A guerra sobre a qual você nunca ouviu falar
O Iêmen está à beira de uma guerra civil e nós mal sabemos onde fica o país, mesmo depois de meses de bombardeios. A SUPER explica o que está acontecendo por lá.
1) Quão ruim está a situação por lá?
Muito. O acesso à água potável é quase impossível. Os hospitais não funcionam por falta de energia elétrica, de leitos, de remédios. Metade da população, cerca de 13 milhões de pessoas, não tem acesso à água potável. Mais de 9 milhões de crianças precisam de ajuda emergencial, segundo a Unicef, e cerca de 400 morreram durante o conflito. Quando a ONU propõe uma trégua, ela não é respeitada. Construções consideradas patrimônio mundial, com 2500 anos de idade, foram destruídas. Desde o começo do conflito no Iêmen, os serviços básicos para a população só diminuem, o que piora ainda mais com os ataques feitos por uma coalizão de países (como Catar, Bahrein e Emirados Árabes Unidos, liderados pela Arábia Saudita).
2) De onde vem essa briga?
É difícil dizer como tudo começou. O Iêmen passou 33 anos sob a ditadura de Ali Abdullah Saleh, que abandonou o poder depois da pressão popular durante a Primavera Árabe. E, no lugar, quem assumiu foi seu vice, Abd Rabbuh Mansur Al-Hadi. Mesmo assim, Saleh continuou a viver no país e a ser um político bastante influente por lá.
O filme “Karama não tem muros” (2013), indicado ao Oscar, mostra um dos ataques do governo de Saleh aos rebeldes, antes de ser deposto.
Durante os mais de 30 anos de ditadura, um dos grupos mais ignorados pelas autoridades foi o dos houthis, que seguem o xiismo (ao contrário da maioria no Iêmen, que é sunita) e se rebelaram contra o governo já em 2004, quando a onda de tensão cresceu. O grupo xiita protestava contra as condições em que viviam, a corrupção no governo, e contra a posição do Iêmen como aliado dos Estados Unidos.
Assim, em janeiro deste ano, quando o governo de Hadi resolveu esboçar uma nova Constituição e a divisão do território em seis regiões, os houthis se revoltaram. Isso porque Saada, que fica no norte do país, local dominado historicamente pelo grupo, ficaria ligada de vez a Sanaa, a capital iemenita.
Quando os houthis começaram a ganhar força e dominar as cidades de todo o país no começo do ano, ganharam também o apoio de outras tropas (como as que costumavam ser aliadas de Saleh), e o conflito estourou de vez. Hadi chegou a renunciar e abandonar a capital, tamanho o avanço dos rebeldes, que também dominaram locais portuários importantes, como Hudeida.
3) Quem está brigando?
Já deu pra entender que o governo iemenita e os houthis são elementos importantes da história — mas são só a metade. Por baixo dos panos, os aliados de Saleh (aquele governante que ficou no poder por 33 anos) começaram a apoiar os rebeldes e atrapalharam ainda mais o cenário. E isso irritou um dos principais parceiros do Iêmen, a Arábia Saudita.
A relação de longa data com os sauditas já se estendia há tempos, uma vez que o Iêmen tem um território importante para o comércio de petróleo e faz fronteira com o país. Parecia a receita perfeita: a Arábia Saudita tinha um aliado pertinho do chifre da África, com acesso a uma rota pelo mar em que escoasse o petróleo, e ainda mantinha as fronteiras livres de complicações com um país de maioria sunita.
Outro parceiro, os Estados Unidos, também entrou na jogada quando percebeu que um novo grupo poderia tomar o poder. Por muito tempo, manter o Iêmen como amigo garantiu a presença dos americanos na região, nas investidas contra a Al Qaeda. O trato era o seguinte: os americanos cediam armas, e os governantes iemenitas davam espaço para a ação deles no Oriente Médio, inclusive ataques de drones.
Com a pressão subindo, os países descontentes com a atual situação do Iêmen (entre eles, os sauditas) se agruparam para atacar o lugar, como tem sido feito há meses. Enquanto isso, os boatos sobre o apoio do Irã (que tem maioria xiita) aos houthis cresceram, sugerindo que o governo iraniano encaminhava armas para os rebeldes.