Fogo pelas ventas
Astrônoma da Nasa, a carioca Rosaly Lopesjá esteve em cerca de 50 vulcões espalhados pelo mundo. E prefere, sem sombra de dúvida, os que podem acordar a qualquer momento
Texto Dante Grecco
No dia 12 de setembro de 1979, Rosaly Lopes tinha 22 anos e dava seus primeiros passos como vulcanóloga. Ela realizava sua segunda pesquisa de campo, nas encostas do Etna, um dos maiores vulcões ativos do planeta. “De repente, vimos uma nuvem de poeira preta se erguendo rapidamente sobre uma das bocas do vulcão. Não ouvimos nenhuma explosão, mas aqueles tufos de fumaça não deixavam dúvida: ocorrera uma erupção”, diz ela. Apesar do susto, Rosaly e a equipe que estava com ela tinham a sensação de que nada mais grave havia acontecido. Afinal, eles estavam a apenas uns 2 km da cratera central e tinham saído ilesos. Foi só no caminho de volta, quando encontraram um jipe que transportava turistas ao cume do vulcão, que se deram conta da tragédia. “O veículo estava repleto de turistas apavorados e tinha um buraco no teto causado pelo impacto de bombas vulcânicas.” Na hora da explosão havia cerca de 150 turistas ao redor da cratera e a erupção repentina causou 9 mortes, provocadas principalmente pelo violento arremesso das bombas vulcânicas (nome dos pedaços de lava atirados ao ar durante uma erupção). “A dor dos parentes das vítimas fez com que aquela explosão se tornasse uma tragédia pessoal”, diz Rosaly. “Numa única tarde, o Etna me ensinou que o trabalho de um vulcanologista não é apenas aventura. Nossa ciência falhou para aquelas pessoas porque nós ainda sabemos muito pouco sobre o comportamento dos vulcões.”
De lá para cá, muita coisa mudou. Apesar de ainda não ser possível prever a explosão de qualquer vulcão, a ciência que estuda esses cuspidores de fogo avançou bastante. “Já sabemos, por exemplo, que o topo do Etna é bem mais perigoso do que se supunha até 1979. Além disso, algumas erupções, como no Havaí, já são fáceis de antecipar”, diz Rosaly. Mas não foi só a ciência dos vulcões que evoluiu nas últimas décadas. De vulcanóloga iniciante, Rosaly Lopes passou a uma das pessoas que mais entende de vulcões no mundo. Ou melhor, em vários mundos. É que ela – que hoje trabalha no famoso JPL (Laboratório de Propulsão a Jato) da Nasa, em Pasadena, Califórnia – é responsável pela descoberta dos 71 vulcões de Io (um dos satélites de Júpiter), os únicos vulcões ativos fora da Terra de que temos notícia. “Já se desconfiava que ali havia vulcões. Eu detectei sua atividade e o calor que emitiam.”
Só este ano, a astrônoma já lançou 2 livros. Volcanic Worlds: Exploring the Solar System Volcanoes (“Mundos Vulcânicos: Explorando os Vulcões do Sistema Solar”) foi escrito em parceria com um colega e é dirigido a geólogos e astrônomos. Já o segundo, The Volcano Adventure Guide (“O Guia de Aventura em Vulcões”), é um guia de viagens para pessoas comuns e dá dicas práticas de como conhecer 42 vulcões no planeta Terra – ela já esteve em todos eles.
Quanto mais quente, melhor
Rosaly é apaixonada por vulcões ativos. Os que já deixaram de cuspir lava não a seduzem muito e, apesar do medo que sente ao pensar numa erupção violenta, nem cogita a possibilidade de trocar de trabalho. “Uma erupção vulcânica é um dos espetáculos mais fantásticos da natureza”, diz ela que, em 27 anos de carreira, já visitou cerca de 50 vulcões (até ela já perdeu a conta), e enfrentou todo tipo de dificuldade. “Em muitos deles é possível ir até o topo de carro; em outros, não. Mas os locais mais interessantes para os estudiosos, em geral, são distantes das estradas. Por isso, é preciso andar, e muito. Minha jornada mais cansativa foi atingir o topo do vulcão Hekla, na Islândia. Não é muito alto, pois tem apenas 1 491 metros. O problema maior é o frio, a neve e o vento.”
Outro episódio tenso foi a visita, em maio de 1996, ao Soufriere, na ilha Montserrat (uma estreita faixa de terra com apenas 103 km2, próxima à Martinica, no Caribe). O vulcão está ativo desde 1995 e sua erupção é perigosíssima. Rosaly e sua equipe foram deixados, por um helicóptero, numa praia formada pelo fluxo de lavas que tinham sido expelidas pouquíssimo tempo antes da chegada do grupo. “Se o vulcão acordasse de repente, o veículo provavelmente não teria tempo de voltar. Não teríamos a menor chance.”
Mas não é apenas o gosto pela aventura que faz com que Rosaly se dedique aos vulcões ativos. “Conhecer um vulcão que ainda não se apagou nos dá a oportunidade de ver o processo de formação de um planeta em ação.” Recentemente ela subiu em vulcões do Havaí para medir o calor de suas lavas na radiação infravermelha e observar a maneira como elas esfriam. Assim, foi possível comparar os resultados com alguns dados dos vulcões de Io, em Júpiter.
É por isso que, apesar de parecer estranho para algumas pessoas que uma astrônoma tenha se especializado em vulcões, Rosaly garante que as duas ciências têm tudo a ver uma com a outra. “O vulcanismo é um dos processos fundamentais na formação dos planetas porque é o meio pelo qual os planetas e os satélites perdem seu calor primordial e se moldam.”
