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Por que na escola não nos ensinam a ser adultos?

Apesar de muita teoria, ninguém aprende na escola a cozinhar, consertar a casa ou salvar vidas. Por quê?

Por Mariana Sgarioni
Atualizado em 5 mar 2024, 15h36 - Publicado em 30 nov 2005, 22h00

Você já parou para pensar quanto tempo da sua vida passou na escola? Uma conta rápida, sem equações muito elaboradas, mostra que foram pelo menos 11 anos e mais de 13 mil horas dentro de salas de aula. É tempo para chuchu. E a sensação que fica é a de que muito se ouviu, estudou e escreveu, mas boa parte disso foi pelo ralo depois do vestibular.

Para piorar, descobrimos que não sabemos aquilo que efetivamente nos faz falta na vida adulta – desde como costurar a bainha de uma calça até como trocar a resistência de um chuveiro sem levar choque. Que a escola não existe – ou pelo menos não deveria existir – apenas para nos preparar para o vestibular, disso a gente sabe (até porque o vestibular é uma etapa um tanto fugaz da vida). Mas então o que a escola deveria nos ensinar?

Muitos pedagogos acreditam que o objetivo primeiro da educação é nos ensinar a dominar o espaço em que vivemos. “Precisamos aprender tudo aquilo que for útil e nos der felicidade. É como levar uma caixa em cada mão: a das ferramentas, que vão nos ajudar a desembaraçar todos os nossos problemas, e a dos brinquedos, que nos darão prazer. Nós não plantamos só o que precisamos comer. Plantamos também violetas, que são lindas e não servem para nada”, diz o sociólogo suíço Philippe Perrenoud, da Universidade de Genebra.

Se tiver algum uso – não importa se prático ou poético –, até o assunto mais chato vai permanecer grudado na sua cabeça. “A nossa memória é como um escorredor de macarrão: a água escapa e só fica o que interessa, o que a gente vai comer”, diz o educador, psicanalista e cronista Rubem Alves.

O problema é que as escolas têm muitos alunos, cada um com um interesse diferente. Você pode achar que a trigonometria nunca lhe serviu para nada, mas seu colega que virou engenheiro usa essas lições até hoje. “A escola precisa atender a todos. Não tem jeito, é preciso manter matérias que, futuramente, serão desprezadas por alguns”, afirma Silvia Amaral de Mello Pinto, coordenadora do Centro de Aprendizagem e Desenvolvimento de São Paulo, um centro de estudos em psicopedagogia. Então sempre haverá alguém descontente com a escola? No ensino tradicional, sim. Mas não deveria ser assim.

Para Perrenoud, o principal problema é que a escola se preocupa muito mais em ensinar teorias do que habilidades práticas e, com isso, os alunos não são treinados para utilizar os conhecimentos em situações concretas. Quase ninguém se lembra da teoria da pirâmide alimentar enquanto está enchendo o prato no bandejão ou das aulas de botânica quando está caminhando em uma floresta. Teoria e prática não deveriam se excluir – e reconhecer isso ajudaria bastante na sala de aula. Afinal, aprender fazendo as coisas, em vez de ficar ouvindo e copiando fórmulas, pode ser mais eficaz mesmo que depois não se use nada disso.

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A questão não é o que ensinar e sim de que forma ensinar – e o que não faltam são novas propostas educativas. Perrenoud defende que o aluno estude menos tópicos em cada disciplina e se aprofunde mais em cada um. “Isso daria mais chance para que as pessoas colocassem os conhecimentos em prática.” Mas existem propostas ainda mais ousadas. “O ideal seria que cada escola tivesse o currículo suficientemente flexível para desenvolvê-lo a partir das necessidades e perfil cultural de seus alunos”, diz Silvia Gasparian Colello, professora de psicologia da educação da USP. Um exemplo é a Escola da Ponte, em Portugal. Localizada a 30 quilômetros da cidade do Porto, ela deixa as crianças definirem suas áreas de interesse e desenvolverem projetos de pesquisa. Não há salas de aula e sim lugares onde cada aluno procura pessoas, ferramentas e soluções para o que precisa. Segundo Silvia, este é o principal objetivo de uma escola: formar pessoas que saibam buscar o conhecimento que lhes interesse.

E você, já parou para pensar o que gostaria de ter aprendido na escola? Abaixo, você vai ler uma lista que preparamos para você. Mesmo que não saiba nenhum destes assuntos, ainda há tempo de aprender. Há profissionais que promovem cursos de tudo por aí – até mesmo de como pendurar uma roupa no varal.

8 passos para uma escola completa

1. Economia doméstica

Até a década de 1970, muitas escolas obrigavam as moças a estudar os afazeres domésticos. “Hoje, a futura vida profissional do aluno passou para o primeiro lugar. Mas todo executivo tem que morar em algum lugar – e saber administrá-lo”, afirma Sonia Maria Soares Carvalho, consultora de organização do lar.

Dica: O principal para ter uma casa arrumada é ter disposição para não jogar roupas em qualquer canto e lavar a louça de vez em quando. Ajuda bastante fazer um intensivão com qualquer pessoa experiente e próxima: sua mãe, uma amiga, a faxineira. É a única maneira de descobrir macetes que você não aprendeu na aula de química, como o poder do vinagre para limpar carpetes e tapetes (e a economia que ele proporciona em produtos de limpeza).

