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Exame de admissão

Nas sociedades primitivas, a passagem para a idade adulta obedece a rigorosos rituais. No mundo moderno, a mesma transição existe, só que é mais complicada: chama-se adolescência.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h48 - Publicado em 29 fev 1988, 22h00

As danças e cantos se estendem noite adentro. Mas. assim que o dia amanhece, um grupo de índios corre até a pequena maloca e liberta a menina que estava presa. Ela não tinha feito algo de errado. Ao contrário, era personagem de uma festa — o ritual que os mamaindês de Mato Grosso e Rondônia chamam de festa da moça nova. Três meses antes, a indiazinha menstruara pela primeira vez e, como manda a tradição, ficou reclusa, sem poder ver a luz do Sol, aos cuidados das mulheres mais velhas. Enquanto isso, o grupo se esmerou em preparar a festa de sua libertação: o grande dia em que a pequena mamaindê passaria a ser considerada apta ao casamento e à maternidade. Muito mais complicada é a passagem da infância à vida adulta nas sociedades modernas. Para começar, a transição leva muito mais tempo, a partir dos 12, 13 anos de idade, e é chamada, desde o século XIX, de adolescência. “Nas sociedades mais complexas não existe um momento determinado em que se reconheça essa passagem como nas sociedades indígenas”, observa a socióloga Aspásia Camargo, da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro. De fato, os rituais são outros, próprios de um período longo, e se diluem pelos diferentes grupos sociais. Determinar o início da adolescência é relativamente fácil, pois coincide com a puberdade, quando ocorrem grandes mudanças biológicas. Mais difícil é precisar o final dessa fase. De qualquer forma, existem alguns marcos. O vestibular, por exemplo, é um deles e se dá por volta dos 18 anos. Nessa idade os jovens adquirem algumas prerrogativas dos adultos, embora, legalmente, não sejam ainda considerados maiores de idade, o que só vai se dar aos 21 anos. Na faculdade, eles sabem que têm de estudar para concluir o curso e já podem enfrentar o mercado de trabalho. É também aos 18 anos que podem tirar carteira de motorista e pedir o carro ao pai, que antes se negava a emprestar. Podem tirar título de eleitor e, quem sabe, em breve, escolher o presidente da República. Casar, no entanto, só aos 21 anos, a menos que sejam emancipados antes pelos pais. Se já tiverem um emprego, não precisarão mais depender da mesada paterna — serão donos de seu próprio nariz e, aos olhos da sociedade, adultos. Mas chegar até a esse estágio, virar gente grande, são anos de indefinição: quando entram na puberdade, os jovens deixam de ser crianças, mas ainda não são considerados adultos. Para marcar presença diante da sociedade, chamando a atenção para essa travessia, assumem comportamentos e atitudes peculiares. Aí vale tudo: desde cortar o cabelo estilo “calha” — raspado dos lados, com uma franja em forma de onda caída na testa — até se vestir de preto da cabeça aos pés, com as calças coalhadas de tachinhas douradas ou prateadas, no melhor estilo “dark”. Os menos extremados usam os tão comuns jeans, tênis e camisetas, e não se diferenciam tanto dos mais velhos, acostumados a se vestir assim também. A peculiaridade está em usar geralmente as mesmas marcas de jeans e determinados modelos de tênis, de preferência sem cadarço. Os adolescentes adoram as bermudas largas e floridas, as saias confortáveis e os relógios de pulseiras coloridas, que combinam com as cores das roupas. A entrada na puberdade implica não só alterações corporais, mas também uma reviravolta psicológica. “Garotos e garotas jogam fora aspectos infantis e aspiram a ser adultos”, explica o psiquiatra paulista Içami Tiba, que há dezoito anos trabalha com adolescentes. Nessa época. diz ele, “a principal mudança é a atitude diante dos pais: se antes obedeciam, agora se opõem às ordens recebidas, e o resultado são as primeiras desavenças familiares”. Tal oposição se dá por força do desenvolvimento pelo qual passam os jovens e não por livre vontade, conclui o doutor Tiba; e, quanto maior a autoridade que os pais representam, mais forte será a oposição a ela. “Quero sair de carro e meu pai não deixa; acho natural matar uma aula desinteressante, mas para ele isso é o maior pecado”, queixa-se o mineiro Luiz Alexandre Noronha de Moraes, 17 anos, filho de um economista de Belo