Luiz Dal Monte Neto
O americano Sidney Sackson – ou Sid Sackson, como é mais conhecido – costuma dizer que, para ele, basta ler as regras de um jogo para imediatamente imaginá-lo funcionando, isto é, “vê-lo” sendo jogado. Do mesmo modo como um músico é capaz de “ouvir” uma melodia, simplesmente lendo uma partitura, Sid é um inventor de jogos profissional e não há exagero na sua afirmação. Na verdade, qualquer pessoa que tenha muita familiaridade com grande número de mecânicas lúdicas, como é o caso dele, será capaz de fazer uma avaliação bastante aproximada de um jogo, antes mesmo de jogá-lo.
Entende-se por mecânica lúdica a estrutura matemática de um jogo, independente do tema que lhe serve de pretexto e dos seus elementos decorativos. Por exemplo, a Batalha Naval – tradicional jogo praticado com lápis e papel quadriculado – continuará sendo a Batalha Naval, mesmo que se substituam os navios e submarinos por naves espaciais e se troque o nome para Guerra nas Estrelas. Todo ano as indústrias recebem para apreciação centenas de “novas” idéias que nada mais são do que velhas mecânicas lúdicas, já consagradas, vestidas com alguma roupagem atual, quase sempre relacionada a um assunto do momento. Ainda me lembro da inflação infernal de jogos sobre a Guerra das Malvinas, nos idos de 1982 – felizmente, os empresários foram mais lúcidos que a junta militar argentina e não embarcaram nessa.
Mas, voltando ao assunto, o que é que permite a Sackson avaliar um jogo antes de jogá-lo? Fundamentalmente, a analogia com outros jogos já conhecidos. Por meio da identificação de pontos de semelhança entre diversas mecânicas é possível intuir como será o desenvolvimento da partida, prever certo tipo de ocorrências e até estimar razoavelmente o nível de interesse e interação entre os jogadores. Isso não é fácil, pois em grande parte dos jogos a estrutura pode estar dissimulada por uma “roupa” nova. Antes que o leitor se desespere com considerações tão abstratas, vamos considerar um exemplo prático. Há um jogo proposto por Martin Gardner, chamado Quinze-Vainc (Quinze-Vence), ou simplesmente “15”, que se joga com moedas sobre um tabuleiro.
Cada jogador joga com cinco moedas, um usando as caras e o outro, as coroas. Eles se alternam colocando uma moeda por vez numa das nove casas do tabuleiro, desde que ela esteja vaga. Vence aquele que conseguir primeiro ocupar três casas que somem exatamente quinze. O vencedor ganha as moedas do adversário e, elegantemente, paga o próximo chope (dependendo da nacionalidade das moedas, convém deixar o perdedor pagar).
Jogue algumas vezes o “15”, depois responda sinceramente: você poderia imaginar que esteve jogando nada mais, nada menos, que o Jogo da Velha? Pois é verdade, como o próprio Martin Gardner apontou. Primeiramente, observe que as nove casas do “15” poderiam muito bem ser dispostas num quadrado de 3×3 casas, o que já lhe daria um tabuleiro igual ao do Jogo da Velha.
Mas, e daí? A equivalência entre as duas mecânicas ainda continua obscura; falta um elemento essencial para estabelecer essa ponte. Esse elemento – uma espécie de elo invisível entre os dois jogos – é justamente o quadrado mágico de ordem 3. Como o leitor sabe, num quadrado mágico a soma dos números de qualquer horizontal, vertical ou diagonal dá sempre o mesmo resultado.
No quadrado em questão, esse resultado é quinze e nele estão representadas as oito formas de obter esse total com três números tomados de um a nove.
Agora tudo fica claro. Quando no Quinze-Vainc você estiver tentando ocupar três números que somem quinze, não estará fazendo algo diferente de tentar alinhar três peças sobre o diagrama, exatamente o objetivo do Jogo da Velha. Uma partida de “15” é, portanto, uma partida de Jogo da Velha, jogada sobre um quadrado mágico!
A descoberta desta equivalência pode ajudá-lo a ganhar alguns chopes com o “15”. Basta memorizar e proceder como se estivesse jogando sobre ela. Infelizmente, porém, sabemos que o Jogo da Velha está condenado ao empate, desde que os jogadores joguem bem. Naturalmente, o mesmo ocorre com o “15”, mas talvez seu adversário só descubra isso alguns copos mais tarde.
O leitor encontra, como ilustração, uma mesma partida reproduzida nos dois tabuleiros. No de cima, o vencedor ganhou por ter conseguido alinhar três moedas; no de baixo, por ter somado 15. Esta pequena análise do Quinze-Vainc mostra, embora de modo elementar, como é possível sondar o comportamento de um novo jogo mediante a identificação de analogias com outros já conhecidos.