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Universidades não sabem lidar com assédio sexual, diz relatório

Denuncias de assédio sexual no ambiente universitário são cada vez mais comuns. Mas a maioria das instituições não faz ideia do que fazer

Por Ingrid Luisa
Atualizado em 13 jun 2018, 20h35 - Publicado em 13 jun 2018, 20h31

“Mais um estupro?”. “Pode ser exagero”. “Não vai dar em nada”. Pode ser na USP. Ou em Harvard. Essas frases já foram ouvidas muitas vezes quando se fala de assédio sexual dentro dos muros de uma faculdade. Fato é que em (quase) nenhum lugar do mundo as universidades sabem lidar com o problema. E o relatório recém-divulgado pelas Academias Nacionais de Ciências, Engenharia e Medicina dos EUA, baseado em dois anos de pesquisas, afirma que mudanças radicais precisam acontecer. O mais rápido possível.

Quando falamos de cursos específicos, o panorama ainda é mais grave. As ciências exatas possuem campus universitários hostis para mulheres, segundo o relatório – que pontua, ainda, que a situação é similar na medicina. De acordo com a pesquisa, as fontes de assédio e sexismo são múltiplas: ele pode partir de professores, colegas, e até pacientes, deixando tanto estudantes como profissionais mais vulneráveis. E o resultado final é pessimista: “Não há evidências de que as políticas, procedimentos e abordagens atuais [das universidades] resultaram em uma redução significativa no assédio sexual”, afirma o texto.

O documento, composto de 311 páginas, é um marco político. É o primeiro relatório que une essas três organizações para falar de um assunto sério, de gênero, e que exige uma autocrítica intensa – afinal, as academias tiveram que admitir e estudar dificuldades graves que acontecem dentro de suas próprias instituições.

Uma das grandes polêmicas é como tratar casos em que membros das Academias de Ciências – pessoas que costumam ter razoável prestígio em suas áreas de atuação – são oficialmente condenados por assédio sexual nas universidades em que atuam. Isso já é realidade. As condenações já existem – mas está longe de existir consenso sobre como as Academias devem se posicionar. Expulsar os membros? Puni-los de outra forma? Ambas as alternativas são complexas, além de demoradas.

A publicação do relatório, portanto, é um sinal do compromisso das Academias com o problema – ainda que estejam longe de resolve-lo. É um ponto positivo, porque traz o prestígio dessas instituições para dar respaldo ao debate. “Relatórios das Academias Nacionais carregam um peso substancial”, confirma Carol Bates, reitora associada da Faculdade de Medicina de Harvard (e co-autora do artigo “É hora de tolerância zero para o assédio sexual na medicina acadêmica”).

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O que diz o relatório

De acordo com os dados apresentados pelo documento, a área de pesquisa acadêmica é a ocupação com o segundo índice mais alto de assédio sexual. Só perde para trabalhos em bases militares.

58% dos funcionários (entre mulheres e homens) admitem que já sofreram assédio, diz o relatório. O documento também menciona que cerca de 20% das estudantes de ciências, mais de 25% das estudantes de engenharia e mais de 40% das estudantes de medicina afirmam ter sofrido assédio de professores ou funcionários.

Qual seria a grande limitação na reação das universidades a esses problemas? Segundo o relatório, muitas instituições acabam não se preocupando em criar normas e medidas contra o assédio que sejam específicas ao ambiente universitário. Elas se atém a garantir que nenhuma lei esteja sendo descumprida. E só. Nisso, acabam não intervindo na raiz local do problema.

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Isso está, aos poucos, mudando. “Nós realmente temos que ir além da mentalidade de conformidade legal e pensar sobre as maneiras pelas quais podemos mudar o ambiente”, afirmou em uma entrevista a Dra. Paula A. Johnson, presidente do Wellesley College e co-presidente do comitê que produziu o relatório.

Três tipos de assédio

Três tipos de assédio sexual são identificados na pesquisa: coerção sexual (quando avanços diretos são feitos contra a vontade de alguém, que é pressionado a ceder ou se manter em silêncio), a atenção sexual indesejada (atitudes inapropriadas que criam um ambiente hostil e ameaçador à pessoa que é alvo do assédio) e assédio sexual por gênero (que é quando uma pessoa é tratada ou avaliada de forma distorcida e desigual com base no seu gênero).

Como esses três tipos de assédio se manifestam? Segundo o documento, as formas mais comuns de assédio na academia são comportamentos verbais (comentários e brincadeirinhas) e não verbais hostis, objetificação, exclusão e atribuição de inferioridade para as mulheres.

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As consequências físicas do problema também são mencionadas no relatório: vítimas mencionam sintomas como depressão, distúrbios do sono, estresse cardíaco e até transtorno de estresse pós-traumático. O caso se agrava quando se trata de mulheres negras, lésbicas, bissexuais ou transexuais.

Essas doenças são mencionadas porque tem impacto direto na produtividade de qualquer profissional – e, na academia, a ideia da “ênfase no mérito” e na produtividade é especialmente forte para o progresso da carreira. O problema é que essa percepção de que “mérito” é uma medida totalmente objetiva acaba reforçando injustiças, como diz o documento: “o sistema de meritocracia não leva em conta os declínios na produtividade da mulher [que sofre assédio] como resultado do assédio sexual. Isso pode fazê-la questionar seu próprio valor no campo científico”.

O relatório, porém, não traz só conclusões tristes sobre a situação. Oferece também algumas soluções plausíveis. Um das sugestões importantes é a revisão dos sistemas de orientação acadêmica. O orientador é uma figura chave para o progresso de qualquer carreira científica. Cria-se, naturalmente, uma hierarquia entre o orientador, um pesquisador sênior, e seu orientando, que só está começando. Nesse cenário, essa revisão precisa criar formas de proteger a(o) orientanda(o) caso surja, em meio a essa relação tão vital, uma situação de assédio.

A universidade precisa, ainda, promover confiança e credibilidade suficientes para que a vítima de um assediador de prestígio se sinta segura de que, se levar a denúncia até o fim, ainda terá uma carreira para onde voltar (e onde crescer) depois disso tudo. Só assim para quebrar a espiral do silêncio.

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