6 pessoas que você deve conhecer para entender o mundo dos blogs
O homem que inventou a fórmula, o que a deixou simples feito e-mail, o que ganhou muito dinheiro, o que...
Texto Barbara Axt
Em 11/9/2001, o mundo assistia embasbacado à queda do WTC. Televisões colocavam no ar imagens ao vivo de Nova York e jornais noticiavam em tempo real pelos sites. E então o jornalismo tradicional começou a esbarrar nos seus limites. Era difícil levantar histórias em meio ao caos. Os sites saiam do ar, tantas eram as pessoas tentando acessá-los ao mesmo tempo. “Chegou um momento em que as únicas fontes de informação atualizadas eram blogs em que as pessoas contavam o que estava acontecendo ao lado de casa”, diz Pedro Doria, responsável por um dos primeiros blogs jornalísticos do Brasil. Foi aí que o mundo se deu conta de que estava diante de uma novidade: um veículo capaz de dar voz a qualquer pessoa que tenha acesso à internet.
É uma revolução equivalente à criação da imprensa por Gutemberg, no século 15. Até então, reproduzir um texto exigia dias e dias de trabalho à mão. Os tipos móveis fizeram ser possível imprimir livros em série, com tiragens impensáveis para o antigo sistema artesanal. O que estamos testemunhando é algo da mesma grandeza. Na era pré-sites e blogs, se você quisesse falar para o mundo, tinha duas opções: utilizar meios de comunicação tradicionais (coisa para pouquíssimos privilegiados) ou fazer folhetos e distribuí-los pela rua (atingindo bem pouca gente). Agora, quase que de um dia para o outro, passou a ser possível publicar sua opinião (de graça!). E ainda ser lido por qualquer pessoa no planeta.
Os blogs foram inventados em 1997 (culpa de Dave Winer, como você lerá em seguida) e começaram a se tornar populares de verdade em 1999, com o surgimento do Blogger (veja a história de Evan Williams). Hoje, calcula-se que eles sejam mais de 50 milhões. Na verdade, agora que você acabou de ler essa frase, pode incluir mais uns 10 a esse número – a cada segundo, surgem mais dois blogs no mundo. A blogosfera cresce tanto que a cada 6 meses dobra de tamanho. Nas próximas páginas, você vai conhecer os personagens principais dessa história.
Dave Winer
O que ele fez: Inventou o formato do blog.
Em 1994, mortais comuns nem sonhavam que o pc 486 guardado em um canto da sala poderia conectá-los a qualquer outro computador do planeta. Mas o americano Dave Winer já era uma celebridade do mundo virtual. Além de trabalhar como programador no Vale do Silício, ele escrevia a Davenet, coluna sobre tecnologia publicada no site da revista Wired, bíblia dos nerds da computação. Num esquema meio amizade, meio profissional, Dave também distribuía os textos por e-mail a quem pedisse. O mundo da internet era tão pequeno – e a Davenet tão influente – que, quando Dave criticava a Microsoft, recebia um e-mail com resposta do próprio Bill Gates (você pode ler uma dessas conversas em https://davenet.scripting.com/1994/10/27/replyfrombillgates, mas apenas em inglês).
Winer deixou a Wired em 1997 e passou a disponibilizar sua coluna através de um site pessoal, onde todo o conteúdo era organizado por data: cada novo texto era publicado no topo da página, imediatamente acima do artigo mais recente da lista. Estava criado o blog. A idéia era simples, mas tinha charme e agilidade. Para Dave, ficou fácil publicar as novidades. Para os leitores, era moleza encontrá-las: o mais novo estava sempre em 1º lugar.
Pouco tempo depois, o programador John Barger, outro na lista de blogueiros pioneiros, apelidou o novo formato de weblog, depois encurtado para blog. O nome remete aos daily logs, diários de bordo dos capitães de navios. Logo no começo, a maioria dos blogs era exatamente isso: diários de navegação pela web, que mostravam e comentavam páginas bacanas – lembre-se que estávamos na era a.G., antes de Google, quando localizar informações era dificílimo e dicas desse tipo, valiosíssimas.