Entregando o ouro
Trabalhar em lugares remotos tem lá suas compensações. “Uma das paisagens mais fascinantes que já vi foi do alto do vulcão Mauna Loa, no Havaí. É o maior vulcão ativo do mundo e, nos últimos 150 anos, explodiu 39 vezes. Suas erupções, extremamente luminosas, são espetaculares e inesquecíveis.”
Em The Volcano Adventure Guide ela dá ainda outra explicação para o fascínio que sente pelo seu trabalho. “Os vulcões não determinaram apenas a superfície terrestre, mas também mudaram o curso da história. Erupções arrasaram civilizações, mudaram os rumos de guerras e, com mais freqüência, destruíram cidades e causaram milhares de vítimas. Mas tem o lado positivo. As erupções vulcânicas deixam as terras férteis, que se tornam fonte de sobrevivência para várias populações.”
É exatamente essa paixão que fez com que Rosaly decidisse, em 1996, escrever o guia. Para ela, o estudo e a visitação nessas poderosas montanhas não devem ser restritos a pesquisadores. “Há cerca de 600 vulcões potencialmente ativos no mundo, mais uma porção deles escondidos sob o mar. Em média, a cada ano, cerca de 50 deles sofrem erupções. Por mês, há uma dúzia ou mais”, escreveu no guia.
A obra, que como todo bom guia de viagem junta informações precisas a pertinentes comentários pessoais, tem 350 páginas e é dividida em 2 partes. Quem procura dados geológicos, ilustrações sobre as placas tectônicas que formam a superfície terrestre, diferenças entre os tipos de erupções vulcânicas e dicas sobre como planejar uma viagem e fotografar os vulcões em total segurança, encontra farto e preciso material na primeira parte do livro. Já na segunda, mais extensa, há informações bem detalhadas sobre 42 vulcões com condições razoáveis de segurança para visitação. Eles estão no Havaí, EUA, Itália, Grécia, Islândia, Costa Rica e em algumas ilhas do Caribe. “Usei os seguintes critérios: primeiro, eu tinha de conhecer o vulcão pessoalmente. Depois, ele não podia ser muito inacessível.” A intenção de Rosaly sempre foi escrever sobre vulcões a que a maioria das pessoas pode ir sem equipamento especial e sem ter que fazer grandes escaladas. “Os únicos requisitos para um visitante de vulcões são curiosidade pela natureza e senso de aventura”, escreveu. E você, vai encarar?
Mulher-vulcão
Nome: Rosaly Lopes.
Formação: Astronomia, pela Universidade de Londres.
Carreira: Trabalha na Nasa desde 1991.
Atividades: Estuda a formação geológica dos planetas e investiga se eles têm ou não atividade vulcânica.
Vulcões no espaço
Nem só de vulcões terrestres é feita a rotina de Rosaly. Nos últimos anos, ela passou a integrar os times que se debruçam sobre dados enviados pelas importantes missões espaciais da Nasa. Até 2002, por exemplo, esteve envolvida com a missão da sonda Galileo, que orbitou alguns dos satélites de Júpiter. “Um deles era Io, onde descobri 71 vulcões ativos”, diz. Por sugestão sua, 2 deles foram batizados com nomes que lembram a mitologia indígena brasileira: Tupã (deus do trovão) e Monã (deus do fogo). Seu próximo desafio é investigar atividade vulcânica em Titã, uma das luas de Saturno. “É a única lua que conhecemos que tem uma atmosfera densa, com nitrogênio e metano. Muitos cientistas acham que ela seria similar à atmosfera da Terra antes de a vida evoluir por aqui. Sabemos que ela teve vulcões ativos no passado, mas o que existe lá hoje ainda é um mistério”, diz. Os instrumentos das sondas Cassini e Huygens, que sobrevoam essa lua, estão analisando em detalhe a composição atmosférica. “Titã pode nos dar a idéia de como era a Terra primitiva.”
7 regras para ver um vulcão e voltar vivo
Um dos capítulos mais caprichados de The Volcano Adventure Guide explica o que você deve saber para não correr nenhum grande risco quando for ver um vulcão de perto. “Mesmo aqueles que não estão em erupção devem ser visitados com cuidado”, escreveu Rosaly.
Regra 1
Reúna todas as informações sobre o vulcão. Não há 2 vulcões iguais, mesmo quando são do mesmo tipo.
Regra 2
Leve equipamentos de segurança específicos para o vulcão. Alguns requerem só um par de botas. Outros, como o monte Colima, no México, exigem até máscara contra gases.
Regra 3
Cuidado com os terrenos. Pequenas lascas de lava podem entrar no pé ou machucar pernas e braços. Buracos nas encostas também são perigosos. Em 1991, um estudante soviético caiu em um deles e nunca mais foi encontrado.
Regra 4
Nunca entre em áreas proibidas.
Regra 5
Não vá sozinho. Procure guias especializados.
Regra 6
Investigue sempre perigos locais como a presença de animais selvagens (ursos, cobras) e riscos provocados por altitudes elevadas, ladeiras íngremes ou situações climáticas extremas.
Regra 7
Respeite sempre seus limites. Parece uma instrução óbvia, mas ela deve ser levada a sério. “A única pessoa que vi morrer num vulcão foi um turista alemão que subestimou a curta, porém íngreme, distância entre a parada dos ônibus e o cume do Vesúvio, na Itália. Seu coração não resistiu e ele teve um colapso assim que chegou ao topo, diz Rosaly.
Para saber mais
The Volcano Adventure Guide, Rosaly Lopes, Cambridge University Press, 2005