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O tráfico ainda reina

A disputa com as milícias, a violência entre as facções e a crescente ação da polícia criou problemas para os negócios, mas os bandidos ainda dominam grande parte da cidade

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h45 - Publicado em 22 mar 2011, 22h00

Texto Mauricio Svartman

De tão cinematográfica, poderia ser uma cena de Tropa de Elite 2. Em 17 de outubro de 2009, o Morro dos Macacos, na Zona Norte do Rio, virou símbolo de guerra civil em noticiários mundo afora. Na briga por pontos de drogas, o Comando Vermelho invadiu a favela controlada pela ADA (a facção criminosa Amigos dos Amigos).

Para conter a carnificina em andamento, a Polícia Militar interveio com um helicóptero – que foi simplesmente abatido pelos bandidos. Ao final do conflito, o número oficial era de 21 mortos (entre eles 3 PMs). A comoção foi amplificada pelo fato de que apenas 15 dias antes a cidade havia sido escolhida como sede dos Jogos Olímpicos de 2016. É como se na cena do filme em que o Bope invade o morro de helicóptero, os bandidos, em vez de fugir, tivessem derrubado a máquina. A realidade às vezes é mais estranha que a ficção.

A situação das favelas cariocas está muito longe da descrita pelo filme. Enquanto na ficção o Bope sobe o morro, expulsa os bandidos e deixa um vácuo de poder ocupado pelas milícias, no mundo real, o batalhão ainda está muito longe de, ao menos, ter livrado as comunidades da violência. O Rio está recheado de zonas de tensão, com traficantes brigando entre si pelo controle do comércio de drogas e enfrentando a concorrência das milícias pelo domínio de vastas áreas da cidade. O tráfico não é um ator coadjuvante no cotidiano: ele ainda é protagonista das suas piores cenas. Basta lembrar que, em agosto deste ano, traficantes invadiram um hotel na cidade e fizeram 35 reféns. Esse poder do tráfico vem, em parte, das cifras que ele movimenta. Em 2008, a Secretaria da Fazenda do Rio publicou o estudo A Economia do Tráfico na Cidade do Rio de Janeiro. Essa é uma das primeiras tentativas de entender como funciona o mercado de drogas local. De acordo com a pesquisa, o consumo anual de drogas no Rio é de 90 toneladas de maconha, 8 toneladas de cocaína e 4 toneladas de crack.

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A pesquisa estima ainda que os traficantes cariocas faturem anualmente entre R$ 316 milhões e R$ 633 milhões. Tirando as despesas do negócio, o lucro ficaria em torno dos R$ 130 milhões.

Parece muito, é muito, mas esse número indica também que o tráfico não é o melhor negócio do mundo. Para dar uma ideia: tudo o que os traficantes ganham no Rio não dá nem 10% do R$ 1,5 bilhão que a Souza Cruz, uma das maiores empresas de cigarros do Brasil, faturou em 2009.

Além disso, o comércio de drogas é pra lá de instável. Em um cenário menos favorável, com mais disputas entre facções e apreensões, pode sobrar muito menos dinheiro para os 16 300 moradores de favelas envolvidos com o tráfico (cerca de 1,5% do número total de pessoas que vivem nos morros cariocas).

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Portanto, há um segundo fator a ser considerado: a miséria das comunidades. Celso Athayde, secretário-geral da Central Única das Favelas (Cufa), afirma que o tráfico entra onde as pessoas não têm outra fonte de renda nem perspectiva de vir a tê-la. “Existem centenas de moleques tentando entrar na boca, só esperando alguém morrer ou sair, a procura é maior do que a oferta”, explica ele. Segundo Athayde, essa situação poderia ser transformada com um conjunto de medidas que fosse muito além do esculacho. “Os traficantes não querem vender droga, eles querem ganhar dinheiro. Se uma empresa oferecesse exclusividade na venda dos produtos para os caras, eles aceitariam . Afinal, todo mundo quer que seu filho vá para a Disney um dia”, conclui Athayde, que também é coautor de livros como Falcão – Mulheres e o Tráfico, Falcão – Meninos do Tráfico e Cabeça de Porco.

E, de fato, o esculacho do Bope não resolve nada – nem na vida real nem no filme. Uma pesquisa de 2008 da Cufa em 100 comunidades do Rio traz alguns dados que reforçam essa ideia. Naquele ano, 55,5% dos moradores das favelas afirmaram que as operações policiais não diminuem a influência do crime organizado nas comunidades. Apenas 19,5% disseram acreditar que a estratégia do governo para combater o tráfico tem sido positiva. De fato, entra ano, sai ano, 52,1% dos entrevistados se deparam com pessoas armadas em suas comunidades e 69,5% falam que há violência armada. “As operações do Bope são arbitrárias. Um soldado treina tiro 4 anos e vai para a guerra, aquilo ali está dentro dele. O Bope é a possibilidade de guerrear todo fim de semana, então aquilo vira diversão para o cara”, diz Athayde. O resultado é que a ampla maioria dos moradores, que não tem nada a ver com o crime, paga o mesmo preço dos criminosos. “As políticas públicas são baseadas no ‘chutódromo’. A favela não tem voz. As pessoas só vão ouvir um antropólogo, que eu posso até respeitar como pensador, mas não como conhecedor de uma realidade que ele leu num livro da faculdade escrito por outro antropólogo”, critica ele.

O cenário pintado por Tropa de Elite 2, contudo, às vezes se manifesta no mundo real. O próprio Athayde afirma que, em alguns casos, a entrada do Bope em uma área do tráfico facilitou a expansão de outros negócios, como as milícias. Mas esse efeito nem sempre ocorre. Em outros casos, a entrada do Bope também pode ajudar a melhorar a situação. Em outubro deste ano, a polícia subiu o morro dos Macacos, onde o helicóptero foi derrubado, e implantou uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP).

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Obviamente, não é papel de uma obra de ficção mostrar toda a realidade do Rio. De todo modo, Tropa de Elite 2 contribui com um debate mais complexo, sobre o que colocar no lugar do tráfico de drogas. A cada dia crescem os indícios de que a violência do tráfico não se resolve com uma ação de Hollywood nas favelas, mas com a ocupação gradual dessas áreas miseráveis por serviços públicos decentes, transformando a favela em um bairro integrado à cidade. Pode não ser tão cinematográfico, mas é muito mais efetivo.

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