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A história do Hip Hop: Yo!

Tá tudo dominado. O hip hop, que acaba de completar30 anos, extrapola o estigma de cultura de gueto e tomade assalto a moda, a mídia e a indústria fonográfica

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h47 - Publicado em 31 dez 2004, 22h00

Israel do Vale

O hip hop não cabe em si. Das trilhas de novela ao top ten das rádios, das paradas de videoclipe às campainhas de celular, das principais premiações musicais a anúncios de marcas de cerveja ou de tênis, ele extrapola, dia após dia, a imagem desgastada de cultura de gueto e se torna figurinha fácil, onipresente, sutil ou abertamente.

Astros como Eminem cobram cachês na casa do milhão de dólares por um show. De acordo com a revista Rolling Stone, em 2003, ano em que não teve disco lançado, ele embolsou cerca de 20 milhões de dólares com turnês, discos anteriores, merchandising, entre outros meios – quantia que chega a quase um quarto dos 84,1 milhões de dólares faturados pelos Rolling Stones no mesmo ano.

Um dos mais vistosos fenômenos do rap feito por branquelos, Eminem enfileira controvérsias em sua carreira, com peripécias que incluem um processo aberto pela própria mãe contra ele e brigas públicas com gente como Michael Jackson. Velho truque da indústria pop, a pose de menino mau ajudou seu disco mais recente, Encore (lançado em 2004), a superar, em dois dias, o que Britney Spears havia vendido em uma semana, na Inglaterra. Placar: 122 459 cópias para o bad boy e 115 341 para Britney.

Eminem é um sintoma da escalada do rap no mundo do consumo, como ilustra a guerra dos tênis. Gigantes como Nike, Adidas e Reebok travam batalhas inclementes usando popstars do rap no pelotão de frente das campanhas publicitárias. Há dois anos, por exemplo, a Reebok ganhou fôlego com a contratação de Jay-Z. Pela primeira vez a campanha de uma coleção de tênis teve um rapper como protagonista. Conjugada a uma investida no mercado asiático, a ação ajudou a catapultar o faturamento da empresa para 3,5 bilhões de dólares em 2003, 11% a mais que em 2002. E consolidou o espaço dos rappers com uma parceria com o fenômeno 50 Cent – que contabiliza 12 milhões de cópias de seu primeiro disco – para a linha de footwear G-Unit Collection by Rbk.

Ninguém tem dialogado nesse universo como Jay-Z. No Natal de 2003, o rapper ganhou uma edição especial do modelo 3300 do celular Nokia. Batizado de Black Phone, o aparelho chegou às lojas com faixas de seu Black Album, além de papéis-de-parede para o visor do telefone com sua imagem e mensagens com sua assinatura.

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A publicidade é a ponta reluzente desse iceberg chamado hip hop. A expansão dos diferentes elementos que compõem a cultura de rua pela moda e o comportamento grita aos olhos num momento em que o rap é, nos Estados Unidos, a bola da vez da indústria da música – uma das armas de marketing mais eficientes de todos os tempos. De acordo com estimativa da Riaa, a associação da indústria fonográfica americana, o rap perde apenas para o rock (que fatura 3 bilhões de dólares) e faz circular cerca de 1,5 bilhão de dólares por ano nos Estados Unidos – e isso apenas com a venda de discos.

A disseminação da cultura de rua vai muito além disso (veja os quadros ao longo da reportagem). O estilo largado das roupas, o jeito alargado de andar e gesticular, a cadência canto-falada das músicas, o tom reivindicativo das letras, o apelo social consciente, isso tudo transborda de um canto a outro, contamina aqui (na dança, nas artes visuais, no audiovisual) e influencia acolá (no trabalho das ONGs, no modelo pedagógico das escolas), até mesmo em círculos que sequer sabem o que diferencia hip hop de rap.

Conhecimento

E o que distingue um do outro, afinal? Bem, o rap (junção das iniciais de rhythm and poetry, ou música e poesia) é a faceta musical do hip hop. E só. Parece óbvio, mas muita gente que ouve rap diz por aí que adora dançar hip hop. E não tem como. O rap é apenas um dedo entre os cinco da mão que balança o berço do hip hop. É verdade que quando o berço foi construído falava-se em quatro dedos – ou, na linguagem do movimento, quatro elementos: DJ (responsável pelas bases da música) + MC (quem rima), o dedo musical, break, o dedo corporal, e grafite, o dedo visual.

