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Tudo do que você lembra é verdade?

Por Natalia Yudenitsch
Atualizado em 10 abr 2017, 19h23 - Publicado em 30 abr 2005, 22h00

Não. Nem sempre a sua lembrança de um fato é garantia de que ele aconteceu. As experiências que vivemos são processadas por grupos de neurônios em diferentes partes do cérebro. Esses neurônios classificam nossas memórias por critérios visuais, olfativos, tácteis e auditivos. Por exemplo, uma fruta como a tâmara seria fichada por sua cor ocre, seu gosto agridoce, seu formato alongado e casca rígida.

“O registro de onde está cada pedaço que forma a memória fica numa área do cérebro chamada hipocampo. Depois de algum tempo, o cérebro não precisa mais recorrer a ele e a ativação de qualquer uma das partes pode levar à reconstrução da rede toda, ou seja, à lembrança do fato”, explica a neurocientista Suzana Herculano-Houzel. Só que a forma como essa reconstituição é feita pode alterar sua lembrança. Se ao ver uma tâmara pela primeira vez você estava tomando suco de laranja, por exemplo, o córtex pode puxar a lembrança desse sabor e fazer você pensar que tâmaras têm gosto cítrico.

Elementos externos, como a pressão de uma autoridade, também podem confundir a reconstituição. Digamos que alguém viu um crime, mas não enxergou claramente o criminoso. Se essa pessoa estiver amedrontada e o interrogador fizer perguntas como “ele tinha uma tatuagem no braço?”, ela pode “lembrar-se” de algo que não aconteceu. “Diante de uma sugestão forte, podemos criar algo com tamanha riqueza de detalhes que a ativação interna do cérebro confunde essas imagens com fatos reais, criando a memória falsa”, diz Suzana.

Nas décadas de 1980 e 90, quando cientistas ainda não sabiam da existência de memórias falsas, um método conhecido como terapia de recuperação da memória, que consistia em fazer regressões ou hipnoses em supostas vítimas, foi muito utilizado em investigações policiais. Um exemplo dos resultados desastrosos da técnica foi o caso da Escola Base, em São Paulo, quando professores foram acusados de molestar alunos a partir de memórias sugeridas às crianças por pais e terapeutas. Não é à toa que hoje lembranças que surgem em terapias ou interrogatórios só valem no tribunal após uma longa investigação.

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