O terrível mundo dos comentários na internet
Por que sites de notícias e redes sociais são infestados de comentários cheios de ódio, rancor e extremismo? De onde vêm os haters e trolls - e o que, afinal, eles querem?
Reportagem originalmente publicada pela SUPER em 2015
Os psicólogos Justin Hepler e Dolores Albarracín, das universidades americanas de Illinois e da Pensilvânia, respectivamente, publicaram um estudo em 2013 que ajuda a explicar o ódio online. Eles pediram para voluntários indicarem, em uma escala, como se sentiam em relação a estímulos variados. O resultado dividiu as pessoas em dois grupos: abertas ao desconhecido e fechadas. O primeiro grupo tende a ser mais curioso. O segundo não gosta de nada. Isso cria um padrão de comportamento em que o que é avaliado é menos importante do que quem avalia. Os haters pertencem ao segundo grupo, pois odeiam o desconhecido – que permanece desconhecido por causa de outro fenômeno, o viés de confirmação. Esse conceito da psicologia cognitiva diz que tendemos a ignorar ou desprezar fatos que contradigam algo em que acreditamos.
Outro estudo, da Universidade do Estado de Ohio, mostrou que as pessoas passam 36% mais tempo lendo um texto se ele se alinha com sua opinião. “Você fica tão confiante na sua visão de mundo que ninguém consegue dissuadi-lo”, explica o jornalista americano David McCraney no livro Você Não é Tão Esperto Quanto Pensa. O conformismo de bater nas mesmas teclas alimenta o medo de absorver ideias novas – e vice-versa. No anonimato da internet, esse é o combustível para comentários inflamados de ódio e a razão da existência e proliferação dos haters. Para piorar, isso sustenta outra praga da internet, as teorias da conspiração. Se você procurar no Google apenas provas de que o homem não foi à Lua, vai encontrar várias – e se sentir aliviado por achar que está certo.
Mas e quando o anonimato recua e as pessoas mostram a cara? Uma TV americana, em parceria com a Universidade do Texas, fez o seguinte estudo: por 70 dias, ela lidou com 2,5 mil comentários postados em sua página no Facebook de diversas maneiras. Algumas vezes, um repórter famoso do canal interagia com as pessoas. Em outras, o perfil oficial da emissora respondia. Quando o repórter comentava, houve 15% menos insultos do que nos tópicos sem interação. O estudo concluiu que quando o lado de lá participa, como, por exemplo, ao elogiar comentários que acrescentam algo à discussão, as pessoas veem que atitudes têm consequências e que a internet, no fim das contas, é feita de pessoas.
Só que tem um problema: existem pessoas e pessoas. E algumas delas são trolls.
POR TRÁS DA TROLLAGEM
Os trolls apareceram na rede de fóruns Usenet nos anos 80. O termo vem da expressão trolling for suckers. Trolling é uma técnica de pesca em que linhas com iscas são deixadas na água e arrastadas a partir de um barco em movimento, à espera de peixes que as abocanhem. É isso o que o troll faz na internet, provocar e esperar alguém que se irrite. Hoje, o termo abrange diversos tipos de comportamento. Para a moderadora Bruna, o pior é aquele que conhece os limites do que pode ser publicado. Não ofende ninguém, mas é campeão de discórdia. “Eles entram numa notícia de uma celebridade só para falar mal dela e irritar os fãs. Você não pode chutá-los porque estão dentro das regras, mas muita gente se revolta e perde a linha – e no final elas acabam bloqueadas.”
Tom Postmes, professor das universidades de Exeter (Inglaterra) e Groningen (Holanda), pesquisa o comportamento online das pessoas há 20 anos e notou que o estilo troll está cada vez mais bem definido. “Eles querem promover emoções antipáticas de nojo e indignação”, diz. Segundo um estudo de 2013 do Centro de Pesquisa em Comunidades Online e Sistemas de E-Learning do Parlamento Europeu, na Bélgica, trolls têm muitas características em comum com pessoas que sofrem de um transtorno de personalidade antissocial. A causa seriam problemas de autoconfiança.
A internet é uma adolescente. Ela existe há 49 anos, mas começou a fazer parte da nossa vida para valer há no máximo 20. Então, estamos todos amadurecendo nosso comportamento. Lembra seus primeiros posts no Orkut, em blogs antigos ou logo que entrou no Facebook? Bateu uma vergonha? É normal. A web cresce assim. Aos poucos, a noção falsa de que há uma fronteira entre comportamento online e offline enfraquece. A internet não é uma terra amoral, onde vale tudo. Ela é uma extensão da sociedade. Para o bem e para o mal.
Bichos digitais
Como identificar os tipos de comentaristas na Internet
Extremista político
De direita ou de esquerda. Uns defendem o nazismo, outros chamam de nazista quem discorda deles. Também são vítimas fáceis dos trolls.
Povo da zoeira
Posta conteúdos engraçados em discussões alheias, muitas vezes mudando o rumo da conversa para algo mais anárquico. Finge-se de hater ao postar mensagens inflamadas só para confundir extremistas e conspiradores.
Sabichão
Sommelier de qualquer coisa, tem opinião formada sobre quase tudo. Gosta de insultar a suposta ignorância das pessoas ao redor.
Ista
Sonistas (fãs da Sony) e nintendistas (da Nintendo). Pessoas que defendem marcas de games como se estivessem em torcidas organizadas. O fenômeno ocorre em outros ramos, como tecnologia (Apple x Google x Windows) e fotografia (Nikon x Canon). São alvos fáceis de trolls, que detonam seus ídolos só para ver o circo pegar fogo.
Conspirador
Há muitas versões, como o dilmificador, que põe a culpa de tudo de errado no mundo no governo. Míssil derruba avião na Ucrânia? Culpa da Dilma. Outro tipo comum é o que duvida de tudo o que a “grande mídia” diz.
Monossilábico
Limita a participação a um “que legal” ou “que lixo”. É inofensivo e não acrescenta nada a nenhuma conversa.
Confuso
Xinga, mas é difícil dizer o quê e por quê. Dispara um repertório variado de clichês e preconceitos, mas não dá para saber que lado está defendendo.
Troll de raiz
Usa o anonimato para assediar outros usuários, seja de forma sutil seja de um jeito mais agressivo.
Fofo
Traz novas informações à discussão e está pronto para responder cordialmente a todos os outros tipos.