Para que serve ler a SUPER?
A revista que completa 25 anos neste mês mudou bastante ao longo do tempo. Mas os tempos mudaram ainda mais do que ela. e fizeram da sua mente o bem mais valioso que você tem
Sérgio Gwercman e Rodrigo Rezende
“As pessoas poderão deslizar acima de um tapete mágico.” A profecia de um entrevistado na primeira matéria de capa da SUPER, em 1987, não se concretizou. Mas a edição fez história. Pudera. Há 25 anos, saciar a fome de conhecimento era osso duro de roer. Ou a informação vinha crua, escrita no tecniquês dos centros de pesquisa, ou em forma de prato gourmet para poucos, sintetizada em enciclopédias que não cabiam em qualquer bolso nem biblioteca. Quem viveu o tempo das vacas magras do acesso ao conhecimento tirou a barriga da miséria. A SUPER era um verdadeiro PF do conhecimento: bom, barato e acessível a todos.
E assim continuou sendo. Porque na essência há muito em comum entre aquela revista e esta. Principalmente o fato de ser feita por e para quem ama o conhecimento. Algumas coisas mudaram, porém. O formato, por exemplo, é um bocado diferente – há mais infográficos, mais ciências humanas. Mas isso é um detalhe. Importante mesmo foi outra transformação que aconteceu nesses 25 anos: a transformação do mundo. E do nosso mundo, em especial: dos anos 1980 até hoje, o espaço que o saber ocupa na sociedade foi radicalmente alterado.
Quem eram as pessoas apaixonadas por conhecimento em 1987? Os nerds, os estranhos, os impopulares da escola. Ter conhecimento não era descolado – era coisa de cientista e intelectual. Quem são as pessoas apaixonadas por conhecimento hoje? Os sujeitos mais criativos e ricos do mundo. Aqueles que estão fazendo as coisas mais transformadoras e geniais do nosso tempo. Os malucos. Os inquietos. Os que enxergam as coisas diferentes.
Por trás deste movimento está a revolução em um conceito-chave: a figura do intelectual. Na época da enciclopédia de papel, os grandes cérebros eram catalogados por área de conhecimento: historiadores, geógrafos, matemáticos, físicos. E havia uma espécie de muro de Berlim mental que separava as ciências humanas das exatas e biológicas. É que o termo intelectual, como o conhecemos hoje, nasceu no final do século 19, quando o oficial do exército francês Alfred Dreyfus foi condenado injustamente por crime de alta traição. Como a punição era fruto da perseguição antissemita que Dreyfus sofria, escritores e humanistas se reuniram para defendê-lo – Émile Zola entre eles. E foi esse o primeiro grupo a ser chamado de “os intelectuais”.
Para esses pensadores, a ciência fazia parte de outro universo de interesse. Havia até uma guerra fria clara entre eles, um desprezo mútuo. O cientista e romancista britânico Charles P. Snow relatou o combate em “As Duas Culturas”, onde narra um evento no qual humanistas manifestavam espanto com o analfabetismo literário de cientistas. Snow, então, perguntou para eles: “Alguém aqui conhece a Segunda Lei da Termodinâmica?”. Resposta: silêncio. “Isso equivale a perguntar ‘você leu Shakespeare?’ para um físico”, concluiu. Snow acreditava que cientistas devem conhecer “Hamlet” e escritores, Newton. Assim, foi dos primeiros a defender a existência da Terceira Cultura, uma síntese entre humanas e ciência tradicional da qual sairiam os intelectuais do futuro. Pensadores atuais importantes, como Steven Pinker e Daniel Dennett, assinaram esse pacto de nãoagressão do conhecimento. Da mesma maneira, a genialidade de Steve Jobs nasceu da sua capacidade de unir a engenharia com o humanismo.
A queda da bipolaridade do conhecimento foi só o começo. A transformação envolveu também a produção do saber. Vivemos na era da autoria universal: hoje, praticamente todas as pessoas podem publicar suas ideias para o mundo ler – no Twitter, no Facebook, num blog. Mesmo que seja uma ideia qualquer, um tuíte dizendo #chatapacasessaSuper já é uma baita transformação: até outro dia na história, só um punhado de privilegiados podia contar ao público seus pensamentos. Assim, a dispersão do conhecimento ficava restrita a eles – não é de se admirar que esse privilégio valia tanto dinheiro e poder. O mesmo acontece com o processo de produção científica, que se beneficia da possibilidade de trabalho conjunto nas redes de cientistas. É o que acontece no maior experimento da Terra, o LHC.
E isso tudo não tem a ver apenas com ficar mais inteligente, mas também com ficar mais rico. Na maior parte da história da humanidade, para lucrar você precisava ter acesso a recursos e enorme domínio de alguma técnica. E assim você poderia ter seu comércio, plantar alimentos ou tirar petróleo do solo. Nos últimos anos as coisas mudaram. Boa parte das empresas mais valiosas do mundo tem seu negócio baseado no cérebro dos seus funcionarios e na capacidade que eles têm de criar produtos novos e surpreendentes. Não é que a velha economia não exigia conhecimento – é que na nova economia existem empresas que vivem quase que exclusivamente de conhecimento. E elas ganham fortunas.
Nessa transformação sem paralelo, os cérebros têm um papel cada vez mais importante. Tanto que muitos pensadores acreditam em uma aceleração exponencial na integração de mentes: é o fenômeno da singularidade. Essa explosão de inteligência pode ocorrer de um jeito bem semelhante a um trecho da primeira reportagem da SUPER: “Os elétrons brincam de dominós”. A matéria falava de supercondutores. Mas traduz nosso espírito: queremos brincar de dominó com os elétrons – do seu cérebro. E nos transformar em supercondutor – de conhecimento. Não podemos garantir que seu corpo flutue. Mas tentaremos fazer sua mente voar bem alto.