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É preciso discutir a relação?

Dependendo de como for feita a DR – e de quem é a sua cara metade – ela mais atrapalha do que ajuda

Por Ana Paula Severiano
Atualizado em 11 abr 2017, 12h40 - Publicado em 1 fev 2013, 22h00

O que o seu companheiro faz que te irrita, magoa ou entristece? Pense em 4 respostas. O psicólogo David Buss fez essa pergunta a homens e mulheres em seu laboratório na Universidade do Texas. Apenas na primeira fase do estudo, feita com 107 estudantes universitários, Buss chegou a 147 motivos com potencial para motivar uma conversa ou discussão: “ele deixa a tampa do vaso levantada”, “ela me corta quando estamos conversando em uma roda de amigos”.

Você, cara leitora, que tem o mesmo problema com a tampa da privada, acha que resolve bater um papo sobre como essa atitude denota a falta de comprometimento dele com a casa? (E estamos nos dirigindo às mulheres por um motivo: são elas que iniciam 80% das discussões do casal, segundo o livro For Better: The Science of a Good Marriage, de Tara Parker-Pope, jornalista de saúde e colunista do The New York Times.) A pergunta fatal é: DR funciona? Uma pesquisa da Universidade do Estado de Ohio que seguiu 1 000 casais por 20 anos é desanimadora: tendo vocês muitos ou poucos motivos para discutir, esse nível de conflito não tende a mudar ao longo da vida a dois.

Seria essa a desmistificação do conselho de que “devemos sempre conversar sobre os problemas”? Bem… Anos de pesquisa sobre relacionamentos mostram que para uma história ser feliz e duradoura não interessa tanto o quanto vocês discutem, ou o que discutem. A DR, ou mesmo a briga, seria mais um indicador de como anda a saúde da relação – ou as relações de poder entre o casal – do que um antídoto para seus males ou um caminho para mudar a outra pessoa.

Não importa como uma conversa começa, mas sim como ela termina

Comecemos pelo começo. São vários os psicólogos que fazem estudos analisando as estratégias de comunicação que as pessoas usam numa discussão a dois para tirar conclusões decisivas. Entre os casais, por exemplo, há quem goste de fazer a linha “entre tapas e beijos”, dizendo que mesmo as mais violentas discussões são parte do jogo e até úteis, caso terminem em excitantes sessões de sexo. Mas isso está mais pra conversa de música sertaneja.

Os especialistas em DR da Universidade de Washington comandados pelo psicólogo John Gottman defendem que manter a compostura é importante e que os primeiros 3 minutos de uma discussão são essenciais para saber se ela será construtiva ou ajudará o relacionamento a degringolar de vez. Para isso, filmaram 124 casais recém-casados e identificaram sinais positivos e negativos em suas conversas. Resultado? Quem começa de maneira calma e gentil se sai melhor do que quem usa palavras duras ou faz críticas rancorosas logo de saída. “Você nunca quer fazer sexo. Qual é o seu problema?”, por exemplo, não é um bom approach. Dar sinais de que o que a outra pessoa está falando não interessa, tipo virar os olhos ou cruzar braços e pernas, também pode fazer uma conversa sobre quem busca as crianças na escola terminar em divórcio.

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(Pedro Hamdan/Superinteressante)

Além de manter um tom de voz calmo e uma postura relaxada, é bom prestar atenção aos pronomes usados: casais que, ao contar sua história de vida a dois, usaram mais o “nós” e “nossos” tendiam a ser mais felizes juntos do que aqueles que usaram “eu”, “meu”, “você” e “seu”. Essa escolha pode revelar que a pessoa está mais interessada na sua própria vida do que em aprofundar ou resgatar a conexão com o parceiro. Usar muito “você” em uma discussão também denota que o sujeito pode estar mais a fim de acusar o outro do que de pensar em uma solução para o impasse.

Homens não gostam de DR por medo de expor sentimentos

Bem, além de ser mais eficiente como diagnóstico do que como estratégia de resolução de conflitos, apostar na discussão dos problemas para melhorar a vida a dois esbarra em outro porém, um que rende horas de papos telefônicos entre amigas – homem não gosta de discutir a relação. Por quê? Até os cientistas divergem na resposta, mas ela parece não se resumir ao clichê de que mulheres são de Marte e homens são de Vênus.

É fato: a maioria dos caras não gosta mesmo de conversar sobre os problemas, e isso desde a infância. Mas não é porque tenham vergonha de se abrir ou achem que é sinal de fraqueza mostrar seus sentimentos. É por desacreditar na eficiência mesmo. Segundo uma pesquisa feita pela Universidade do Missouri com 2 mil crianças entre 8 e 16 anos, eles pensam que uma discussão só torna os problemas maiores e tendem a considerá-la perda de tempo. Preferem desencanar do conflito e ir se distrair com outras atividades (que tal um joguinho de futebol? um amorzinho gostoso?).