Ainda hoje existem sites que mantêm esse formato de diário de navegação. É o caso do Metafilter, um dos blogs mais acessados do mundo, mantido por uma comunidade de blogueiros que posta links com coisas encontradas na internet – vale de notícias sobre terrorismo a vídeos engraçados feitos por anônimos. O blog atrai tanta gente que deu origem ao termo “efeito Metafilter”, fenômeno que acontece quando um site pequeno é citado por outro mais popular. Geralmente, tanta gente segue o link em busca do tal site que ele acaba saindo do ar por excesso de tráfego. Nos tempos de Dave Winer, esses problemas não existiam.
Evan Williams
O que ele fez: Criou a ferramenta que deixou o uso do blog tão simples quanto o do e-mail.
Quer entender o quanto Williams foi importante para o blog? Bem, ele inventou uma ferramenta de publicação chamada Blogger. E foi graças a essa ferramenta que a blogosfera deixou de ser um lugar habitado exclusivamente pela panelinha de Dave Winer e Bill Gates para incluir qualquer garoto com espinhas na cara – e até aqueles que nem mesmo têm idade para espinhas.
Evan e sua sócia, Meg Hourihan, eram donos da Pyra Labs, uma empresa que desenvolvia aplicativos para web, quando criaram o Blogger. Não tinham qualquer pretensão de revolucionar a internet. Apenas queriam que os 3 ou 4 funcionários da companhia pudessem manter um diário aberto de suas atividades. Assim, todos estariam atualizados sobre os projetos dos outros, em vez de conversar sobre essas coisas ao redor da máquina de café. Em agosto de 1999, quando o número de blogs no mundo não passava de 100, a Pyra decidiu disponibilizar o serviço pela internet. Até então, para criar o próprio blog era preciso entender um pouco (ou um muito) de informática, publicação e programação. Com o Blogger, qualquer leigo pôde criar e atualizar seu diário eletrônico com poucos comandos e alguns segundos. Blogar ficou tão fácil quanto enviar um e-mail.
Novos publicadores foram surgindo, caso do Blogspot, e a comunidade blogueira se formou. “A palavra certa para descrever o blog é ‘comunidade’. Não se trata de uma comunicação de mão única. O blogueiro recebe comentários, vaias, responde aos leitores, visita outros blogs”, diz o jornalista Ricardo Noblat, do https://www.noblat.com.br, um dos blogs políticos mais visitados do país – na época do escândalo do Mensalão, ele chegou a ter mais de 1 milhão de acessos por mês e viu seus posts citados nas CPIs em Brasília.
Em 2003 a Pyra Labs foi vendida para o Google. Evan se manteve como diretor do Blogger até 2004, quando decidiu abrir um novo negócio, a Odeo, empresa voltada para podcasts. Podcasts são blogs de áudio. Mas isso é assunto para outro personagem.
Markos Moulitsas Zuniga
O que ele fez: Influenciou os rumos da política americana. A partir de um blog.
Nenhum outro blogueiro alcançou a influência política de Markos Moulitsas – excetuando-se, é claro, os governantes blogueiros, caso do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, que tem o ahmadinejad.ir. Nas eleições americanas de 2004, Kos, como é conhecido, comandou a arrecadação de US$ 1 milhão para campanhas de candidatos democratas. Suas convenções contam com a presença de políticos ilustres. E John Kerry, derrotado por George W. Bush na disputa pela Presidência, é um colaborador habitual do blog. Não à toa, a cada semana o Kos recebe cerca de 3,5 milhões de leitores – pouco menos que a circulação da Time, maior revista americana de notícias.
Tudo isso não seria lá muito impressionante se Moulitsas fosse um macaco velho do jornalismo e dos bastidores de Washington. Mas não. Até lançar o blog, em 2002, ele era um zé-ninguém. Não tinha fama ou contatos e acabara de ser demitido do Latino Web, portal hispânico que foi a pique no naufrágio da internet.
O Daily Kos, blog que levou Moulitsas ao centro do poder, foi lançado para ocupar um espaço que ele julgava vago: um site que reunisse idéias e debates sob o ponto de vista da esquerda. No início, divulgava notícias relevantes ao Partido Democrata. Depois, surgiram informações dos bastidores da política. Com o projeto já explodindo em popularidade, o Daily Kos foi transformado em portal coletivo. Hoje, 99% do conteúdo é feito pelos usuários, que postam 14 mil comentários por dia e abastecem 2 mil miniblogs hospedados no site – em geral, vociferando contra Bush, as corporações, os evangélicos de direita.
