Luiz Dal Monte Neto
Dentre a enorme variedade de jogos inventados pela humanidade é possível identificar uma categoria que se poderia chamar jogos de ligação. O que se caracteriza é o objetivo: tentar formar uma cadeia contínua de peças que vá de um certo ponto do tabuleiro a outro. Alguns deles já se podem considerar verdadeiros clássicos, como o Twist, o Thoughtwave e o Hex. Este último é uma espécie de modelo do gênero.
Inventado em 1942, em plena Segunda Guerra Mundial, ele é uma das muitas criações de Piet Hein, um dinamarquês de grande projeção em sua pátria. Homem de talentos múltiplos, é capaz de nutrir igual interesse pela Física e pela poesia. Ele próprio é um poeta com livros publicados e – isso é o que importa – muito lidos pelos seus conterrâneos. Acrescente-se a esse perfil um passado de lutas contra os invasores nazistas e temos aí um exemplo de um homem querido pelo seu povo.
Hein apresentou o Hex, pela primeira vez, durante uma palestra que fazia aos estudantes do Instituto de Física Teórica Niels Bohr, de Copenhague. Seu nome de batismo, contudo, foi Polygon. Só passou a se chamar Hex em 1952, depois que uma versão comercial foi lançada pela firma americana Parker Brothers Inc., a mesma que fabricava o famoso Monopoly, conhecido entre nós como Banco Imobiliário. Rapidamente, o jogo virou mania na Dinamarca, onde se vendiam folhas impressas com o tabuleiro, tais como se vendem no Brasil os bloquinhos de Batalha Naval. Até problemas com soluções eram então publicados por alguns jornais.
Meio século depois, poucos jogadores brasileiros conhecem o Hex, situação a ser modificada. Para jogá-lo é preciso um tabuleiro em forma de losango, modulado em triângulos eqüiláteros, como o que se vê na figura 1. Esse tem uma dimensão de 11 x 11 linhas, que é a mais usual, mas também pode se jogar sobre tabuleiros menores ou maiores. Duas margens opostas têm a cor preta e as outras duas, a branca. As peças podem ser improvisadas com botões pretos e brancos – cerca de quarenta de cada, embora raramente se utilizem tantas numa partida. Também é possível jogar com lápis sobre um tabuleiro desenhado em papel.
Um participante joga com as pretas, o outro com as brancas. As peças são postas sobre as intersecções das linhas (ponto) e não sobre os triângulos. Uma vez instalada num ponto, a peça não se move mais até o final da partida. Não há capturas. O jogo é iniciado pelo jogador das pretas, que deve pôr uma peça em qualquer ponto à sua escolha. Em seguida, jogam as brancas, que põem uma peça em qualquer ponto vago.
Depois, os jogadores se alternam, pondo uma peça por vez, até que um deles consiga formar uma sequência ininterrupta com as suas próprias peças, unindo as duas margens do tabuleiro de cor igual à sua. A figura 2 mostra um exemplo de posição final, onde as brancas venceram. Note que não importa quantas peças formam a sequência. Tampouco importa se a sequência é menos ou mais sinuosa. Ela só não pode estar obstruída por nenhum ponto vago ou peça adversária. Os pontos situados nos cantos pertencem a duas margens e, portanto, podem ser usados por ambos os jogadores como início ou fim de suas sequências. Aí está: quantos jogos o, leitor conhece, cujas regras sejam tão breves? E, no entanto, há em Hex profundidade suficiente para ter despertado a atenção de muitos estudiosos.
Depois de algumas partidas, o leitor perceberá que o jogo é muito mais sutil do que parece à primeira vista. Logo de saída descobrirá que alinhar uma peça após a outra não é uma estratégia muito ambiciosa. Muito melhor é dispor as peças do modo como se vê na figura 3a: embora não estejam conectadas ainda, não há nada que o adversário possa fazer para impedir que isso aconteça (se cerca por um lado, conectam pelo outro e vice-versa – veja a figura 3b e 3c). Também não é eficaz tentar estabelecer um bloqueio “a queima-roupa”, pois o adversário pode contorná-lo facilmente. É melhor organizar barreiras à distância, montando um contra-ataque.
A vantagem do primeiro jogador salta à vista e é decisiva, como demonstrou John F. Nash, que, aliás, se tornou mais tarde um dos maiores especialistas na Teoria Matemática dos Jogos. Nos tabuleiros pequenos isso é óbvio, como o leitor poderá averiguar, sem muita dificuldade, naqueles com 2 x 2 e 3 x 3 linhas. A partir daí a coisa se complica progressivamente. Quanto maior o tabuleiro, como, por exemplo, o de 11 x 11linhas, mais difícil é transformar a vantagem do primeiro lance numa vitória. Apesar disso, os jogadores fortes adotam regras restritivas, para equilibrar o jogo. Uma das mais comuns é proibir que as pretas façam seu primeiro lance ao longo da diagonal menor e nos pontos que circundam o centro do tabuleiro – regiões estrategicamente muito importantes.
Luiz Dal Monte Neto é arquiteto e designer de jogos e brinquedos