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Problemas na rede de distribuição de energia: rebeldias da energia dominada

50 milhões de quilowatts movem e iluminam o país, mas os blecautes e outras panes rondam a vasta rede de distribuição de energia

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h45 - Publicado em 31 dez 1990, 22h00

50 milhões de quilowatts movem e iluminam o país, mas os blecautes e outras panes rondam a vasta rede de distribuição de energia

Quando a primeira central elétrica começou a funcionar, no dia 12 de janeiro de 1882, em Londres, a idéia de transmitir energia pura, de um lugar para outro, empolgava o mundo. Na prática, a sociedade dessa época contentava-se com muito pouco. A festejada usina inglesa, na verdade, era incapaz de transportar sua força além de uns poucos quarteirões, e as residências beneficiadas não chegavam a um milhar. Mesmo quinze anos depois, a importante rede elétrica de Paris atendia modestos 9 250 clientes. Ao mesmo tempo, segundo o historiador Jean-Claude Debeir, a iluminação a gás servia a 350 000 residências. Para dar conta do suprimento de energia, as cidades geralmente possuíam dezenas de geradores espalhados pelos bairros.

Decorridos 100 anos, o entusiasmo dos pioneiros revela-se plenamente justificado, mas os problemas dessa notável tecnologia retornam com novo aspecto. Já não há segredo em deslocar força elétrica ao longo de centenas de quilômetros e colocá-la à disposição de milhões de consumidores. Mas, com o aumento acelerado do consumo, por exemplo, as cargas elétricas que rolam nas imensas redes modernas ameaçam fugir de controle e estimulam a busca de inovações. No Brasil, os riscos de pane crescem ano a ano. Em comparação com 1990, eles serão duas vezes maiores em 1991, cinco vezes maiores em 1992 e dez vezes maiores em 1993.Um formidável exemplo de descontrole foi o blecaute de 1985, o maior da história do país, ocasionado por uma sobrecarga de energia em São Roque, interior de São Paulo. Em conseqüência disso, durante três horas, nove Estados do Sul e do Sudeste do país pararam, em trevas. O motivo é que o excesso de força provocou uma resposta protetora que se estendeu por diversos circuitos. As hidrelétricas são interligadas em escala nacional, de tal modo que eventuais carências energéticas, numa região, podem ser rapidamente compensadas por outro sistema gerador. Trata-se de um vasto labirinto cujas dimensões podem ser avaliadas pelo Estado de São Paulo, onde a energia flui constante em uma teia de fios com 500 000 quilômetros de extensão — superior à distância da Terra à Lua, 380 000 quilômetros. Isso assegura um suprimento de energia mais estável; em compensação, distribui os problemas.

Mas mesmo uma entidade escorregadia e violenta como a energia pode ser domada e conduzida com segurança pelos corredores desse sistema. A tecnologia básica não difere da que era usada no início do século, e a principal distinção fica por conta do gigantismo moderno. A transmissão em longas distâncias, por exemplo, já havia sido dominada no inicio dos anos 30, com o uso dos transformadores. Com eles, é possível disparar as cargas em alta tensão e assim evitar as perdas de força no caminho. Para entender por quê, basta imaginar a tensão como um terreno em desnível onde as cargas rolam. Assim, quanto maior é a inclinação, maior é a velocidade de queda e menor é a chance de desvios no caminho.

Essa imagem, por si só, indica que as tensões elevadas são perigosas, pois podem traduzir-se em fortes correntes elétricas, mesmo quando a quantidade de energia é relativamente pequena. Por isso, são usadas apenas nas regiões remotas entre as cidades, em que os cabos podem correr suspensos em altas torres, fora do alcance das pessoas e dos animais. Na entrada das cidades, um transformador rebaixa a tensão impressa à carga. Isso significa tirá-la de um patamar que varia de 390 000 a 750 000 volts, para o nível de 13 000 volts, utilizados nos fios de rua. Depois de novo rebaixamento, a energia é entregue às residências a 110 ou 220 volts.

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Embora útil, esse tipo de comparação não deve transmitir a falsa idéia de que a energia é algum tipo de substância ou fluido impalpável. A realidade é ao mesmo tempo mais surpreendente e mais simples que isso, pois energia quer dizer apenas trabalho — é o esforço necessário para carregar um peso, acionar um motor ou acender um fósforo. Quando uma pessoa liga o interruptor de uma lâmpada comum, por exemplo, está abrindo uma torneira de força capaz de, a cada segundo, erguer uma pedra de 6 quilos (60 newtons) a 1 metro de altura. Isso é o que significa dizer que a potência da lâmpada é igual a 60 watts.O que causa confusão, muitas vezes, é a idéia de que o trabalho possa ser empurrado ladeira abaixo. Como se empurra um empurrão? Trata-se, certamente, de um fato extraordinário, mas não há mistério nenhum. Tudo se passa, na realidade, como se as tomadas elétricas fossem os próprios rios cuja força é aproveitada pelas usinas geradoras. A fonte original da energia é o movimento da água nas hidrelétricas. Ele é usado, em primeiro lugar, para fazer rodar grandes ímãs, localizados no pé das represas. A rotação dos ímãs é importante porque, quando estão imóveis, a atração magnética não gera eletricidade. Mas, quando se movem, forçam os elétrons presentes em um fio a se moverem — ou seja, criam uma tensão entre as duas pontas do fio.Essas pontas são as mesmas que se prendem aos terminais das tomadas ou dos interruptores de luz. Dessa maneira, se vê que a transformação de um movimento em outro, continuamente, acaba transportando a força dos rios até as tomadas elétricas. A Usina de Itaipu fornece um exemplo concreto, pois o Rio Paraná despeja, a cada segundo, 100 000 toneladas de água de uma altura de 130 metros. Nesse caso, para descobrir a potência da hidrelétrica, basta multiplicar 130 por 100 000. O resultado é 13 milhões de quilowatts, ou 13 bilhões de watts, a energia que rola constantemente pelo Paraná. Com essa informação, pode-se calcular o número máximo de lâmpadas comuns, de 60 watts, que Itaipu pode acender. Basta dividir 13 bilhões por 60, obtendo-se 216 milhões de lâmpadasIsso dá uma idéia do consumo de eletricidade no país, que monta a 50 milhões de quilowatts, aproximadamente. Um problema grave é que esse gasto não é constante e tende a gerar um pico, diariamente, entre o final da tarde e o começo da noite. Assim, um dos esforços mais urgentes no Brasil de hoje é a tentativa de distribuir melhor oconsumo. Com esse fim, o plano é premiar as indústrias que deixam para ligar lâmpadas e motores nos horários de baixa demanda de energia, como de madrugada, por exemplo. Em contrapartida, existem punições para as empresas que ultrapassam um certo patamar, estabelecido como o máximo permitido nos momentos de sufoco.

