Jogos Mundiais Indígenas começam nesta sexta; povos brasileiros repudiam evento
Etnias brasileiras questionam prioridades do Governo Federal e pedem demarcação de terras. Voluntários denunciam estrutura precária para os participantes.
Começa, nesta sexta-feira, a primeira edição dos Jogos Mundiais Indígenas. O evento, sediado em Palmas (TO), é rodeado de polêmicas. Povos indígenas brasileiros criticam a realização do evento, que recebeu investimento do governo de mais de R$ 55 milhões, de acordo com o Ministério dos Esportes, apoiador do evento.
No início do mês, o povo Guarani e Kaiowá declarou seu repúdio aos jogos, alegando que a prioridade dos investimentos deveria ser a demarcação de terras. Abaixo, um trecho do texto:
“Enquanto nós enfrentamos um verdadeiro genocídio, marcado por ataques paramilitares, assassinatos, espancamentos, estupros e perseguição das nossas lideranças, o governo brasileiro debocha de tudo isso. (…) Anunciamos que não participaremos deste palco forjado e mentiroso e afirmamos que, enquanto esta for a postura do Brasil, o único jogo que jogaremos será o de recuperar nossos territórios.”
“As demarcações estão paradas e os indígenas, especialmente os Guarani e Kaiowá, estão morrendo nas lutas por suas terras”, afirma Sara Sanchez, coordenadora regional do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Este mês, a líder indígena Valdelice Veron denunciou, em audiência pública, a morte de mais de 300 indígenas em conflitos fundiários no Mato Grosso do Sul, onde os povos tradicionais disputam espaço com produtores de grãos.
Arena montada
A abertura oficial dos jogos, marcada para as 18h30 desta sexta-feira, vai contar com a presença da presidenta Dilma Rousseff e da ministra ministra Kátia Abreu. Entretanto, será fechada para o público – apenas convidados poderão participar. A população interessada em assistir ao espetáculo vai acompanhar a festa de um telão, montado na Feira do Bosque, ponto turístico de Palmas.
Há outras queixas à organização do evento. Voluntários indígenas denunciaram ao Cimi que os atletas estão enfrentando condições precárias de instalação. “Eles se queixaram de que o alojamento é muito quente, a comida servida é de péssima qualidade e falta água”, reporta Sara Sanchez.
O Conselho também critica o fato de que os indígenas não foram incluídos no processo de concepção do evento. O Ministério dos Esportes e o Comitê Intertribal Memória e Ciência Indígena (ITC) foram procurados pela reportagem para responder às denúncias apresentadas, mas não enviaram respostas, nem destacaram fontes para entrevista.
Participam dos jogos cerca de 2 mil atletas de 46 etnias – 22 brasileiras e 24 de outros países, como Argentina, Estados Unidos, México e Nova Zelândia.
São três tipos de modalidades: os jogos de integração, que são os esportes praticados pelos povos brasileiros (como arco e flecha e cabo de força); os de demonstração, tradicionais de outros povos e que têm como essência o resgate às práticas tradicionais; e os ocidentais, que conta com partidas de futebol masculino e feminino.
Índio para gringo ver
O povo Krahô, do Tocantins, se pronunciou em carta contra a espetacularização dos jogos – e negou o convite para participar do campeonato. “Nós não podemos permitir que nosso povo e nossas tradições sirvam de vitrine. (…) Não pintamos nossos corpos para sairmos bonitos na foto”.
Todas as etnias foram selecionadas pelo Comitê Intertribal Memória e Ciência Indígena (ITC), que explica os critérios de escolha no site oficial dos jogos. Entre eles, estão a conservação dos costumes de cada etnia, a participação em alguma edição dos Jogos Nacionais, que acontecem desde 1996, assim como bom comportamento e cumprimento das regras nas edições passadas.
População desprotegida
Atualmente, o movimento indígena luta contra a PEC 215/2000, que, se aprovada, transfere a competência de demarcação do Executivo para o Legislativo. Isso impactaria os processos de 228 terras que ainda não foram homologadas – uma área de 8 milhões de hectares, que inclui uma população de mais de 100 mil indígenas. Outro problema seria a permissão para empreendimentos de impacto, como estradas e hidrelétricas – hoje proibidos.