A fantástica ciência dos super-heróis e a história dos quadrinhos
No mundo real, ninguém pode voar como o Super-Homem, ou subir pelas paredes feito o Homem Aranha. Mas qual a graça desses personagens se vivessem conforme conceitos estritamente científicos?
Lúcia Helena de Oliveira e Sidney Gusman
Há um universo em que a ciência faz milagre. Nele, os pesquisadores nunca realizam testes e nem sequer perdem tempo com estatísticas. Mesmo assim, jamais erram. E, embora não apareçam em congressos, muito menos se interessem em lecionar, podem se dar ao luxo de dispensar a corrida atrás de bolsas e patrocínios. Ao que se nota, em seus laboratórios a falta de dinheiro deixa de ser problema. Não se sabe de onde vêm os recursos, mas inventos mirabolantes e fenômenos surpreendentes surgem dia após dia — ou melhor, página depois de página. Tudo é possível nas histórias em quadrinhos. “No mundo dos super-heróis, a ciência está mais próxima da mágica”, analisa o psicólogo paulista João Paulo Branco Martins, que se especializou no assunto. “A falta dos empecilhos comuns a todos os cientistas ajuda a criar o clima fantástico.”
Para os fãs dos gibis, nem pensar em tirar a ficção científica da história. “Sem os cientistas, quebrando todos os galhos, os quadrinhos não teriam graça”, opina o roqueiro Roger Moreira, vocalista da banda Ultrage a Rigor. O artista plástico Guto Lacaz, outro fanático, vai além: “É a ciência, muitas vezes, que determina o ponto alto de uma aventura”. Logo que surgiram, porém, os quadrinhos já fizeram enorme sucesso sem o auxílio de seus famosos cientistas. A primeira história do gênero foi criada em 1895, pelo americano Richard Outcault: era Yellow Kid, e contava as peripécias de um garoto travesso, de traje amarelo. Há quem diga que muitos desenhistas traçavam outras histórias, nessa mesma época. Mas o mérito inegável de Outcault foi introduzir o balão, recheado com as falas dos personagens — imagem , sem dúvida, marca registrada dos quadrinhos.
No início, contudo, as tiras publicadas pelos jornais tinham sempre um caráter humorístico. Daí terem recebido o nome de comics (palavra que significa “cômicos”), como se chamam as histórias em quadrinhos, até hoje, nos países de língua inglesa, não importando qual seja o seu conteúdo. As primeiras aventuras envolvendo ficção científica só apareceram no final da década de 20. E um dos pioneiros foi Tintim, o herói desenhado pelo genial belga Hergé. Na década de 40,Tintim seguiu para esse destino, a bordo de um foguete caseiro, construído pelo Professor Girassol. Algum tempo mais tarde, em 1933, um personagem americano também embarcaria numa viagem espacial: Flash Gordon rumava para o Planeta Mongo, que, de acordo com a imaginação fértil do quadrinista Alexander Raymond, ameaçava invadir a Terra.
Vítima de um acidente aéreo, o jovem desportista Flash Gordon cai de pára-quedas — bem acompanhado pela mocinha da trama, Dale Ardem — justamente em cima do laboratório do Doutor Zarkof, um eminente pesquisador. Este aproveita e despacha o casal para o planeta dos invasores. Mas, claro, foguetes de fundo de quintal como os de Tintim e Flash Gordon são inviáveis no mundo real. “A começar pela incrível velocidade necessária para escapar da Terra, algo em torno de 40 000 quilômetros por hora”, esclarece o professor Manfredo Tabacnicks, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo. “Uma nave tão veloz demanda altíssima tecnologia.” Mesmo imaginando que esse primeiro problema fosse resolvido, haveria ainda uma complicada questão de pontaria: “Os dois corpos estão em movimento”, explica o cientista. “Por exemplo, a Terra e a Lua. Fora a movimentação da própria nave. Por isso, um foguete espacial deve estar sempre corrigindo o seu percurso, graças a uma série de cálculos, realizados por computadores. Caso contrário, não chegará a lugar algum.”