Horizonte. Alexandre, que acabou de prestar vestibular para Economia, elogia, no entanto, o bom relacionamento que tem com a mãe, psicóloga. Já a carioca Luciana Barros de Menezes Lopes, 15 anos e 1,79 m, sente falta de diálogo com o pai. “É um ditador”, define ela, e logo acrescenta: “Mas é uma pessoa maravilhosa”. As queixas de Luciana se baseiam no fato de que os pais não confiam nela o suficiente para deixá-la viajar sozinha com os amigos e o namorado. Filha de pais separados, Daniela Libânio Pinheiro, 14 anos, orgulha-se de dizer que tem com a mãe — com quem vive em Belo Horizonte — um relacionamento aberto. “Não escondemos nada uma da outra”, conta ela. Quando tem dúvidas e medos em suas relações afetivas, abre o jogo com a mãe, que ocupa um cargo administrativo numa companhia de seguros Da mesma forma, a mãe, quando se separou do marido, nada escondeu dela, contando-lhe todos os problemas que estava enfrentando. Não ter problemas com os pais é difícil, mas há exceções. É o caso de Eduardo Pereira Martins, 15 anos, carioca, nascido e criado no Leblon. “Na minha casa o jogo é aberto, falo, sou ouvido e admiro tudo que meus pais fazem”, diz o rapaz, filho de um comerciante e de uma professora. Para enfrentar a família de um lado e a sociedade de outro, os adolescentes se organizam em turmas e andam sempre em bandos. Então se sentem fortes, se espelham e se identificam. Usam as mesmas roupas, falam as mesmas gírias, boa parte delas inventada no grupo, cortam o cabelo da mesma maneira. São o que o psiquiatra Içami Tiba apelida com muito humor de “geração tênis-apostila-McDonald’s”: “Tênis que não precisa amarrar, apostila que não precisa estudar e sanduíches que não têm de mastigar, porque eles não querem ter trabalho, estão preocupados em não fazer nada e por isso não podem amarrar o tênis. O que fazem com o tempo que economizaram? Nada”. Pode parecer engraçado, mas esse é o primeiro passo no caminho da independência e é típico em meninas e meninos. Nesse mundo tão próprio dos adolescentes, seus códigos, gírias e roupas são os pequenos rituais que criam para se diferenciar das crianças e marcar assim a entrada na vida adulta, numa espécie de enfrentamento, de autonomia, que nada mais são que a necessidade de se integrar na sociedade Para a antropóloga Betty Mindlin, há oito anos trabalhando com os índios suruís de Rondônia, “nas sociedades indígenas a distância entre o mundo dos adultos e o das crianças não é tão grande. Lá eles têm um tempo certo para passar por provas de coragem física e moral. Já os adolescentes de classe média, por exemplo, não têm idade certa para trabalhar ou namorar e têm suas responsabilidades adiadas”. Betty conhece o assunto na vida pessoal porque também é mãe de adolescentes — uma menina de 14 e um menino de 15 anos. Para a socióloga Aspásia Camargo, que tem uma filha de 9 anos e outra de 16, “o período da adolescência está cada vez mais indefinido. De um lado, uma criança de 10 anos, que ainda não chegou à puberdade, vê sexo na televisão, ouve conversas e participa de coisas que antecipam sua entrada na adolescência. De outro lado, há aqueles que, aos 25, 26 anos, ainda estudam e protelam cada vez mais sua entrada no trabalho”. Se de um lado os pais adiam dar responsabilidades aos filhos adolescentes, de outro estes também refutam em assumi-las, ao menos enquanto podem. Afinal, essa é uma fase da vida em que ganham mais liberdade, podem chegar mais tarde em casa e começam a desfrutar outros universos além do familiar. Por isso, André Barbosa, paulista, 16 anos, confessa que não gostaria de abrir mão da vida que tem hoje e adia a hora de trabalhar, porque, diz ele, “não quero deixar de ver os amigos todos os dias, de encontrar a namorada”. O baiano Roberto Mesnik, 17 anos, que curte muito a fase pela qual está passando, reconhece que “ser adolescente é sentir medo do novo, do desconhecido”. Caça submarina e vôlei são algumas das coisas que ele pratica, mas o que gosta mesmo é de ler: na sua cabeceira está o best-seller Perestroika, de Mikhail Gorbachev. Apesar dos momentos de desânimo e indiferença que acometem qualquer adolescente, a maior parte do tempo eles constroem seu universo de prazer, onde escola, turmas, barzinhos, esportes e música se destacam. Assim, eles esperam a hora em que de fato serão aceitos e reconhecidos como adultos. Até lá, uma boa dose de paciência e compreensão pode ajudar muito.