Para saber mais: The Art & Science of Keeping House, de Cheryl Mendelson

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2. Cozinhar

Nem o Ronald McDonald consegue viver só de fast-food. Se nas aulas de química aprendêssemos a cozinhar alguma coisa, talvez até o nível de colesterol da população fosse mais baixo. “Dá para ensinar física, química e organização por meio da culinária”, diz Betty Kövesi Mathias, da Escola Wilma Kövesi de Cozinha, em São Paulo. Ela conta que seu curso deixou de ser frequentado apenas por moças que iam se casar e passou a receber de adolescentes a executivos: “Todos gostam de comer bem, não?”.

Dica: Pegue um livro de receitas e, literalmente, meta a mão na massa. Você vai queimar um bocado de comida, mas uma hora pega o jeito.

Para saber mais: Cozinha Bruta: O Guia da gastronomia sem frescura, de Marcos Nogueira, Superinteressante

3. Pequenos reparos

O banheiro está todo inundado e você é obrigado a ouvir do zelador que foi a “carapeta” da torneira que estourou. Chega então à terrível conclusão de que não faz a menor idéia de como acabar com o aguaceiro – apesar de as aulas de física ensinarem elétrica e hidráulica, ninguém falou como fazer isso na prática.

Dica: A solução é parecida com a da culinária: saia fuçando e tente consertar na marra. Só se lembre de, antes, fechar o registro da água ou desligar a chave geral da eletricidade: evita choques e inundações.

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Para saber mais: Home Repair Emergency Handbook, de Gene Schnaser

(skynesher/iStock)

4. Comunicar-se

Não adianta nada ter uma boa ideia, é preciso saber vendê-la. Do contrário, você perde grandes oportunidades – desde no trabalho até na vida conjugal. “O silêncio passou a ser valorizado na escola. A argumentação só é exigida em redações, com formato predeterminado. Resultado: gerações de pessoas que fogem de situações que exigem falar em público”, diz a pedagoga Edna Barian Perrotti, de São Paulo.

Dica: O professor de expressão verbal Reinaldo Polito recomenda ler em casa, todos os dias, um texto em voz alta. Preste atenção no volume da sua voz, em erros gramaticais e na organização das idéias. E, claro, evite palavrões.

Para saber mais: Assim é Que se Fala, Reinaldo Polito, Editora Saraiva

5. Primeiros socorros

Acidente não escolhe hora, lugar, raça nem religião. Resgatar uma pessoa de um afogamento, fazer uma massagem cardíaca ou remover um acidentado para um hospital deveria ser disciplina obrigatória para todos. Mas não é. E o que acaba acontecendo em casos de emergência é uma série de trapalhadas que custam muitas vidas.

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Dica: O que quer que tenha acontecido, não dê nada à vítima para beber ou comer. Mantenha a pessoa calma e, lógico, solicite atendimento médico.

Para saber mais: Guia de primeiros socorros do Dnit

6, Legislação

Embora todos nós estejamos sujeitos às leis brasileiras, pouco sabemos sobre elas. Nunca caíram nas provas de interpretação de texto, muito menos de análise sintática. A falta de conhecimento sobre nossos direitos e deveres leva a perdermos a noção exata de cidadania.

Dica: “Tenha a Constituição em casa e dedique-se a ler com atenção pelo menos os artigos 5 e 6, que se referem aos direitos individuais dos cidadãos. Você perceberá o quanto está sendo lesado, começando pelo governo que cobra tantos impostos e não oferece nenhuma contrapartida”, afirma o advogado Nelson Alexandre da Silva Filho, fundador do Projeto OAB Vai à Escola.

Para saber mais: Constituição da República Federativa do Brasil

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7. Dançar

Os desajeitados que me perdoem, mas dançar é importante para ganhar moral em qualquer grupo. E há outras vantagens. “Ela aumenta a capacidade de entendimento – os tempos e o ritmo ajudam até a aprender matemática”, diz Ivaldo Bertazzo, reeducador do movimento corporal. Para ele, todo mundo sabe, sim, dançar. Até os desajeitados.

Dica: “Bata os pés e as mãos, reparando nas sensações. Depois deite de olhos fechados e levante diversas vezes, reparando em todos os movimentos que faz. Isso trará idéias de espaço, gravidade e equilíbrio que farão toda a diferença na hora de dançar”, diz Ivaldo. Só não faça o exercício na pista de dança…

Para saber mais: Espaço e Corpo, de Ivaldo Bertazzo, Editora Sesc SP

8. Finanças pessoais

Se você só decorou aquele problema de matemática que ensinava a calcular taxas de juros para passar no vestibular, certamente deve estar pendurado no cartão de crédito.

Dica: Um truque do professor Anísio Costa Castelo Branco, do INPC, é anotar os seus gastos fixos em um lado de uma folha. No outro, escreva as dívidas. No topo, o quanto você ganha. A partir daí, estude o que pode cortar ou de que forma pode aumentar sua receita.

Para saber mais: Índice Nacional de Preços ao Consumidor

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