Seus 270 quilômetros, que existem há meio século, transportam menos da metade das pessoas que o metrô movimenta em seus menos de 60 quilômetros. “O trem precisa oferecer a mesma qualidade de serviços do metrô”, diz o consultor Adriano Branco.

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Mais passageiros

Com os 400 quilômetros de linhas do Pitu, metrô e trem teriam capacidade para transportar 3,5 milhões de pessoas por dia – um milhão a mais do que atualmente. Em termos de quilometragem, o sistema paulistano ideal seria parecido com o nova-iorquino, que conta com 393 quilômetros. “O sistema de transporte público ideal compreenderia 80% dos deslocamentos feitos dentro da cidade de São Paulo”, diz Ailton Brasiliense Pires, diretor do Denatran (Departamento Nacional de Trânsito). Há trechos em que o metrô não é necessário por causa do pequeno fluxo de passageiros. “Uma linha de metrô é muito cara para ser construída e ficar vazia”, diz Valeska Peres Pinto, do Sindicato dos Arquitetos. “O sistema sobre pneus é mais flexível. Se necessário, é possível modificar uma linha de ônibus todo ano. O metrô, não. Uma vez construído, não dá para mudar.”

Para Valeska, o sistema de transporte público adequado deve garantir a circulação na área central de São Paulo e conectar-se a regiões importantes como ABC, Osasco e Guarulhos. “Nunca teremos uma rede tão ramificada quanto a do metrô de Paris, onde é possível encontrar uma estação a cada 300 metros”, diz Valeska. “O metrô moderno não funciona sozinho: opera integrado com outros sistemas. É muito mais barato.” Ainda dentro do que consideram ideal, os especialistas defendem que metrô e trem sejam alimentados por sistemas de ônibus e vans, tudo com o pagamento de apenas uma tarifa, que poderia ser cobrada proporcionalmente ao trajeto.

O Pitu também engloba alterações no sistema viário. A principal delas já está em curso: o Rodoanel Mário Covas. Iniciadas em 1998, as obras do Rodoanel foram divididas em quatro partes (Norte, Sul, Leste e Oeste). O trecho Oeste, concluído em outubro do ano passado, conta com 32 quilômetros, 43 viadutos, seis pontes, dois piscinões, sete trevos e três túneis. Interligando cinco rodovias (Régis Bittencourt, Raposo Tavares, Castello Branco, Anhangüera e Bandeirantes), o trecho recebe 160.000 veículos por dia. Quando totalmente concluído, o Rodoanel terá 170 quilômetros de extensão. Exigirá R$ 6,5 bilhões de investimentos e incluirá outras cinco rodovias: Fernão Dias, Dutra, Ayrton Senna, Anchieta e Imigrantes. O objetivo é eliminar o tráfego de passagem, deixando São Paulo livre para os transportes coletivo e individual.

Capital privado

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Para que o Pitu se torne uma realidade, falta um detalhe: dinheiro, muito dinheiro. Os investimentos necessários para a implantação e a modernização da rede metroferroviária são de pelo menos R$ 1,5 bilhão por ano. Para driblar a escassez de recursos, o governo pretende atrair o capital da iniciativa privada, ampliando as parcerias como as que vem fazendo para a construção de shoppings centers nas estações de metrô. Outra forma é conceder a exploração da linha de trem a empresas privadas.

Apesar da sua importância estratégica, o transporte não conta com uma fonte de recursos permanente em São Paulo. “A lei que obriga a prefeitura de São Paulo a destinar o dinheiro das multas de trânsito para o transporte não é cumprida”, afirma o consultor de trânsito Roberto Scaringella, ex-presidente da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET). Com o IPVA acontece a mesma coisa. Técnicos, especialistas em trânsito, sindicatos e empresas da área formaram, no ano passado, o Grupo de Apoio Pró-Transporte (GAT), que pretende brigar para que metade da arrecadação do IPVA seja investida em transporte público.

Os especialistas costumam comparar as vias públicas de uma cidade às veias e artérias de um ser humano. Entupidas, elas não conseguem executar sua principal função: fazer o sangue circular e alimentar as células. Uma cidade travada tem o mesmo destino de um organismo com a circulação prejudicada: a morte. No entanto, não basta o governo e a iniciativa privada tomarem as rédeas da situação. A solução passa também pelas mãos de cada cidadão. “Carro deveria ser como bebida alcoólica: ser consumido com moderação”, diz Valeska Peres Pinto. “Assim, todos ganharíamos em qualidade de vida.”