Quem o físico Tabacnicks não perdoa, no entanto, é o Super- Homem, o herói mais popular de todos os tempos, lançado em junho de 1938 pela dupla americana de universitários, Joe Shuster, autor dos desenhos, e Jerome Siegel, que escrevia as aventuras. O personagem não é um cientista, mas seus superpoderes estão diretamente relacionados à pseudociência típica dos quadrinhos. “A chamada visão de raios X do Super-Homem é uma aberração. Ele não poderia enxergar através das coisas”, diz o professor da USP, que faz comparações com aparelhos hospitalares, feito os tomógrafos, usados para registrar imagens do interior do corpo humano. “Esses equipamentos emitem feixes de ondas, que atravessam o organismo e se refletem num sensor, geralmente uma chapa fotográfica, sempre colocado no lado oposto. Em suma, não é possível que algo — no caso, um olho — consiga emitir o feixe, para captar a imagem, no mesmo lado.” Além disso, na realidade o Super-Homem não poderia voar: “Nada voa sem ter propulsão, sustentação e sem consumir uma monstruosa quantidade de energia”, afirma Tabacnicks.
No princípio, é verdade, o primeiro dos super-heróis não voava, só dava os seus pulinhos, sobre prédios de quinze andares. Contudo, apesar de saltar destemido e correr feito um trem, uma granada seria capaz de feri-lo. Então, estimulados pelos promissores resultados de seu lançamento editorial, os autores resolveram dar mais asas à imaginação e o Super-Homem virou o que é. Ele voa mais rápido do que a luz, viaja entre planetas e resiste até à bomba atômica. Só mesmo a proximidade com a kryptonita, um minério de seu planeta natal, consegue extrair-lhe as forças. Essa invencibilidade faz sentido, quando os quadrinhos são observados no contexto histórico. A quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, gerou uma crise ecônomica sem precedentes, no mundo inteiro. Muitas pessoas tiveram de sacrificar as atividades de lazer. Talvez isso explique o sucesso do gênero aventura, que proliferou nos anos 30. Afinal, a leitura dos gibis proporcionava uma volta a outros tempos, como os medievais do Príncipe Valente, um turismo às selvas de Tarzã e a outros planetas, na companhia de Flash Gordon — três heróis de sucesso, na época.
Aparece, também nesse período, a fantasia de Mickey Mouse, o primeiro personagem de Walt Disney, que saiu das telas de desenho animado para as páginas dos quadrinhos. Na Europa, por sua vez, a popularidade crescente de Tintim estimulou o surgimento da Escola de Bruxelas, na Bélgica, o centro de criação onde nasceria ninguém menos do que Asterix, o mais notório dos heróis gauleses. No final da década, porém, as aventuras já não eram suficientes para levantar o ânimo de seu público, alarmado com a possibilidade de explodir a Segunda Guerra, como de fato aconteceria, em 1939. Não foi à toa que o Super-Homem tornou-se um verdadeiro estouro de vendagem, um ano antes. Somente alguém com poderes sobre-humanos poderia vencer o gigante do nazismo. Na sua esteira, vem a legião dos super-heróis, ba-seados na ficção científica.
“No início, a ciência também é tratada como algo temível”, observa o jornalista Marco Moretti, que cuida das revistas de super-heróis na Editora Abril Jovem. “O arquiinimigo do Super-Homem é Lex Luthor, um cientista rico e inescrupuloso”, exemplifica. A situação é levada a extremos com o Doutor Silvana — este, personagem de outra história americana, a do Capitão Marvel, criada em 1940, com roteiro de Bill Parker e traços de Charles Clarence Beck. Shazam! Quando o jovem Billy Batson pronunciava essa palavra, para se transformar no Capitão Marvel, era para impedir mais um plano do cientista louco. Da lustrosa careca do Doutor Silvana nasciam projetos tão absurdos como patentear o alfabeto, impedindo as pessoas de se comunicarem. Tudo era válido para o cientista, a fim de dominar o mundo. E por trás dessa idéia de domínio estariam os temores provocados pela guerra na Europa.
Nesse sentido, em março de 1941, a ciência passa para o lado dos mocinhos, graças a um argumento de Joe Simon e aos desenhos de Jack Kirby. “Com a figura do Capitão América, essa dupla de criadores aproveitou a maré da euforia antinazista e do próprio medo dos jovens americanos, que tinham de ir para os campos de batalha”, diz o jornalista Marco Moretti. Na história, o conhecido pesquisador Professor Reinstein convida um adolescente franzino, o praça Steve Rogers, para ser sua cobaia em uma experiência. Assim, aplica no rapaz um soro, que desenvolve a sua musculatura, a sua coragem e — tchan! — o seu patriotismo. “O Capitão América agiu como o velocista canadense Ben Johnson, que usou anabolizantes para ficar mais forte”, compara o químico Sérgio Massaro, professor na Universidade de São Paulo. “No entanto, sabemos que essas drogas provocam o crescimento muscular gradualmente. Nunca em dose única, de uma hora para outra, como nas origens desse super-herói.”