Mas eis que, nos anos 80, o homem que deu sentido ao termo hip hop achou por bem ampliar o cardápio, enxertando um item novo que unifica todos os demais: o conhecimento. Esse homem é Afrika Bambaataa, um dos nomes fundamentais no nascimento e, principalmente, na conceituação do hip hop. Ele, porém, não passaria no teste de paternidade do termo. Criada por Lovebug Starski, a expressão hip hop (ao pé da letra, balançar os quadris) surgiu a reboque do jogo de palavras típico do rap. Era, à época, uma espécie de lema gritado ao microfone para inflamar a pista durante as festas.

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Parece que foi ontem, mas o fenômeno acaba de completar 30 anos de idade, comemorados em Nova York, o grande pátio de escola em que os conceitos e a prática do movimento foram exercitados. O marco simbólico, 12 de novembro de 1974, é a data do primeiro aniversário de fundação da Universal Zulu Nation, a organização criada por Bambaataa para disseminar o receituário mundo afora. Desde que ele e seu colega Grandmaster Flash popularizaram o modelo de festa de rua que o jamaicano Kool Herc levou aos subúrbios nova-iorquinos em fins dos anos 60 e resolveram usá-lo para mediar os conflitos de gangues no bairro do Bronx (propondo que as disputas fossem resolvidas em combates de dança), nem as rixas nos guetos nem a música foram os mesmos. Com o passar do tempo, alguns artistas saídos de gangues enveredaram pelo chamado gangsta, o estilo barra-pesada que começava em tiroteio verbal e muitas vezes ia para as vias de fato. E pelo menos dois nomes importantes morreram em decorrência disso na década de 1990: Notorius B.I.G e Tupac Shakur.

O tom dominante no rap nacional, no entanto, é o avesso do gangsta ou de sua face mais comercial, o “rap luxúria” que se vê em boa parte dos clipes americanos. Em vez da ostentação (carrões, correntes de ouro, mulheres mil), o foco é o da reivindicação de direitos e da denúncia social. “É um discurso político da maior importância”, diz o produtor André Midani, ex-diretor da gravadora Philips e nome fundamental da indústria musical no país.

Talvez o melhor termômetro do alastramento do hip hop pelo Brasil seja a televisão. Artistas como o rapper carioca MV Bill, crítico ferrenho do abismo social, ou a dupla Helião e Negra Li, militantes do rap paulista engajado, ganharam visibilidade em programas como o Faustão. “Um dos mais importantes artistas do rap nacional”, como disse o apresentador, Bill ficou no ar durante 40 minutos. “Nunca vi uma jovem liderança tanto tempo ao vivo na tevê, num programa que fala para 70 milhões de pessoas”, diz o antropólogo Hermano Vianna.

DJs e trancinhas

Marco Aurélio Paz Tella, doutorando em antropologia pela PUC-SP, defendeu em sua dissertação de mestrado que a fase em que o rap era consumido apenas pela periferia – para a qual serve de voz – é parte do passado. “De alguns anos para cá, os principais DJs de rap tocam nas casas noturnas de bairros nobres paulistanos como os Jardins, Vila Madalena e Vila Olímpia porque tem gente com dinheiro que consome rap”, afirma Marco. A linguagem do hip hop transbordou para outros segmentos da música, do rock ao eletrônico. “O hip hop cria a cultura de DJs. A figura do DJ como entendemos hoje é oriunda do Kool Herc, do Grandmaster Flash, do Bambaataa, que desenvolveram a idéia de criar música a partir de dois toca-discos”, diz Eugenio Lima, DJ da Soulfamily e diretor do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, com trabalho voltado para o que chama de teatro hip hop – um cruzamento da pesquisa teatral brechtiana com os elementos da cultura de rua.

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O uso de trancinhas coladas ao couro cabeludo mostra que as influências do estilo hip hop vão dos pés à cabeça. Característica dos astros do rap e do basquete americano, elas disseminaram-se no Brasil para além do circuito de iniciados. O estilo já extrapolou os limites raciais. “Faço trança em japonês, loira, branco de cabelo liso, gente de qualquer tipo e de todas as raças”, diz Fátima Aparecida de Abreu, cabeleireira do salão e loja de roupas 4P, dos rappers KLJ (DJ dos Racionais MCs) e Xis. Com 20 anos de atividade na área, Fátima contabiliza hoje oito homens entre cada dez clientes que fazem trança.

