O buraco nosso de cada dia
O Brasil é um dos países mais férteis para a impune proliferação de buracos de rua. No ano passado, 479 mil deles foram tapados, e mesmo assim o problema continua.
Leandro Narloch
O Brasil não tem terremotos, vulcões nem devastadoras pragas de gafanhotos, mas abriga uma peste que já deve ter tirado você do sério: buracos de rua. No ano passado, 479 mil seres dessa espécie foram tapados só em São Paulo. Mas não pense que isso significa que você está se livrando deles. O país é dos lugares mais férteis para a impune proliferação de buracos. E há vários motivos para isso.
O principal deles, segundo a pesquisadora Liedi Bernucci, coordenadora do Laboratório de Pavimentação da Universidade de São Paulo, é a escassa manutenção preventiva.“Quando começam a aparecer trincas no asfalto, ele precisa de um revestimento delgado para impermeabilizá-las”, afirma. Sem cuidados, as trincas servem de caminho para infiltrações da água da chuva, atingindo a base do revestimento. Quando a base se desloca, lá vem ele, o buraco de rua.
Tapar buracos não resolve. “O ideal é recapear as vias, mas poucos municípios têm dinheiro para sair da manutenção provisória”, diz o engenheiro Janos Bodi, da Prefeitura de São Paulo. A situação é parecida onde há muita demanda por asfalto e pouco dinheiro para mantê-lo, como no resto da América Latina, África e Leste Europeu.
Ou seja, o maior problema não é a qualidade do asfalto. Asfaltos piores podem ser usados numa boa em vias de pouco tráfego. Assim funciona no mundo todo, até nos Estados Unidos. O país é o que mais usa em suas estradas o concreto puro – disparado o melhor pavimento, que dura de 20 a 40 anos –, mas 85% dos seus 3 milhões de quilômetros pavimentados ainda são de asfalto igual ao brasileiro. O que faz a diferença é um conceito americano de manutenção preventiva ainda mais avançado, a gerência de pavimentos. “Desde 1992, o governo americano só financia a pavimentação em municípios que fazem manutenção e diagnósticos constantes do desempenho das vias”, afirma Bodi.
Sem check up nem remédios, os caminhos asfaltados do Brasil também sofrem porque são raros. “As estradas acabam usadas por uma demanda para a qual não foram projetadas”, diz Liedi. A França, 15 vezes menor que o Brasil, tem quase seis vezes mais estradas pavimentadas.