Só nos anos 50, contudo, surgiria aquele que, talvez, seja o maior símbolo da ciência nos quadrinhos: em 1952, os Estúdios Disney apresentam o Professor Pardal, que pregou na porta do seu laboratório a placa “Inventa-se qualquer coisa”, de cara, em sua primeiríssima história. E nunca mais tirou a tal placa de lá. “Sua invenção mais brilhante foi o Lampadinha, seu fiel ajudante, que vive correndo para consertar os estragos do mestre”, opina Júlio de Andrade Filho, que há vinte anos está envolvido com as revistas em quadrinhos da Editora Abril Jovem. Hoje, diretor da divisão de livros, ele conta que foi a sua equipe o cupido do famoso pardal cientista. Explica-se: depois de permanecer por mais de três décadas como um celibatário incorrigível, em 1989 o Professor Pardal se rendeu a uma namorada, Emengarda, criação de quadrinistas brasileiros.
Entre as birutices de Pardal, estão patenteados um oralicóptero que voa movido a quacs do Pato Donald e um tradutor de vozes de animais. Na ciência real também há muitos inventores malucos, alguns que até plagiam o cientista da Disney. Em maio deste ano, por exemplo, um engenheiro inglês desempregado, Louis Allen Richardson, saiu nos jornais de seu país ao lado de sua invenção, a bicicleta voadora, que — justiça se faça — já havia sido projetada pelo Professor Pardal, nos anos 70. Nem sempre a ciência dos quadrinhos está errada: é só lembrar que nas histórias de Flash Gordon, ainda na década de 30, já apareciam aparelhos de TV. Os pesquisadores da NASA, a agência espacial americana, também admitem terem buscado inspiração nas aventuras desse herói, na hora de desenhar as suas pistolas de ar comprimido. Outro exemplo de como, às vezes, os heróis dos quadrinhos se antecipam em relação à ciência são as histórias do Quarteto Fantástico, criado em 1961, com textos de Stan Lee e desenhos de Jack Kirby. Em suas aventuras, o grupo de super-heróis usava computadores para simular o resultado de expe-riências — o que se faz, hoje em dia.
No mais, porém, aquele quarteto não deixava de ser fantástico, como revela o seu nome. Basta ver que seu líder, Reed Richards, foi atingido por raios cósmicos. A partir daí, se transformou num super-herói, porque tanto o seu corpo como o seu intelecto adquiriram uma tremenda elasticidade. Outro personagem famoso, nascido nos anos 60, foi o Homem de Ferro — roteiro de Stan Lee e traços de Don Heck, ambos americanos. O herói, nas horas vagas, seria o jovem empresário Tony Stark, que fabricou uma superarmadura de metal maleável, com visor infravermelho, computador interno, mira laser e outras parafernálias. Graças a ela, o Homem de Ferro enfrentava qualquer bandido, ficando a salvo dos tiros — o que é negado pelo químico Sérgio Massaro, da USP. “Metal maleável não consegue ser à prova de balas”, diz ele. “A armadura acabaria se rasgando.”
No mesmo ano em que surgiu o Homem de Ferro — 1963 —, também era lançada a revista do Homem Aranha, inventado pelos americanos Stan Lee e Steve Ditko. Diz a história que o estudante Peter Parker assistia a uma aula de ciências, quando acabou picado por uma aranha radioativa. A mordida transmitiu para o rapaz a capacidade dos aracnídeos de subirem pelas paredes. “Claro que transferir os poderes de uma aranha para um ser humano é impossível”, diz o imunologista Mário Mariano, da Universidade de São Paulo. “Mas é interessante notar que, desde tempos remotos, o homem deseja se associar a animais. Nos mitos antigos, há a figura do minotauro, meio humano e meio fera.”
Dos anos 60 para cá, o Homem Aranha mudou de vida. Primeiro, ele terminou os estudos. Depois, saiu da casa da tia viúva, para ir morar sozinho. Enfim, arrumou uma namorada e casou. Hoje, ele vive preocupado com as contas que tem de pagar. Na verdade, as histórias em quadrinhos obedecem a uma cronologia, em que os super-heróis também envelhecem, embora em ritmo lento. Às vezes, os autores optam por soluções radicais, a fim de chamar a atenção do público. No ano passado, por exemplo, o Super-Homem morreu nos Estados Unidos — e também irá morrer no final deste ano, nos gibis brasileiros. Mortes não são novidade: o maior sucesso dos anos 80 é um grupo de personagens chamados X-Men. É a Genética que explica o super-heroísmo: trata-se de jovens que nasceram com genes alterados e, por isso, possuem os mais diversos poderes especiais. Só que, a cada ano, as aventuras mostram a morte de alguns X-Men, assim como o aparecimento de outros.