 

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Para São Paulo andar mais rápido

Sírio Braz Cançado e Rodrigo Maroja

A cada dia, 30 milhões de deslocamentos são feitos na Grande São Paulo. Um terço é realizado com transporte coletivo (ônibus, metrô, trem ou lotação), um terço a pé e um terço com automóveis. Resultado: mais de 120 quilômetros de congestionamento por dia. Com a implementação das medidas a seguir, o nível de ruídos e a emissão de monóxido de carbono no ar cairiam sensivelmente e, em média, o paulistano gastaria metade do tempo para se deslocar entre dois pontos na capital

1. COMO É HOJE

São Paulo tem apenas 58 km de metrô, contra 394 km em Londres

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COMO PODE SER

Ampliar a rede em, no mínimo, 80 km. O metrô deve chegar a outras cidades da região metropolitana, como Santo André, São Bernardo do Campo e Guarulhos

2. COMO É HOJE

São Paulo conta com 270 km de linhas de trem. A distância entre algumas estações chega a 8 km – contra no máximo 1 km entre as estações do metrô

COMO PODE SER

Modernizar os trilhos existentes, melhorar os serviços aos usuários e reduzir as distâncias entre as estações

3. COMO É HOJE

Os ônibus utilizam apenas 10% do espaço das vias públicas e vêm perdendo passageiros devido aos congestionamentos e ao alto preço da tarifa

COMO PODE SER

Criar corredores especiais para os ônibus e ampliar a proibição – com multas – do uso das vias exclusivas de ônibus nos horários de pico

4. COMO É HOJE

A integração entre trem e metrô, com o pagamento de uma só tarifa, existe somente nas estações Brás e Barra Funda

COMO PODE SER

Construir novas linhas para ampliar a integração entre os dois sistemas. Os passageiros poderiam mudar de linha em qualquer estação em que elas se cruzassem

5. COMO É HOJE

Várias linhas de ônibus, procedentes dos diversos bairros, seguem para o Centro de São Paulo e aumentam o caos no trânsito

COMO PODE SER

Construir terminais em cada subcentro da cidade. Os passageiros dos bairros desembarcariam nesses terminais, de onde, sem pagar tarifa adicional, poderiam seguir para qualquer outro terminal de ônibus central ou então para uma estação de trem ou do metrô em que elas se cruzassem

6. COMO É HOJE

O sistema rodoviário é responsável por 93,2% do transporte de cargas no Estado. O ferroviário representa apenas 5,3%

COMO PODE SER

O governo estadual quer diminuir o transporte de cargas por caminhão para 65,4% e ampliar o transporte ferroviário para 31,3%. Para isso, pretende ligar o Rodoanel, que terá 170 km quando concluído, a vários terminais intermodais

 

Entrevista

Pedágio urbano?

Para urbanista, taxa sobre veículos que circulam no centro financiaria o prolongamento do metrô

O arquiteto Candido Malta Campos Filho, doutor em planejamento urbano e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, não tem receio de defender um tema tão impopular quanto a cobrança de um pedágio urbano como uma das soluções para melhorar a mobilidade em São Paulo. A fórmula foi adotada desde fevereiro em Londres – agora, para circular pela área central da capital da Inglaterra, o cidadão tem de desembolsar cinco libras (cerca de R$ 30). Ainda é cedo para avaliar os resultados, mas a prefeitura londrina está animada: nas primeiras semanas, houve uma redução de 20% na circulação de carros na zona tarifada. “Aqui em São Paulo falta vontade política para enfrentar a recusa de quem não quer pagar mais nada”, afirma Candido Malta.

Qual a solução para o trânsito de São Paulo?

Uma das alternativas é o ônibus. Reverter o processo para voltar a encher os ônibus, cada vez mais vazios, é difícil. O microônibus, ao contrário, é muito mais atraente, porque é um híbrido entre o carro e o ônibus, é mais ágil e desenvolve mais velocidade. O ideal é a implantação de uma malha para a classe média: vai de leste a oeste e de norte a sul e não se dirige apenas para o centro, mas para todos os lados. Além disso, a distância entre as linhas é de um quilômetro. O cidadão não precisa andar mais que 500 metros para acessar uma delas.

E como seria o metrô ideal?

As malhas de microônibus são o primeiro passo: ganhamos alguns anos até que o metrô seja implementado. Ele então irá cobrir a mesma área. O ideal é que ganhe mais 150 quilômetros, ou dez linhas. Por enquanto, construímos um quilômetro por ano, a 100 milhões de dólares. Nessa velocidade não dá.

O pedágio urbano seria uma saída para conseguir dinheiro e acelerar esse ritmo?

A conta é simples. Cobrando dos 3,5 milhões de veículos que circulam pela área central uma taxa de 2 dólares por dia, cerca de R$ 7, teremos 7 milhões de dólares por dia. Multiplicando isso pelos 200 dias úteis do ano, arrecadaremos 1,4 bilhão de dólares anuais. O suficiente para construir 14 quilômetros, ou uma linha, por ano. Em dez anos teremos todo o prolongamento do metrô.

A medida não seria muito impopular?

Quanto se gasta para estacionar o carro? R$ 10? E você ganha o que com isso? Pagando R$ 7 por dia, em dez anos você vai ganhar muito. É uma questão de conscientização. Mas só concordo com a proposta se houver uma conta especial para isso, com publicação mensal de balancete. Se não, o dinheiro some.

Candido Malta: proposta para bancar mais 150 km de metrô

 

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