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Parece haver ainda um fator biológico envolvido na descrença deles quando elas vêm dizer que “é preciso colocar os pingos no is”. A hipótese de Dolf Zillmann, da Universidade do Alabama, é que os homens demoram muito mais para se recuperar de uma situação de estresse do que as mulheres.

Para testar essa ideia, Zillman colocou moças e rapazes para ter seus batimentos cardíacos e pressão sanguínea monitorados. Enquanto isso, um pesquisador se encarregava de irritar os participantes demonstrando um comportamento hostil e discordando do que diziam. Depois, o mala saía da sala e pedia às cobaias que relaxassem. Diante do comportamento do pesquisador, o coração dos homens reagiu mais rápido e, mesmo depois de 20 minutos de descanso, sua frequência cardíaca ainda não tinha voltado ao normal.

Já as mulheres se enervaram menos e conseguiram manter maior controle da situação. Um dado curioso é que os homens só se sentiram aliviados quando puderam, de algum modo, se vingar do sujeito que os perturbou. Os batimentos e a pressão voltaram ao normal quando eles preencheram um questionário expressando sua insatisfação com o monitor mala. Para a pesquisadora, esse alto investimento metabólico em se inserir numa discussão pode ser uma explicação fisiológica para a resistência masculina à DR.

(Pedro Hamdan/Superinteressante)

Sarah R. Holley e Robert Levenson, da Universidade de Berkeley, porém, discordam dessa abordagem baseada no gênero. Afinal, como funcionaria essa dinâmica entre casais homossexuais? Lésbicas discutiriam sempre e homens gays nunca? (Leia mais sobre isso no quadro ao fim da reportagem.) Para esses pesquisadores, o que determina quem é a parte do casal que pede a DR e quem é a que dá uma de joão-sem-braço é a hierarquia estabelecida entre os dois.

A conclusão veio depois do exame detalhado de conflitos de 63 casais – heterossexuais e gays (homens e mulheres). Em todos os casos, havia sempre alguém pedindo a discussão e alguém resistindo. E quem resistia era o que tinha mais poder. A lógica é: quem domina a relação tem menos prejuízos nela e, portanto, menos disposição para negociar. A posição dominante pode ser de quem tem mais autonomia financeira, mais idade, mais amigos, ou um parceiro mais dependente.

Uma conversa pode mudá-lo

Ok, mas ainda supondo que os dois estejam dispostos a conversar e que o tom seja positivo, o objetivo da DR também influencia em sua eficácia. Se a vontade for mudar o outro, não deve funcionar. Para mostrar isso, a pesquisadora Nickola Overall, da Universidade de Auckland, Nova Zelândia, recrutou 160 pessoas entre 18 e 71 anos que estavam em um relacionamento amoroso por pelo menos 6 meses. Então, pediu a elas que preenchessem um questionário sobre a qualidade da relação (com perguntas sobre a satisfação, o comprometimento, a intimidade, a confiança, o amor e o clima de romance).

Depois, que apontassem 3 características que sempre quiseram alterar, reportando em que escala elas e os parceiros precisavam mudar, o quanto já tinham tentado e o quanto já tinham sido bem-sucedidas em suas estratégias. Os resultados mostraram que jogar a bola no campo do parceiro, esperando mudanças dele – o início clássico de uma DR -, não produziu efeitos positivos, especialmente porque o reclamão que quer mudar o outro tende a ser agressivo e a não considerar sua parcela de culpa. Sentir-se culpado por tudo e se esforçar sozinho para mudar o clima também teve resultados negativos.

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Então, o que funcionou? A disposição dos dois para mudar: “Nosso estudo sugere que os dois comuniquem seu desejo de mudança de forma positiva (faça uma piada!) e respeitosa; melhorem atributos pessoais que contribuem para a resolução; reconheçam os esforços do parceiro”. Ou seja, “quando um não quer dois não fazem”. Se a necessidade da conversa for unilateral, ela não só não resolve como ainda pode piorar as coisas.

Não pode haver segredos entre um casal

Alguma vez já te ocorreu que, para alguns casais, o problema a ser conversado é justamente a diferença da disposição de cada um para conversar? Eles discutem porque nunca conseguem discutir direito. Para Amir Levine, neurocientista da Universidade de Colúmbia, casais que funcionam não são os que mais conversam, mas os que têm necessidades parecidas em relação a conversar. Seu ponto de partida é a teoria do vínculo (attachment theory), segundo a qual, em relacionamentos românticos, há três maneiras de as pessoas perceberem e responderem à intimidade. Há os seguros, que se sentem confortáveis com a intimidade e não pensam tanto sobre o que está rolando na relação; os ansiosos, muito preocupados com o andamento do barco e temerosos a respeito do amor do parceiro, e os esquivos, que consideram a intimidade uma perda de independência e evitam proximidade demais.