Para os fãs, admite-se, a morte do Super-Homem pode ser mais chocante. Mas eles devem ficar tranqüilos: já se sabe que, daqui a um ano, o super-herói vai ressuscitar, de um jeito misterioso, que os autores guardam a sete chaves. Haverá, é certo, alguma explicação científica, na melhor maneira dos quadrinhos, para o seu renascimento. Pior será para o Batman, que sofrerá um acidente, nessa mesma época, e ficará inválido. Conseguirá a ciência salvar o super-herói? Afinal, perguntas desse tipo, no término de cada história, são um dos velhos truques do gênero.
Para saber mais:
Forças da natureza
(SUPER número 10, ano 2)
A estratégia das aranhas (SUPER número 12, ano 2)
Pode-se confiar nos cientistas? (SUPER número 5, ano 4)
Asas à imaginação
(SUPER número 7, ano 4)
A ciência aos poucos ganha importância
(SUPER número 10, ano 4)
Um dos cientistas mais famosos nos quadrinhos, o Professor Pardal já inventou todo tipo de maluquice. Entre os seus maiores orgulhos está uma máquina, extremamente complexa, cheia de engrenagens, especializada em não-fazer-nada.
Logo que surgiu, em 1938, o Super-Homem dava saltos enormes, mas não conseguia voar. Esse poder ele adquiriu depois que os autores, entusiasmados com o sucesso de seu lançamento, resolveram tornar o herói ainda mais super — mesmo que sem o respaldo da Física.
Doutor Silvana, cientista inimigo do Capitão Marvel, queria dominar o mundo. Seus projetos visavam impedir a comunicação entre os povos.
O Capitão América recebeu uma injeção de substâncias que os cientistas suspeitam serem anabolizantes: afinal, o adolescente franzino ficou musculoso
Depois de ser picado por um aracnídeo, ninguém subirá pelas paredes feito o Homem Aranha. Só se for de dor ou de raiva.
Nos anos 60, Reed Richards, do Quarteto Fantástico, já usava computadores para simular situações.
Conselho para o Homem de Ferro: ele deveria evitar tiroteios. Por ser de metal maleável , sua armadura pode se rasgar com as balas.
A história de um quadrinho
Uma boa história em quadrinhos começa a ser criada quatro meses antes de chegar ao leitor. Não que os quadrinistas trabalhem na maior moleza: “É uma loucura, tudo precisa ser refeito mil vezes, até ficar da forma ideal”, conta Júlio de Andrade Filho, diretor de grupo da Editora Abril Jovem, uma das maiores produtoras de quadrinhos do mundo. De sua gráfica saem, anualmente, mais de 760 edições de revistinhas — ou seja, uma média de duas por dia —, divididas em cerca de cinqüenta títulos. Algumas das histórias são totalmente desenvolvidas no Brasil. “A cada ano, criamos em torno de 3 000 páginas de quadrinhos”, calcula Andrade.
Os brasileiros, aliás, são os segundos maiores consumidores de histórias com os personagens Disney, perdendo apenas para os dinamarqueses. “Foi o sucesso desses quadrinhos, lançados no país na década de 50, que financiaram o crescimento da Abril”, lembra Ike Zarmati, diretor-superintendente da empresa. “E eles são importantes até hoje. Afinal, nossos leitores iniciam com essas histórias na infância e, depois, consolidado o hábito de ler, continuam consumindo revistas de adultos, ao longo da vida.” O tempo que um quadrinho leva para ficar pronto é dividido em seis etapas. Todas, importantíssimas para um final feliz:
1. O argumento
Os argumentistas se responsabilizam pelo roteiro. Eles dividem folhas em branco com um traço vertical. Então, do lado direito, escrevem as falas dos personagens; do lado esquerdo, descrevem o desenho que imaginam para aquele quadrinho. Alguns argumentistas, porém, como a jovem Denise Nogueira, de 19 anos, preferem já rascunhar as figuras: “Adoro traçar as cenas com o Tio Patinhas”, confessa.
2. O desenho
Com o argumento nas mãos, o desenhista cria a imagem. “Posso soltar a imaginação, desde que obedeça ao que chamamos de folha modelo”, explica Aparecido Fernandes Norberto, que está há dezessete anos nessa profissão. “Trata-se de um guia para traçar cada personagem. Ali, eu encontro dados de referência, como a sua estatura.” Existem, ainda, indicações de desenhos que não são recomendados: evita-se retratar o Mickey de costas, por exemplo, que é o seu pior ângulo. “Só daria para enxergar três bolas pretas, da cabeça e das orelhas”, justifica o desenhista.