A 4P, também um selo musical, funciona na meca da black music paulistana, a Galeria 24 de Maio, conhecida como Galeria do Rock, mas cada vez mais chamada de Galeria do Rap. Síndico do prédio e comerciante no local há 30 anos, Antonio de Souza Neto, o Toninho da Galeria, afirma que foi ali que a cultura de rua tomou corpo em São Paulo. “O pessoal se encontrava aqui e ia para o largo São Bento”, diz, em referência ao local onde as rodas de break ganharam popularidade, nos anos 80, depois do período embrionário na própria 24 de Maio. “O hip hop saiu daqui, foi pra periferia e tomou o asfalto”, afirma. Toninho vê o movimento como “possibilidade de revolução cultural no país”. Na sua leitura, o rock tornou-se “pequeno em relação ao hip hop”.

Se o dedo musical amplia cada vez mais as suas influências, dança e artes visuais não ficam atrás. Fundador e coreógrafo da companhia mineira SeráQuê?, o dançarino Rui Moreira formou-se entre aulas de dança moderna e os bailes black de São Paulo e vê com interesse a absorção da dança de rua pela dança moderna e contemporânea. Segundo ele, o gestual da rua se incorporou à dança no fim dos anos 60 a partir de coreógrafos americanos como Alvin Ailey. E, na década seguinte, houve um reflexo no trabalho de criação do Grupo Corpo, assim como no do Ballet Stagium, que incorporaram o que na época era chamado de jazz de rua. “No cenário contemporâneo, os bailarinos buscam cada vez mais o diálogo gestual com os b-boys, como forma de ampliar as possibilidades de uso dos planos espaciais”, diz Rui.

Sinônimo de dançarino de break, o b-boy dá mortais, gira e rodopia dentro de parâmetros do vocabulário da dança de rua. Assim é também com os outros dois estilos principais da dança hip hop: o locking (movimentos imitam um robô) e o popping (influenciado pelos passos do funk), um sistema de códigos corporais que se reproduz por todo o mundo. “Cada um se destaca no seu estilo, como no futebol” afirma Nelson Triunfo, mestre na dança de rua e pioneiro das jornadas empreendidas pelos b-boys nos calçadões do centro velho paulistano desde 1984.

Depois da grande visibilidade dos anos 80, oferecida pelos concursos em programas de auditório como o de Barros de Alencar ou por participações em humorísticos como Os Trapalhões, a dança de rua já não desperta o mesmo interesse na mídia, mas deixou como resíduo a incorporação, até hoje, de cursos de break em academias de dança voltadas para a classe média.

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A vez do grafite

O vocabulário visual do hip hop também demarca seu espaço em outros territórios. Muito além das frases de protesto e das guerras de ego de adolescentes que carimbam com spray os muros, pontes e edifícios das cidades, a pichação e o grafite ganham respeito, deixam de ser vistos como “caso de polícia” e contaminam outras linguagens, como o design gráfico e a publicidade.

O esforço de compreensão do abecedário dos pichadores e das crônicas visuais dos grafiteiros rende estudos acadêmicos e projetos vinculados ao poder público, como é o caso do Guernica, focado em oficinas de arte, mantido pela Prefeitura de Belo Horizonte desde 1999. “A pichação é uma escrita aparentemente sem memória e conteúdo, mas temos de aprender a ler essa escrita porque os jovens estão querendo dizer alguma coisa”, disse o prefeito Célio de Castro à época. Desde então, o estigma deu lugar a aulas, ministradas por alguns dos “fora-da-lei”, e a prática dos murais públicos grafitados ganhou reconhecimento entre a população e as empresas – gerando parcerias que já resultaram em curtas-metragens ou em balões dirigíveis e totens estampados com a linguagem do grafite.

O hip hop atualizou, em versão urbana, uma prática secular. “O grafite existe há, no mínimo, 30 mil anos”, afirma Pedro Portella, autor do ensaio “Memórias Escritas da Cidade Inscrita”. De acordo com ele, os aborígenes australianos sopram pigmento para contornar suas mãos nas grutas até hoje, como ocorreu em Lascaux, na França, e em algumas grutas da Patagônia. “Eles dizem que muitas vezes fazem isso para expressar uma demanda, um impulso de criação, e não para assinar a parede da gruta, como pensavam muitos arqueólogos”, diz Pedro.