Sucesso garantido (ele põe no bolso cerca de US$ 500 mil por ano), Markos diz que vai abandonar o filho pródigo em 2007. Ele promete desligar o Kos e levá-lo ao mundo real. Quer construir espaços com centros culturais, restaurantes e áreas de lazer. Ali, simpatizantes do blog poderão se encontrar e discutir idéias, juntando as famílias, dividindo o prato de alimento livre de transgênicos e tomando café sem agrotóxico.
Jason Calacanis
O que ele fez: Montou um império de mídia feito só de blogs. E ganhou muito dinheiro (muito mesmo) com isso.
Em 2003, Jason Calacanis era mais um milionário falido do Vale do Silício. Fundador da revista Silicon Alley Reporter, que cobria o mundo da tecnologia, ele viu o negócio ruir quando a bolha do mercado pontocom explodiu, levando junto boa parte de seus leitores e anunciantes. Dois anos depois da derrocada, Calacanis insistia na idéia de que, sim, era possível ganhar dinheiro com a internet. E provou que tinha razão.
Com a ajuda do sócio, Brian Alvey, Calacanis montou uma rede de blogs, o Weblogs.Inc. A idéia era reunir sob seu guarda-chuva diversos sites independentes e centralizar a negociação de espaços publicitários. Não era exatamente a invenção da roda: um ano antes, Nick Denton criara uma rede parecida, o Gawker Media. A diferença é que, enquanto Denton reuniu apenas 15 blogs de enorme audiência, Calacanis entendeu que, para a internet, limites são infinitos. Assinou contrato com blogueiros de tecnologia, cinema, viagens, finanças, diabetes. Qualquer que fosse o tema (e o interessado em pagar por um anúncio), Calacanis tinha um especialista escrevendo – ele mesmo mantém um blog, o https://www.calacanis.com, sobre tecnologia. Os blogueiros cuidavam do conteúdo e ficavam com uma parte do retorno financeiro gerado pelo próprio trabalho. Calacanis cuidava do negócio – e faturava em cima de todos os blogs da sua rede.
Em outubro de 2005, Calacanis vendeu o Weblogs.Inc para a AOL por US$ 25 milhões. E conseguiu provar que não só dá para fazer uma bela grana vendendo informação pela internet, como é possível montar um império de comunicações mesmo que seus soldados estejam escrevendo de pijama na sala de casa.
Salam Pax
O que ele fez: Inventou o jornalismo do futuro (mas foi meio sem querer).
Salam Pax é o melhor exemplo do poder que os blogs têm para dar voz a qualquer um. Seu blog ficou famoso por ter driblado as censuras do regime de Saddam Hussein para contar sua versão da Guerra do Iraque. Trabalhando sozinho, e no computador de casa, o blogueiro conseguiu fazer a melhor cobertura da invasão militar, relatando o dia-a-dia dos moradores de Bagdá – algo que, por causa das limitações impostas pela guerra, nenhum outro repórter conseguiu revelar. Tem muito especialista em comunicação dizendo que o jornalismo do futuro é exatamente assim.
Os posts começaram a aparecer em setembro de 2002. Sabendo que poderia ser preso ou morto por expor suas opiniões, o blogueiro adicionou ao seu primeiro nome Salam (“paz”, em árabe) o sobrenome Pax, que também quer dizer paz, mas em latim. A fama veio quando a mídia internacional descobriu o blog que mostrava Bagdá sob o ponto de vista de um cara normal, de 29 anos, que morava na casa dos pais. Ele contava detalhes da vida em família, dos amigos fazendo malas para fugir, dos vizinhos cavando poços artesianos no quintal em busca de água, dele mesmo tentando driblar bloqueios militares.