Mudanças por dentro

É difícil aos cientistas explicar por que a puberdade começa aos 12, 13 anos. Eles acreditam que esteja relacionada à altura e ao peso que se atinge mais ou menos nessa época da vida. É quando a hipófise — glândula situada sob a face inferior do cérebro — passa a produzir hormônios que vão direto para a circulação e atuam nos ovários e nos testículos. “Nas meninas, esses hormônios estimulam os ovários a produzir hormônios femininos, os estrógenos”, ensina o endocrinologista Antônio Roberto Chacra, da Escola Paulista de Medicina. São os estrógenos os responsáveis pelas curvas típicas do corpo feminino, pelo alargamento dos quadris, crescimento das mamas e aumento do tecido adiposo, onde se depositam indesejáveis gordurinhas. Já nos meninos, os testículos produzem a testosterona, hormônio sexual responsável pela formação da massa muscular, pelo alargamento dos ombros e o aparecimento de pêlos e barba. “Se as meninas ainda não tiverem pêlos e mamas não menstruam; da mesma forma, os meninos só terão ejaculações quando tiverem pelos, pigmentação e enrugamento da pele do escroto”. explica o professor Chacra. Durante a puberdade, podem aparecer doenças endócrinas, isto é, provocadas por disfunções glandulares, que podem causar deficiências no crescimento e aumento de peso. Cuidar da alimentação nessa fase é fundamental, porque é mais difícil emagrecer depois. Mas o déficit de peso também ocorre e, não se sabe por que, nas meninas é comum a anorexia nervosa, a falta absoluta de apetite.

Sinais da Transição

Jogar fora os brinquedos da infância e trilhar a estrada que leva ao mundo adulto. Assim é a fase da adolescência, em que o prêmio da independência custa o preço de novos compromissos e preocupações. O psiquiatra lçami Tiba, especializado em adolescentes, dá algumas pistas para se entender melhor essa fase. Mudanças corporais — A cabeça dos adolescentes não acompanha a rapidez com que o corpo se modifica: quando eles se acostumam com o tamanho do pé — em um ano pode pular de 38 para 43 —, começam a crescer a mão, os braços. O resultado é que eles se desentendem com o corpo. Afirmação sexual — Os meninos se valem do sexo para provar que são homens e com essa garantia se arriscam diante da menina em que estão interessados. As meninas de seu lado fazem o jogo da sedução: elas olham, eles acham que estão dando bola e vão em cima. Aí elas não se interessam mais. À medida que os adolescentes vão se sentindo seguros, surgem as ligações afetivas. Canalizam para o namorado ou a namorada o afeto que antes dedicavam só à família. Começam então a se tornar mais independentes. É um crescimento interior que eles mesmos não enxergam — a família menos ainda. Sair de casa — É diferente de fugir. Eles querem mudar de casa porque atualmente as famílias estão pouco gostosas, têm pouco a lhes oferecer. Por excesso de pressão ou falta de afeto, eles querem ir embora, mas sem perder o contato com a família. Violência — Pais que batem em filhos ou discutem muito entre si ensinam a eles que a violência serve para destruir o outro — o que é péssimo. O adolescente deve aprender, ao contrário, que a agressividade é saudável quanto usada em defesa própria.

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Sabe da última?

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Os sexos se confundem

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