O trânsito do grafite pelo circuito de museus e galerias tem pelo menos duas décadas. O interesse pela linguagem das diferentes formas de intervenção visual que se multiplicaram pelas cidades alcançou seu ápice nos anos 80, nos Estados Unidos. Bajulados por revistas como a respeitada Artforum, artistas surgidos nas ruas e estações de metrô, como Jean-Michel Basquiat e Keith Haring, ganharam notoriedade e foram rapidamente integrados ao circuito de marchands e galeristas. Não demorou para que a indústria cultural tomasse os signos e ferramentas da arte de rua para si. Para o designer gráfico Rico Lins, que já fez trabalhos para a Time e a Newsweek, o uso dessa linguagem é bastante perceptível, “especialmente quando (o produto) é direcionado ao público jovem, na propaganda, em capas de livro, CDs, camisetas etc.”. Rico vê forte ascendência da cultura urbana em geral – e do hip hop em particular – sobre seu estilo. “As pichações e grafites estão presentes em trabalhos que eu faço.”

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Essa intersecção entre áreas levou a uma mutação no jeito de se fazer grafite. Se de um lado a origem “artesanal” e única da inscrição no muro proliferou e perpetuou-se, de outro as possibilidades técnicas de manipulação e circulação da imagem abriram novas frentes.

Conhecida como stencil art, a técnica de criar uma “fôrma” sobre a qual o spray era aplicado, muito usada na década de 1980, desembocou nos stickers, adesivos desenvolvidos muitas vezes em computador, com imagens e/ou mensagens, encontráveis em postes, latas de lixo e telefones públicos de centros urbanos. A idéia? Disseminar o dedo visual do hip hop. Mas, também, estampar, com um grafismo peculiar e para todo mundo ver, que o hip hop ultrapassou qualquer gueto. Como se diz na quebrada: tá tudo dominado.

Fita de mil grau

Gíria não tem certidão de nascimento nem endereço fixo. Os “manos” do rap que o digam. O que se supõe é que mano seja uma derivação de hermano, “irmão” em espanhol, que, por sua vez, remete a brother, termo usado com frequência pela música negra norte-americana desde a soul music, nos anos 60. Mas mano, hoje, é água corrente na boca de tribos variadas, de origem e condição social idem.

Para a professora de língua portuguesa Elaine Ferreira dos Santos, que defendeu em 2003 mestrado sobre o discurso dos rappers, “a gíria tanto pode ser um instrumento de defesa da população marginal como uma manifestação de agressividade da juventude, um reflexo do conflito de gerações”. Sua pesquisa começou com a percepção do uso de gírias em sala de aula. “Só depois é que fui identificar que isso vinha das letras de rap”, diz. O estudo enfocou alunos da classe média de 16 a 17 anos. “Eles usam muito ‘mano’ e se cumprimentam com o aperto de mão característico dos rappers”, afirma a professora, em referência ao movimento de ir e vir com a mão sem apertá-la, puxando de leve os dedos e batendo os punhos fechados na altura do peito.

Funk Buia, MC do grupo paulista de rap Z’África Brasil e morador de Taboão da Serra, na Grande São Paulo, acredita que há gírias “bairristas”, de sentido local, que soam estranhas quando faladas por modismo em qualquer lugar. Para ele, o pára-quedista de gíria acaba se denunciando: “Quando determinada expressão não faz parte da pessoa, dá para perceber que ela não é do movimento”. Veja algumas das gírias:

Crocodilagem: traição

Entrar numas: se meter em confusão

Firmeza: tudo certo

Fita de mil grau: história muito bacana

Ganso: traidor, dedo-duro

Quebrada: bairro

Sangue-bom: camarada, boa gente

Treta: briga

Truta: amigo

Vacilo: erro, pisada na bola

Tempo bom*

O Black Power continua vivo, só quede um jeito mais ofensivo, seja dançando break, ou um DJ no scratch, mesmofazendo grafite ou cantando rap

1969

O DJ Kool Herc, jamaicano criado no Bronx, introduz nos EUA as disco mobiles, equipamentos móveis de som populares na Jamaica. Esse é também o ano do surgimento das gangues de break, promotoras de batalhas de dança em lugar das brigas entre rivais

