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Duelo com o fantasma

Visões estranhas atemorizam pesquisadores num laboratório inglês. Veja como um cientista de verdade enfrenta assombrações.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h49 - Publicado em 30 set 1998, 22h00

Denis Russo Burgierman

A noite gelada enchia de bruma esbranquiçada as ruas estreitas e medievais da cidade de Warwick, no interior da Inglaterra. Na velha fábrica de equipamentos médicos, só uma janela permanecia iluminada depois do expediente. Era o laboratório do professor Victor Tandy. Concentrado em projetar máquinas de oxigênio para pacientes com problemas respiratórios, o engenheiro trabalhava em silêncio.

De repente, a tranqüilidade foi sacudida. Tandy sentiu um pavor inexplicável. “Eu suava frio. Parecia que estava sendo observado”, disse à SUPER. Com os cabelos da nuca arrepiados e uma tontura que quase o derrubou, viu, apavorado, com o canto do olho, “a coisa”. “Era uma mancha cinza”, descreve. “Ela se movia como uma pessoa, mas era uma sombra.”

Presença estranha

Paralisado de pânico, Tandy resolveu esperar que o espectro fosse embora. Mas ele continuava lá. O jeito era encará-lo. Respirou fundo, criou coragem, virou-se e…. a assombração tinha desaparecido. Afobado, agarrou o paletó e fugiu para casa.

Sabia que não era a primeira vez que coisas estranhas aconteciam ali. Mas isso não o deixava menos apavorado. De fato, a faxineira e os colegas de laboratório já tinham relatado sustos com a tal “presença estranha” no lugar. Até mesmo ele já havia se sentido mal. Mas nunca daquela forma.

No dia seguinte, à tarde, haveria uma competição de esgrima, o esporte favorito do professor. Tandy pegou o florete e levou-o para o trabalho. Ao chegar, colocou a arma sobre uma mesa. Ainda era cedo, 8 horas da manhã, quando – uau! – a lâmina começou a tremer, freneticamente. Por 1 segundo, os olhos do professor se encheram de pavor. Mas logo ele abriu um sorriso. Tinha desvendado o mistério.

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A aventura do engenheiro exorcista

Como não acredita em fantasmas, Victor Tandy logo se deu conta de que apenas uma fonte de energia poderia causar a tremedeira do florete. E, com certeza, era essa mesma fonte que havia provocado os acontecimentos da noite anterior.

Para descobrir onde ela estava, resolveu assumir o papel do velho Sherlock Holmes. E começou a interrogar funcionários. Percebeu que todas as assombrações apareceram exatamente depois da instalação do enorme e barulhento ventilador de exaustão do laboratório. Mas como um ventilador pode criar fantasmas?

Elementar. A culpada só podia ser a ressonância.

Quando se bate num objeto, ele vibra, emitindo ondas sonoras em determinada freqüência (de um tamanho específico). Qualquer corpo tem uma freqüência de ressonância”, explica, no Brasil, o arquiteto Ualfrido del Carlo, ex-diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP). “Se ele recebe ondas sonoras vindas de outro lugar com uma freqüência igualzinha à sua, ele treme.” Assim, se um sino toca perto de outro igual, o segundo também começa a vibrar.

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Movido pela lembrança dessas regras da Física, depois de uma reconfortante xícara de chá, Tandy resolveu medir as ondas emitidas pelo ventilador. Percebeu que, além do ruído audível, havia infra-som – barulhos tão graves que não podem ser captados pelo ouvido humano. Como a sala era estreita e tinha exatamente o mesmo comprimento da onda, o infra-som se multiplicava (veja o infográfico abaixo). O laboratório estava apinhado de energia sonora.

Touché! Só podia ter sido essa a energia que fez o florete mexer. Desconfiado de que ela agira também no seu organismo, o engenheiro buscou a confirmação do médico Anthony Lawrence, professor, como ele, na Universidade de Coventry, Inglaterra. “Ondas sonoras também fazem vibrar partes do corpo humano, causando efeitos estranhos”, confirmou Lawrence à SUPER.

O brasileiro Miguel Nassif, especialista em fisiologia cardio-respiratória e professor da USP, especifica: “Se o centro respiratório do bulbo cerebral, que controla a respiração, entrar em ressonância, é possível que provoque uma hiperventilação (veja o infográfico à direita), criando mesmo sensação de pânico”.

O olho chacoalha

O médico inglês foi mais longe. De acordo com ele, a freqüência de ressonância do globo ocular é muito parecida com a do ventilador. Ou seja, o olho do engenheiro podia estar chacoalhando e isso convenceu-o de que vira um fantasma. Outro especialista brasileiro, o oftalmologista Newton Kara José, da USP, sustenta: “É possível que uma vibração forte pressione a retina e forme um clarão”.

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Por último, o mesmo fenômeno explica a vertigem. “Ela pode ser conseqüência da ressonância do labirinto, que regula o equilíbrio do corpo”, diz o otorrinolaringologista Mário Munhoz, da Universidade Federal de São Paulo.

Entre os mistérios sobrenaturais que o “efeito Tandy” – como a tese foi batizada na Inglaterra – explica está a preferência das aparições por corredores compridos, sempre após uma rajada de vento. É que o sopro de ar, entrando enviezado por uma janela lateral, também pode gerar infra-som.

Cauteloso, Victor Tandy não garante que não existem fantasmas. Mas sobre uma coisa ele não tem mais dúvidas. Com o ventilador substituído, seu laboratório está devidamente exorcizado.

É tudo coisa da sua cabeça

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As ondas de infra-som atrapalham o funcionamento do cérebro, do labirinto e do globo ocular, criando a ilusão de ver fantasmas.

Eu juro que vi!

O globo ocular tampouco fica imune às ondas de som. A chacoalhada do líquido do olho, combinada com a falta de luz, cria visões de manchas acinzentadas e indefinidas que podem ser interpretadas como “fantasmas”.

Adeus, equilíbrio

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Sob o efeito da freqüência externa, o labirinto, órgão do ouvido responsável pelo equilíbrio, entra em ressonância (começa a tremer) e deixa o corpo desorientado. O resultado é vertigem, tontura e suor frio.

Pavor repentino

O bulbo cerebral, que controla a respiração, também vibra sob a influência do infra-som, provocando hiperventilação (como quando se inspira várias vezes, rapidamente). O excesso de oxigênio dá uma sensação de medo e pode até provocar alucinações.

O laboratório mal-assombrado

Compreenda porque o formato de uma sala pode tornar ameaçadoras simples ondas de som com baixa freqüência.

No laboratório estreito e longo, as ondas sonoras emitidas pelo ventilador ficam presas, sem conseguir escapar para lado nenhum.

Como a sala tem o mesmo tamanho que a onda, o infra-som, inaudível, bate na parede e volta pelo mesmo caminho. Assim, a energia da onda é amplificada. Enquanto o ventilador fica ligado, a energia presa na sala vai crescendo.

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