(Pedro Hamdan/Superinteressante)

“Menos de 50% das pessoas são seguras, por volta de 20% são ansiosas e 25% são esquivas; o restante se encaixa em uma categoria desorganizada”, defende Levine no livro Attached. O lance, segundo ele, é encontrar alguém de personalidade parecida ou complementar à sua. Dois ansiosos podem ser felizes discutindo a relação loucamente, enquanto dois seguros discutirão só quando acharem mesmo necessário e dois esquivos não darão a menor bola para isso – para estes, ter segredos não é nenhum problema. Pelo contrário, pode ser desejável para que sintam sua individualidade respeitada. Ansiosos também se sentirão bem ao lado de pessoas seguras. O problema maior seria quando um ansioso se junta a um esquivo – já que um precisa discutir enquanto o outro estará sempre fugindo.

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Fazer sexo não resolve o problema

E quando a discussão rolar? Para o neurocientista, há dois tipos de conflitos principais: os cotidianos (comida chinesa ou pizza?) e os centrados na intimidade – estes são os que demandam maior cuidado, relacionados a quanta intimidade você exige da outra pessoa. Tipo: um deve deixar ou não a escova de dentes na casa do outro? Para esses, Levine faz as mesmas recomendações dos pesquisadores da Universidade de Washington: mantenha o foco no problema imediato (não em remoer o passado) e mostre que você está preocupado com o bem-estar do parceiro.

Última sugestão: “Quando o conflito aparece, não se trata de saber quem fez o quê para quem. Algumas vezes, entender a biologia básica do vínculo ajuda a prever os conflitos antes que eles aconteçam”. O que ele quer dizer com isso? Que fazer sexo e aumentar a proximidade física com o parceiro pode evitar algumas DRs. É que o toque e o orgasmo liberam ocitocina, hormônio que aumenta a intimidade e também a coesão social, a confiança e a cooperação.

Não, não estamos dizendo que os homens sempre estiveram certos e que o sexo, não a conversa, é o melhor jeito de lidar com um conflito em ebulição. Mas se você, leitor, se lembrar desse antídoto antes de a vaca ir para o brejo, tanto melhor. Se o nível de desacordo entre um casal tende a se manter igual a vida toda, como defendem os pesquisadores de Ohio, ao menos terá valido a pena perder mais tempo se divertindo juntos.

Os opostos se atraem

Do ponto de vista das diferenças na forma de se expressar, parece que não se atraem nada. É o que dizem pesquisadores da Universidade do Texas em Austin. Para eles, quanto mais o discurso de um e de outro for construído de maneira parecida, mais chance o casal tem de dar certo. E aqui eles estão se referindo ao modo como os dois falam e escrevem, especialmente como usam conectivos, pronomes e outros tipos de palavras funcionais.

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Em um de seus estudos, eles avaliaram durante 10 dias as conversas de casais que estavam ficando. Cerca de 80% dos pares que tinham estilo de escrita parecido continuavam se encontrando 3 meses depois, enquanto entre aqueles que não tinham tanta sincronia de linguagem o índice foi de 54%. Quer testar se você combina com um pretendente? James Pannebaker e os outros autores do estudo disponibilizaram uma ferramenta online em que você pode comparar seus textos de sms, chats e e-mails com os do outro. Quanto maior a amostragem, melhor: www.utpsyc.org/synch/

Bons de briga

Dinheiro, sexo, trabalhos domésticos. Casais de todos os tipos, gays ou heterossexuais, discutem basicamente os mesmos problemas. A diferença é como resolvem seus conflitos – e nisso os casais do mesmo sexo saem na frente. Na década de 1990, John Gottman, psicólogo da Universidade de Washington, começou a gravar em seu laboratório as discussões de casais formados por duas mulheres, por dois homens, e por uma mulher e um homem. Ele avaliou os vídeos durante 12 anos para chegar à conclusão de que casais do mesmo sexo costumam usar estratégias de comunicação mais eficientes na DR.

O time de Gottman concluiu que heterossexuais iniciam um conflito de forma agressiva, com ataques verbais, acusações sobre o caráter do parceiro e imposição de suas opiniões. Já os gays, mesmo que magoados, tentam, na média, tratar o assunto com gentileza. Isso leva o companheiro a reagir de maneira mais cooperativa que defensiva, o que faz com que as brigas se arrastem por menos tempo. Os pesquisadores mostraram ainda que as discussões entre casais do mesmo sexo tinham mais humor, toques carinhosos e menos tensão. Durante as crises, eles produziram menos adrenalina e sua frequência cardíaca se alterou pouco.

Mas por quê? Os psicólogos trabalham com as seguintes hipóteses, puramente empíricas: “homossexuais valorizam muito mais a igualdade que casais heterossexuais e há menos barreiras para terminar o relacionamento entre casais do mesmo sexo. Os homossexuais são mais cuidadosos em se deixar afetar pelo outro. Assim, nós sugerimos que a forma como eles resolvem os conflitos pode ser a cola que mantém essas relações estáveis”, dizem os pesquisadores.

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