1972

Kool Herc realiza a primeira block party, festa de rua que conjugaria os diferentes elementos do hip hop. No ano seguinte, Afrika Bambaataa funda a Universal Zulu Nation, base para a escolha do 20 de novembro de 1974 com dia oficial de nascimento do hip hop

1978

Fundação da Funk & Cia., a pioneira posse de break do ex-agricultor pernambucano Nelson Triunfo (ainda hoje na ativa) e de Nino Brown, entronizado por Bambaataa como King Zulu, o representante oficial brasileiro da Universal Zulu Nation

1979

O grupo norte-americano Sugar Hill Gang lança o primeiro disco de rap, com o sucesso “Rapper’s Delight”. Um ano mais tarde, Miéle grava “Melô do Tagarela”, versão em português que entraria para a história como o primeiro registro de um rap no país

1982

Bambaataa se populariza como artista solo e o rap de cunho social se consagra com o álbum The Message, de Grandmaster Flash and the Furious Five. As gangues de break começam a se reunir periodicamente na rua 24 de Maio, no centro de São Paulo

1983

Michael Jackson lança o álbum Thriller, fonte musical para coreografias apoiadas no moonwalk, o passo arrastado que ajudaria a popularizar o break e daria origem a concursos de dança em programas de auditório da TV brasileira como o de Barros de Alencar

1986

Public Enemy lança seu primeiro álbum, Yo! Bum Rush The Show, e se torna um dos grupos mais influentes do período. A dupla de rappers Run DMC lança o LP Raising Hell, que vende 2 milhões de cópias, um marco para a época

1988

Lançamento da coletânea Hip Hop – Cultura de Rua (selo Eldorado), primeiro vinil brasileiro de rap, com nomes como o dos pioneiros Thaíde & DJ Hum. Chega ao mercado Consciência Black, disco inaugural do selo Zimbabwe, que lançaria mais tarde Racionais MCs

1990

Inspirados no Public Enemy, entre outros, os Racionais MCs lançam o primeiro disco, Holocausto Urbano, e sacodem a periferia paulistana

1992

Snoop Doggy Dogg, gangsta-rapper californiano, estréia em The Chronic, de Dr. Dre. No ano seguinte, lança Doggstyle, um dos álbuns mais vendidos da história do rap. Gabriel, o Pensador estoura com “Tô Feliz, Matei o Presidente”, com referências a Fernando Collor de Mello

1994

Tupac leva cinco tiros à queima-roupa em Nova York, mas sobrevive. O atentado é atribuído aos rappers Notorious B.I.G. e Puff Daddy. A guerra entre rappers das costas leste e oeste dos EUA culmina com o assassinato de Tupac, em 1996, e Notorius B.I.G., em 1997

1998

Lançamento de Sobrevivendo no Inferno, dos Racionais MCs, recorde de vendas do rap no Brasil, com 500 mil cópias oficiais. O rap americano vende 81 milhões de discos, superando todos os demais gêneros nos EUA no ano

1999

Fundação da Casa do Hip Hop de Diadema (SP), a primeira no gênero criada pelo poder público, em parceria com a Zulu Nation Brasil. lançamento do CD Traficando Informação, do carioca MV Bill. Lauryn Hill, ex-Fugees, recebe cinco prêmios Grammy por disco solo

2000

Eminem lança The Marshall Mathers e vende quase 2 milhões de cópias em uma semana. Mallokeragem Zona Leste (BMG), do Doctor’s MCs, é o primeiro disco de rap feito por uma multinacional no Brasil. O clipe “Isso Aqui É uma Guerra”, do grupo paulistano Facção Central, é censurado

2002

Lançamento do quinto disco dos Racionais MCs, Nada Como um Dia Após o Outro Dia. O rapper paulistano Xis participa do reality show “Casa dos Artistas”, no SBT. No ano seguinte, Sabotage, um dos grandes renovadores do rap nacional, é assassinado em São Paulo

2004

Expoentes do gangsta rap americano, Snoop Doggy Dogg e Ja Rule vêm ao Brasil para o megafestival “Hip Hop Manifesta”. O fenômeno americano 50 Cent faz show no estádio do Pacaembu. Marcelo D2 ganha três prêmios no Video Music Brasil da MTV

*O título e o subtítulo são da clássica “Sr. Tempo Bom”, de Thaíde e DJ Hum

A roupa não faz o monge

A popularização da moda de rua, a chamada street wear, feita de roupas tão grandes quanto as letras do rap, é o aspecto mais visível do impacto do hip hop. Basta contabilizar a lista de pesos pesados que têm suas próprias grifes. Eminem é dono da Shady, 50 Cent sócio da G-Unit, e Andre 3000, do Outkast, lançou a Designs by Benjamin Andre. Eles seguem a trilha de rappers como Jay-Z, proprietário da Rocawear, e de Chuck D, do Public Enemy, que, nos anos 90, estampou o próprio nome em diversos modelos de roupa.