3. Os balões
Desenho pronto — é a hora do letrista Mauro Lucchini Pereira entrar em ação. “Aproveito os espaços deixados pelo desenhista para incluir os balões”, diz ele. “Tento fazê-los de tal maneira, que evite hifenar as palavras, facilitando a leitura.” E não é só isso: Pereira é o responsável pelos crashes e pimbas — as clássicas onomatopéias — que dão sons à ação dos quadrinhos. “Uso uma letra tremida para um ruído de água, como splash; ou um monte de estrelinhas, para o soc, de um soco” exemplifica. “Enfim, tenho meus truques para fazer o maior barulho.”
4. O acabamento
O arte-finalista Acácio Ramos dá o último toque aos desenhos, incluindo os balões: ele reforça os contornos com traços de tinta nanquim, ora mais finos, ora mais grossos. “Muitas vezes, é uma pequena diferença de espessura que dá a noção de profundidade”, explica. Talvez esse seja o momento mais delicado, na criação de um quadrinho. “Eu nem atendo o telefone com a mão direita, que uso para desenhar. Qualquer esforço prévio pode fazê-la tremer na hora do trabalho”, diz ele. “No fim de semana, por exemplo, quando lavo o meu carro, tenho de ficar treinando a mão cerca de meia hora, para ela voltar a ficar firme.”
5. A cor certa
Até aqui, desenhos e balões estão em preto-e-branco. Daí, munido de canetas e tintas, Danilo dos Santos vai tornando o quadrinho colorido. “Às vezes, não tenho opção. É o caso das roupas dos personagens, que apresentam sempre as mesmas cores”, conta o colorista, como é chamado no jargão da área. “Mas, no resto, eu preciso fazer escolhas. Vou pintando as páginas, preocupado em selecionar cores que as deixem harmoniosas e, ao mesmo tempo, cheias de tonalidades, para despertar a atenção do leitor.”
6. Colorização
Até o mês passado, boa parte das histórias era pintada à mão, antes de as páginas serem fotografadas para a impressão da revista. Agora, com a chegada de equipamentos, todos os quadrinhos são coloridos por computador, seguindo as instruções do colorista. “Não existe um programa específico para pintar quadrinhos”, revela Edvânia da Silva, que há dois anos realiza esse trabalho. “Isso cria pequenas dificuldades. Se existe um furinho qualquer no contorno do bico do Pato Donald, por exemplo, a cor laranja acaba vazando para fora.” Quando isso acontece, Edvânia apaga tudo, usa um outro programa para tapar a brecha milimétrica com um traço igualmente laranja e, só então, recomeça o serviço. “Mesmo assim, os computadores tornam tudo mais rápido”, admite.
O diabo azul
Ele costuma ser assustador, capaz mesmo de matar as pessoas de medo. Sim, trata-se de um personagem de quadrinho, mas de uma história muito especial. Foi publicada em 1982 como tese de doutoramento do imunologista Momtchilo Russo, da Universidade de São Paulo. Considerado genial entre seus pares, o pesquisador conta que seu trabalho era sobre endotoxinas, moléculas presentes nas chamadas bactérias gram-negativas. “Essas substâncias desencadeiam uma tremenda inflamação no organismo infectado”, diz ele. “São dificílimas de ser estudadas. Até por ser muito raro encontrá-las purificadas, já que costumam se misturar com outros componentes das bactérias.” Tamanha dificuldade levou uma cientista americana, em meados dos anos 70, a apelidá-las de diabos azuis. Pronto, a imaginação de Russo começou a funcionar.
Segundo o imunologista, há camundongos que parecem indiferentes à endotoxina — “é possível injetar a substância na sua corrente sangüínea, que nada acontece”, afirma. As células desses animais não tinham receptores para as moléculas nocivas. “A imagem do diabo azul, então, servia perfeitamente”, diz Russo. “A endotoxina seria como um fantasma: quem o via, morria de medo; quem o ignorava, conseguia viver tranqüilo.” Com essa idéia, ele convidou dois artistas amigos, Marilene Pini e Gofredo da Silva Telles, para realizarem o roteiro e os desenhos. O pesquisador admite que a tese ficou bastante original, mas não a considera uma ousadia: “Ela é seriíssima, pois os dados científicos estão todos lá, bem explicados. Apenas, a história em quadrinhos era o jeito mais simples de transmitir conceitos complicados”, afirma.