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Pequenos partidos, grandes negócios

Que partidos políticos podem ganhar fortunas, todo mundo sabe. Mas há uma peculiaridade brasileira: o partido-empresa, que só serve como balcão de negócios

Por Leandro Beguoci
Atualizado em 13 ago 2018, 20h29 - Publicado em 28 set 2014, 22h00

Levy Fidelix estava no aeroporto de Brasília em junho deste ano. Ninguém na fila reconheceu o candidato à presidência da República pelo PRTB (Partido Renovador Trabalhista Brasileiro), um homem que disputa eleições há três décadas, propagandeando seu “aerotrem”. Ele só deixa o anonimato de dois em dois anos, quando se torna um dos símbolos da dor e da delícia da democracia brasileira: a proliferação de partidos inexpressivos.

A ideia de multiplicar partidos surgiu no ocaso da ditadura. Durante o regime militar, o País teve apenas a Arena, governista, e o MDB, de oposição. Os anos do regime militar foram de ebulição ideológica. Havia uma grande pressão para abrir uma janela, permitindo que novas ideias se expressassem em novos partidos. O problema é que a janela nunca foi fechada. Hoje, o País tem 32 siglas, número que representa um dos maiores dilemas do nosso sistema político. Afinal, como cultivar a diversidade sem entulhar as eleições?

Criar um partido não é simples. A parte mais difícil é reunir 492 mil assinaturas, em no mínimo nove Estados, de apoio à sigla. Muitas são invalidadas, porque os cartórios eleitorais não conseguem comprovar que o nome, o número do título de eleitor e a assinatura estão ligados entre si ou vêm de uma pessoa com a situação em dia com a Justiça. Para garantir uma gordurinha, já houve de tudo: empresários forçam funcionários, professores pedem aos alunos, prefeitos colhem assinaturas em hospitais. Nos últimos anos, houve suspeitas de que empresas especializadas entraram no jogo. Até agora, nada comprovado – embora, a princípio, a prática não seja proibida. Quando a barreira das assinaturas é rompida, a Justiça checa os documentos e concede o registro. Esse processo pode demorar de meses a anos.

Em suma, dá trabalho e requer bastante organização – tanto que mesmo Marina Silva, com décadas de militância e milhões de eleitores, não conseguiu juntar a tempo as assinaturas que precisava para validar seu partido, a Rede Sustentabilidade. Mesmo assim, só entre 2010 e 2014, cinco partidos foram criados. Até um ex-vereador de uma cidade-satélite de Brasília montou o seu.

Tudo porque o esforço para abrir um partido compensa bastante por aqui. O Brasil nem é o país com mais agremiações políticas no mundo. Itália, França e EUA têm mais. Mas aqui há uma vantagem extra para os políticos: nossos partidos mal precisam de eleitores. O Estado garante dinheiro e exposição, não importando o que o partido representa, ou mesmo se ele representa alguma coisa. Só para dar uma ideia: Levy Fidelix foi processado em 2012 por uma série de filiados do PRTB. Eles reclamavam do fato de a sigla ser comandada por ele e por membros da sua família com base em reeleições infinitas e controle absoluto. O partido, então, mal representa seus próprios filiados. Mesmo assim, continua firme. E está longe de ser o único nessa situação. Poucos partidos resistem a um teste de representatividade. Eles não precisam ser fortes.

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Notas de 100 reais
(ppart/iStock)

A legislação, afinal, assegura tempo mínimo de TV a todas as siglas. Ele aumenta de acordo com a representação na Câmara federal. Isso garante uma cota mínima para defender ideias em público, mas também cria situações esquisitas. Para ter tempo na TV, os candidatos com chances precisam de coligações gigantes. Dilma Rousseff, do PT, concorre com o apoio de nove partidos. Geraldo Alckmin, do PSDB, disputa a reeleição em São Paulo sob a união de 14 legendas. Os segundos a mais no horário eleitoral valem como moeda. É aí que um pequeno partido pode virar um grande negócio.

A troca pode ser entre tempo de TV, cedido pelo partido menor, e dinheiro vivo, por cortesia do partido maior. Cargos públicos também podem entrar no acordo, em caso de vitória da coligação.

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Ou seja: o partido nanico acaba funcionando como uma empresa, uma companhia cujo produto principal são segundos de TV. E esses segundos não se materializam do nada. O Estado paga por eles, com dinheiro público. Não de forma direta, mas paga. O governo calcula o valor que as empresas receberiam em publicidade naqueles minutos em que o horário eleitoral é veiculado, e deixa as TVs abaterem esse dinheiro do imposto de renda. Só nas eleições deste ano, o governo vai deixar de arrecadar R$ 840 milhões por causa do horário eleitoral. Desse jeito, é como se uma fatia desses milhões fosse canalizada direto para os partidos-empresa. Nós, contribuintes, pagamos pelos minutos do horário eleitoral. Aí eles pegam e vendem para o próprio bem.

Outra fonte de dinheiro é o fundo partidário, também mantido pelo Estado, e que em 2013 foi de R$ 294 milhões. Hoje, 5% dessa reserva é dividida igualmente entre os 32 partidos. Os outros 95% são repartidos de acordo com a representação das siglas na Câmara. Em 2013, o PRTB, com dois deputados, recebeu R$ 1,3 milhão. Os que menos levaram foram os novatos Solidariedade e PROS, que ganharam R$ 115 mil cada um.

Também tem os debates. Imagine: você, candidato nanico, pode negociar com algum candidato de verdade para só fazer perguntas bacanas, levantando a bola para ele em troca de alguns milhões de reais. Não há indício de que algo parecido já tenha acontecido. Mas a possibilidade existe, infelizmente. Bom, nos últimos anos, uma série de medidas foi tomada para organizar essa geleia geral – sem sucesso. Até a fiscalização sobre o dinheiro usado pelos partidos é fraca. Há muitas explicações, mas a mais abrangente tem a ver com idade. A democracia é jovem no Brasil.

Estamos vivendo o maior período consecutivo de eleições livres da nossa história. Boa parte das garantias que os partidos têm foi gestada por pessoas que cresceram em um Brasil arbitrário e autoritário. Elas colocaram seus medos de perseguição em forma de lei. Só pena que a cautela de ontem tenha virado terreno fértil para gente esperta de hoje.

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