No Brasil, grifes como a 4P, de KL Jay e Xis, e a Ice Blue, do MC de mesmo nome, dos Racionais, ocupam seu palmo de terra no latifúndio black das Grandes Galerias, no centro de São Paulo, melhor termômetro de música, moda e comportamento jovem do país. Essa vitrine musical acomoda apenas no piso inferior 75 lojas de roupas, discos, acessórios, artigos para grafiteiros e cabeleireiros. Quase tudo em torno do universo hip hop. “Roupas largas viraram sinônimo de visual moderno”, afirma o antropólogo Hermano Vianna.

Nino Brown, entretanto, dançarino das antigas, defende que a roupa não faz o monge. “Essa coisa de que tem que vestir uma roupa para ser do movimento, essa coisa da moda… Quem faz a moda é a gente”, diz ele, que não se sente à vontade com as calças largas típicas dos rappers.

Movimento da rua

A dança contemporânea fala, cada dia mais, a língua da rua. Companhias como a hispano-francesa Montalvo-Hervieu construíram sua boa reputação com a mistura de sotaques e dançarinos de origens variadas – entre elas, da street dance. Caminho semelhante é seguido no Brasil pela mineira SeráQuê?, do coreógrafo Rui Moreira, nome de primeira grandeza no elenco do Grupo Corpo nos anos 90.

“Comecei a dançar na rua, em rodas de break com os amigos”, conta o bailarino francês Rachid Ouramdane, que posteriormente se formou pelo Centre National de la Danse. Focado na dança contemporânea, Ouramdane enverga no currículo dobradinhas com criadores de peso como a coreógrafa norte-americana Meg Stuart.

A adoção do hip hop pelo circuito tradicional de dança se expandiu no Brasil há pouco mais de dez anos com a criação da modalidade Dança de Rua em eventos como o Festival de Dança do Triângulo Mineiro e o Festival de Joinville. “Em pouco tempo ela se espalhou por todo o Brasil”, afirma Fernando Narduchi, diretor da Cia. de Dança Balé de Rua, uma das mais respeitadas no segmento país afora.

Originário da cidade mineira de Uberlândia, o grupo é composto apenas por dançarinos autodidatas, formados pela escola pública das praças e calçadas. No início deste ano, apresentou-se no festival francês Suresnes Cité Danse, um dos mais ativos na aproximação da dança contemporânea com o hip hop. Para Fernando, o break está se tornando uma área de especialização na dança, com códigos tão específicos quanto os do balé clássico.

Dominando

Para mergulhar no mundo dohip hop, aqui vai nosso roteiro básicode livros, discos, filmes e sites

Break

A versão mais difundida afirma que o break foi uma resposta artística à enorme quantidade de soldados norte-americanos que voltavam mutilados da Guerra do Vietnã. Passos e gestos quebradiços fariam referência também à crescente robotização das linhas de montagem na indústria, que começara a gerar desemprego massivo

Para saber mais

Na locadora:

Warriors – Os Selvagens da Noite – Walter Hill, EUA, 1979

Flashdance – Em Ritmo de Embalo – Adrian Lyne, EUA, 1983

Beat Street – Stan Lathan, EUA, 1984

Na livraria:

Break Dancing – Terry Dunnahoo e Robert Sefcik, First Books, EUA, 1985

Breakdance: Hip Hop Handbook – Jairus Green, David Bramwell, Street Style, EUA, 2003

Na internet:

https://www.battleoftheyear.net

https://www.b-boys.com

https://www.batalhafinal.com.br

Grafite

Surge em fins dos anos 60, em Nova York, inicialmente como pichação. A disseminação de assinaturas – chamadas de tags – pelas paredes das cidades é atribuída a um americano de origem grega chamado Demetrius, conhecido pelo pseudônimo Taki 183

Para saber mais

Na locadora:

Style Wars – Tony Silver and Henry Chalfant, EUA, 1983

Through the Years of Hip Hop, Vol. 1 – Graffiti – EUA, 2001

Na livraria:

O que É Grafite? – Celso Gitahy, Brasiliense, Brasil, 1999

Graffiti World: Street Art from Five Continents – Nicholas Ganz, powerHouse, EUA, 2004

Street Logos – Tristan Manco, Thames & Hudson, Inglaterra, 2004

Na internet:

https://www.graffiti.org

https://www.at149st.com

Rap

O jamaicano Kool Herc é tido como o introdutor do conceito do rap nos EUA, a partir da transposição das disco mobiles (equipamentos de festas itinerantes) para o território americano. Afrika Bambaataa e Grandmaster Flash foram os grandes divulgadores do ritmo

Para saber mais

Na locadora:

Wild Style – Charlie Ahearn, EUA, 1982

Faça a Coisa Certa – Spike Lee, EUA, 1989

Aqui Favela, o Rap Representa – Junia Torres e Rodrigo Siqueira, Brasil, 2003

Na livraria:

Rap e Educação, Rap é Educação – Elaine Nunes de Andrade, Summus/ Selo Negro, Brasil, 1999

Ego Trip’s Book of Rap Lists – Sacha Jenkins et al, St. Martin·s Press, EUA, 1999

The Vibe History of Hip Hop – Alan Light,Three Rivers Press, EUA, 1999

Na internet:

https://www.bocadaforte.com.br

https://www.realhiphop.com.br

https://www.planet-hiphop.com

https://www.lehiphop.com

Discos internacionais:

Rapper’s Delight, Sugarhill Gang, Sugarhill, 1979

Planet Rock, Afrika Bambaataa, Tommy Boy, 1982

It Takes a Nation of Millions to Hold Us Back, Public Enemy, Def Jam, 1988

2Pacalypse Now, Tupac Shakur, Death Row/Interscope, 1991

Licensed to lll, Beastie Boys, Def Jam, 1986

3 Feet High and Rising, De La Soul, Tommy Boy, 1989

Quality Control, Jurassic 5, Interscope, 2000

The Marshall Mathers LP, Eminem, Interscope, 2000

Discos nacionais:

Hip Hop Cultura de Rua, Vários, Eldorado, 1988

Pergunte a Quem Entende, Thaíde e DJ Hum, Eldorado, 1989

O Som das Ruas, Vários, Chic Show, 1988

Sobrevivendo no Inferno, Racionais MCs, Cosa Nostra, 1997

Traficando Informação, MV Bill, Natasha Records, 2000

Rap é Compromisso, Sabotage, Cosa Nostra, 2001

Antigamente Quilombos, Hoje Periferia, Z’África Brasil, Paradoxx Music/Rapsoulfunk, 2002

A educação pelo rap

Considerada a primeira pesquisa acadêmica sobre rap publicada no Brasil, o livro Rap e Educação, organizado por Elaine Nunes de Andrade e lançado em 1999, apresenta textos de 14 estudiosos do assunto. Uma das autoras, a educadora Ione Jovino, mestranda pela Universidade Federal de São Carlos com o tema “Escola e Hip Hop para Alunos Negros de Ensino Médio em São Paulo”, entende que o rap é cada vez mais absorvido por classes variadas, em escolas de fora da periferia. “Desenvolvi uma metodologia com a linguagem do rap para trabalhar literatura, com a finalidade de sensibilizar os professores para essa cultura”, diz ela.

A diretora e coordenadora do Programa de Educação da ONG Geledés, Cidinha da Silva, vê na valorização da escola uma das grandes contribuições do hip hop para a sociedade brasileira. Segundo ela, a busca do conhecimento por parte da juventude negra é a diferença fundamental entre o hip hop brasileiro e o norte-americano. “O hip hop americano desvaloriza a universidade”, afirma. “Para eles, ler é coisa de branco.” Aqui, de acordo com Cidinha, isso não acontece. “É uma grande novidade essa valorização vinda da periferia”, diz ela.

Referência na luta pelo direito à educação para os jovens de periferia, o rapper Preto Ghóez, morto em acidente de carro em setembro passado, defendia o diálogo entre o hip hop e o poder público. Da iniciativa do MC do grupo maranhense Clãnordestino surgiu o projeto de implantação de bibliotecas Fome de Livro na Quebrada – Preto Ghóez, já funcionando em oito capitais brasileiras.

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