Após muita ameaça, em 20 de março de 2003, os EUA invadiram o Iraque. Salam postou, praticamente em tempo real, tudo que acontecia a sua volta. Seus textos – ou melhor, reportagens – incluíam retratos de Bagdá num momento em que nenhum jornalista ocidental conseguia circular com liberdade pela cidade. De tão bom que era, muitos duvidavam de que um iraquiano estivesse por trás daquele conteúdo – os fãs das conspirações diziam que os posts eram escritos em alguma sala de propaganda da CIA. Com mais de 20 mil acessos por dia, o blog de Salam se tornou uma espécie de porta-voz do país em guerra. Só saiu do ar em 2004, após o autor ganhar uma coluna no jornal inglês The Guardian. Hoje, Salam Pax continua na ativa, mas com um novo blog. O justzipit.blogspot.com também fala sobre a rotina de Bagdá. A vida por lá, conta ele, continua complicada.
Adam Curry
O que ele fez: Inventou o podcast.
Muitos blogueiros puristas ficarão indignados ao ver Adam Curry assumir sozinho nesta lista o papel de pai do podcast. Não que ele não tenha seus méritos – Curry provavelmente é o maior divulgador e empreendedor dos “blogs de áudio”. Mas despertou a ira dos seus pares ao ser pego com a boca na botija fraudando a Wikipedia. Os servidores da enciclopédia livre mostraram que o ex-vj da MTV havia editado o verbete sobre podcast, aumentando sua importância como pioneiro da nova tecnologia e, principalmente, sumindo com as menções ao trabalho de outras pessoas. Foi um escândalo no mundo virtual, onde Curry já era estrela das mais brilhantes. (A título de informação balanceada, vale informar que o “pai do podcast” disse que tudo, claro, não passou de engano. Ele apenas teria se confundido ao usar a ferramenta de edição da Wikipedia.)
`Mas você comprou a Superinteressante, e não a Caras, então deixemos de lado a fofoca e passemos à tecnologia. Ao lado de Dave Winer, aquele mesmo que inventou o blog, Curry era figurinha fácil nas primeiras transmissões de áudio em formato de podcast – estamos falando dos meses entre o fim de 2000 e o início de 2001. Pouco depois, ele já tinha um dos podcasts mais populares da internet, o Daily Source Code, um programa de rádio que parece um blog: Curry toca as músicas de que gosta, faz piadas que acha engraçadas e palpita sobre o que ele acredita ser o futuro da tecnologia. É apenas um entre milhões de podcasts disponíveis na rede. E não é difícil entender o motivo de a tecnologia ter se espalhado tão rápido. Na prática, podcast é uma espécie de rádio em que o ouvinte escolhe os programas que quer ouvir – e pode escutá-los na hora que achar melhor, no carro ou no aparelho de mp3. É bem possível que você nunca tenha escutado um podcast. Mas não se preocupe. Até há pouco tempo, muita gente nem sequer sabia o que era um blog.
Indicações da redação
Alexandre Soares Silva – soaressilva.wunderblogs.com
O que é: Disparos contra todo tipo de bicho-grilagem.
Quem indica: Leandro Narloch, editor.
Slashfood – https://www.slashfood.com
O que é: O curioso, o estranho e as novidades da gastronomia.
Quem indica: Marcos Nogueira, editor.
Blog do Adriano – super.abril.com.br/ytrends
O que é: Conversas sobre tendências da cultura jovem.
Quem indica: Adriano Silva (o blogueiro em pessoa!), diretor do Núcleo Jovem.
Blog do Sayeg – blogdosayeg.blogspot.com
O que é: Produtos bacanas e o lado inusitado da tecnologia.
Quem indica: Alexandre Versignassi, editor.
Fark – https://www.fark.com
O que é: Blog sempre disposto a ridicularizar o noticiário.
Quem indica: Rafael Kenski, editor.
Music for Robots – https://www.music.for-robots.com
O que é: Tendências de música.
Quem indica: Bruno Oliveira Santos, estagiário de design.
Weblog – pedrodoria.nominimo.com.br
O que é: Discussões sobre os grandes temas da atualidade.
Quem indica: Denis Russo, diretor de redação.
Para saber mais
O Blog de Bagdá – Salam Pax, Companhia das Letras, 2003
https://www.scripting.com – O pioneiro da internet Dave Winer fala sobre tecnologia – confira a seção de arquivos (em inglês), que incluem os comentários de Winer desde 1994.
https://www.noblat.com.br – Blog de política do jornalista Ricardo Noblat
https://www.evhead.com – Blog de Evan Williams, inventor do Blogger