Não é fácil controlar o consumo quando existem milhares de lâmpadas e centenas de motores em funcionamento, e muitos deles têm que ser ligados ou desligados, conforme as circunstâncias. Às vezes, o desligamento de uma máquina pode sobrecarregar uma outra, que acaba queimando. Um evento desse tipo, agindo em cadeia, pode tomar proporções de desastre público, razão por que diversas empresas utilizam computadores para domar a energia. Eles podem desviar energia de um local para outro, aliviando as cargas. “Esse controle preciso representa economia certa para a indústria”, diz o engenheiro Edgard Franco, dono de uma firma especializada em equipamento computadorizado, sediada em São Paulo.

Os computadores também têm um papel parecido dentro do sistema nacional de transmissão e distribuição de eletricidade. Eles podem detectar com mais rapidez acidentes como o blecaute de 1985. Nos próximos anos, além disso, devem começar a funcionar diversos aparelhos automáticos destinados a supervisionar pontos críticos das redes. Um deles registra qualquer corte de corrente num circuito urbano e informa as subestações de controle. Nesse caso, não se faz propriamente economia de energia, mas a eficiência do serviço pode melhorar. O esforço vale a pena, especialmente nesse momento crítico, em que a produção de energia é menor do que deveria ser, devido ao atraso na construção de hidrelétricas.Além disso, a carência de energia é maior em regiões como São Paulo , onde a concentração de indústrias esgotou o potencial dos rios. A tal ponto que já se pensa em bater recordes na extensão das linhas para puxar energia da Região Norte. Algumas das linhas em projeto, vindas da Amazônia, têm mais de 4 000 quilômetros de cabos, o que impõe custos mais altos em termos de metais e também por causa das perdas de energia.

De imediato porém, a maior preocupação é, certamente. encontrar meios de reduzir o consumo — meta que deve ser alcançada com a ajuda de todos. É certo que a indústria abocanha a parte do leão, em termos de energia. Embora representem 80% do número de consumidores, as residências gastam apenas 18% da eletricidade total. Já as indústrias são apenas 2% dos consumidores, mas absorvem 50% da energia. A iluminação pública é o terceiro colocado nessa lista, com um gasto de 10%. Mesmo assim, há inúmeras providências que se podem tomar para reduzir os desperdícios domésticos. Apagar as lâmpadas nos cômodos vazios é um dos mais simples, mas nem por isso desimportante, pois a iluminação costuma ter um peso de 20% nas contas de energia.

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A fuga de corrente por causa de fios desencapados é outro fator freqüente de perdas e pode ser detectada com facilidade. Basta desligar todas as lâmpadas e aparelhos e verificar se o marcador de energia continua girando. Em caso positivo, é preciso examinar a fiação para localizar o ponto de fuga. Enfim, deve-se ter bastante cuidado com a geladeira, a campeã de consumo, de acordo com as estatísticas. E o pior é que isso acontece, em grande parte, apenas porque as pessoas deixam as portas abertas por longos minutos enquanto examinam o interior do aparelho. A televisão também causa desperdício devido a um descaso parecido: apesar de não puxar muita energia fica muito tempo ligada, mesmo quando ninguém está olhando.Não é difícil estimar os eventuais desfalques. A potência, que vale, em média, 150 watts e vem impressa na parte de trás do aparelho, significa que ele gasta 150 unidades de energia a cada segundo. Essa unidade, o joule, é muito pequena: é preciso um pacote de 3 600 000 joules para ter um quilowatt hora, ou kWh, o padrão usado pelas companhias de eletricidade. Em compensação, apenas 1 minuto depois de ligado, o aparelho terá consumido 150 vezes 60 segundos, ou 9 000 joules. Em 1 hora, serão 60 vezes 9 000, ou 540 000 joules, que representam 0,15 kWh. Ao fim do dia, se a televisão ficar ligada durante 6 horas, o consumo alcançará 1 kWh (0,15 vezes 6). Assim, no final do mês, apenas por causa da televisão, 30 kWh serão somados à conta de energia — em uma conta mediana, de 500 kWh, isso representa 15% da despesa total. Não parece muito, mas economia se faz assim mesmo, aos poucos. Além disso, deve-se levar em conta, principalmente, o interesse geral. É evidente que todos ganharão se forem evitados inconvenientes cortes de energia.

Para saber mais:

Sol e vento em alta tensão (SUPER número 1, ano 6)

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