Duelo com o fantasma
Visões estranhas atemorizam pesquisadores num laboratório inglês. Veja como um cientista de verdade enfrenta assombrações.
Denis Russo Burgierman
A noite gelada enchia de bruma esbranquiçada as ruas estreitas e medievais da cidade de Warwick, no interior da Inglaterra. Na velha fábrica de equipamentos médicos, só uma janela permanecia iluminada depois do expediente. Era o laboratório do professor Victor Tandy. Concentrado em projetar máquinas de oxigênio para pacientes com problemas respiratórios, o engenheiro trabalhava em silêncio.
De repente, a tranqüilidade foi sacudida. Tandy sentiu um pavor inexplicável. “Eu suava frio. Parecia que estava sendo observado”, disse à SUPER. Com os cabelos da nuca arrepiados e uma tontura que quase o derrubou, viu, apavorado, com o canto do olho, “a coisa”. “Era uma mancha cinza”, descreve. “Ela se movia como uma pessoa, mas era uma sombra.”
Presença estranha
Paralisado de pânico, Tandy resolveu esperar que o espectro fosse embora. Mas ele continuava lá. O jeito era encará-lo. Respirou fundo, criou coragem, virou-se e…. a assombração tinha desaparecido. Afobado, agarrou o paletó e fugiu para casa.
Sabia que não era a primeira vez que coisas estranhas aconteciam ali. Mas isso não o deixava menos apavorado. De fato, a faxineira e os colegas de laboratório já tinham relatado sustos com a tal “presença estranha” no lugar. Até mesmo ele já havia se sentido mal. Mas nunca daquela forma.
No dia seguinte, à tarde, haveria uma competição de esgrima, o esporte favorito do professor. Tandy pegou o florete e levou-o para o trabalho. Ao chegar, colocou a arma sobre uma mesa. Ainda era cedo, 8 horas da manhã, quando – uau! – a lâmina começou a tremer, freneticamente. Por 1 segundo, os olhos do professor se encheram de pavor. Mas logo ele abriu um sorriso. Tinha desvendado o mistério.
A aventura do engenheiro exorcista
Como não acredita em fantasmas, Victor Tandy logo se deu conta de que apenas uma fonte de energia poderia causar a tremedeira do florete. E, com certeza, era essa mesma fonte que havia provocado os acontecimentos da noite anterior.
Para descobrir onde ela estava, resolveu assumir o papel do velho Sherlock Holmes. E começou a interrogar funcionários. Percebeu que todas as assombrações apareceram exatamente depois da instalação do enorme e barulhento ventilador de exaustão do laboratório. Mas como um ventilador pode criar fantasmas?
Elementar. A culpada só podia ser a ressonância.
Quando se bate num objeto, ele vibra, emitindo ondas sonoras em determinada freqüência (de um tamanho específico). Qualquer corpo tem uma freqüência de ressonância”, explica, no Brasil, o arquiteto Ualfrido del Carlo, ex-diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP). “Se ele recebe ondas sonoras vindas de outro lugar com uma freqüência igualzinha à sua, ele treme.” Assim, se um sino toca perto de outro igual, o segundo também começa a vibrar.
Movido pela lembrança dessas regras da Física, depois de uma reconfortante xícara de chá, Tandy resolveu medir as ondas emitidas pelo ventilador. Percebeu que, além do ruído audível, havia infra-som – barulhos tão graves que não podem ser captados pelo ouvido humano. Como a sala era estreita e tinha exatamente o mesmo comprimento da onda, o infra-som se multiplicava (veja o infográfico abaixo). O laboratório estava apinhado de energia sonora.
Touché! Só podia ter sido essa a energia que fez o florete mexer. Desconfiado de que ela agira também no seu organismo, o engenheiro buscou a confirmação do médico Anthony Lawrence, professor, como ele, na Universidade de Coventry, Inglaterra. “Ondas sonoras também fazem vibrar partes do corpo humano, causando efeitos estranhos”, confirmou Lawrence à SUPER.
O brasileiro Miguel Nassif, especialista em fisiologia cardio-respiratória e professor da USP, especifica: “Se o centro respiratório do bulbo cerebral, que controla a respiração, entrar em ressonância, é possível que provoque uma hiperventilação (veja o infográfico à direita), criando mesmo sensação de pânico”.
O olho chacoalha
O médico inglês foi mais longe. De acordo com ele, a freqüência de ressonância do globo ocular é muito parecida com a do ventilador. Ou seja, o olho do engenheiro podia estar chacoalhando e isso convenceu-o de que vira um fantasma. Outro especialista brasileiro, o oftalmologista Newton Kara José, da USP, sustenta: “É possível que uma vibração forte pressione a retina e forme um clarão”.
Por último, o mesmo fenômeno explica a vertigem. “Ela pode ser conseqüência da ressonância do labirinto, que regula o equilíbrio do corpo”, diz o otorrinolaringologista Mário Munhoz, da Universidade Federal de São Paulo.
Entre os mistérios sobrenaturais que o “efeito Tandy” – como a tese foi batizada na Inglaterra – explica está a preferência das aparições por corredores compridos, sempre após uma rajada de vento. É que o sopro de ar, entrando enviezado por uma janela lateral, também pode gerar infra-som.
Cauteloso, Victor Tandy não garante que não existem fantasmas. Mas sobre uma coisa ele não tem mais dúvidas. Com o ventilador substituído, seu laboratório está devidamente exorcizado.
É tudo coisa da sua cabeça
As ondas de infra-som atrapalham o funcionamento do cérebro, do labirinto e do globo ocular, criando a ilusão de ver fantasmas.
Eu juro que vi!
O globo ocular tampouco fica imune às ondas de som. A chacoalhada do líquido do olho, combinada com a falta de luz, cria visões de manchas acinzentadas e indefinidas que podem ser interpretadas como “fantasmas”.
Adeus, equilíbrio
Sob o efeito da freqüência externa, o labirinto, órgão do ouvido responsável pelo equilíbrio, entra em ressonância (começa a tremer) e deixa o corpo desorientado. O resultado é vertigem, tontura e suor frio.
Pavor repentino
O bulbo cerebral, que controla a respiração, também vibra sob a influência do infra-som, provocando hiperventilação (como quando se inspira várias vezes, rapidamente). O excesso de oxigênio dá uma sensação de medo e pode até provocar alucinações.
O laboratório mal-assombrado
Compreenda porque o formato de uma sala pode tornar ameaçadoras simples ondas de som com baixa freqüência.
No laboratório estreito e longo, as ondas sonoras emitidas pelo ventilador ficam presas, sem conseguir escapar para lado nenhum.
Como a sala tem o mesmo tamanho que a onda, o infra-som, inaudível, bate na parede e volta pelo mesmo caminho. Assim, a energia da onda é amplificada. Enquanto o ventilador fica ligado, a energia presa na sala vai crescendo.