(Michael Ochs Archives/Getty Images/Montagem sobre reprodução)
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Tirem as crianças da sala. O que vai passar na TV, se o chuvisco deixar alguém enxergar alguma coisa, é altamente subversivo.
O rock dos anos 1950, para quem vive no século 21, parece – e é – tolinho. Na época do fenômeno, no entanto, foi revolucionário. Rompeu paradigmas raciais e sexuais, além de criar um mercado absurdamente lucrativo: o dos jovens.
O rock ’n’ roll nasceu da cruza do blues negro com o country branco. Os Estados Unidos do pós-guerra não eram uma sociedade aberta à mestiçagem, pelo contrário: os Estados sulistas ainda segregavam a população negra, e o movimento pelos direitos civis só viria a ganhar corpo na década seguinte.
O que dizer, então, de um artista como Little Richard? Negro, escandaloso em seus trejeitos (não era gay assumido, mas isso estava evidente) e lascivo. Foi esse o tipo de coisa que começou a invadir os lares da família branca de classe média, via rádio e TV. A reação conservadora não conseguiu parar o rock ‘n’ roll. O mundo nunca mais seria o mesmo. Ainda bem.
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“O dia em que a música morreu”, escreveu o compositor Don McLean em “American Pie”, seu maior – senão único – sucesso, que virou um hino de catarse para a juventude americana em botecos de Boston a San Diego. McLean se referia ao dia 3 de fevereiro de 1959, quando um aviãozinho fretado caiu no meio da neve do Iowa, provocando a morte de algumas celebridades da época: o cantor Ritchie Valens (“La Bamba”), o radialista Big Bopper e Holly, que tinha só 22 anos e estava no auge. A morte de Buddy Holly foi o primeiro grande trauma do rock. O rapaz texano era o maior talento de sua geração. Enquanto outros artistas – inclusive Elvis e Chuck Berry – repetiam canções tradicionais em andamento alterado, ele criava. Buddy Holly era mais popular na Inglaterra do que nos Estados Unidos, o que explica muita coisa: sua sonoridade apontava para a música que mais tarde conquistaria o mundo com os Beatles e os Rolling Stones. Quando Buddy morreu, o rock entrou em depressão. Quase se foi também. Mas a semente já tinha sido plantada do outro lado do Atlântico. (Divulgação/Reprodução)
Tecnicamente, Johnny Cash não era um roqueiro. Era um menestrel country. Mas não há como separá-lo do movimento rock ‘n’ roll. Cash despontou em 1957, mesmo ano em que Chuck Berry, Jerry Lee Lewis e Little Richards explodiram nas paradas. Essa turma toda aparecia junta nos programas de rádio e de TV. Sua biografia – como mostra o filme Johnny & June, de 2005 – é o roteiro clássico de uma novela roqueira. Tem adultério, drogadicção, sarjeta, quase tem morte. E tem a redenção final. As letras de suas composições mergulham no lado mais sombrio da natureza humana. Falam de bandidos, de assassinos, de psicopatas que fantasiam matar cachorros (“Dirty Egg Sucking Dog”). Johnny Cash desceu aos esgotos da marginalidade muito antes de Lou Reed. E Cash foi pioneiro em fazer shows exclusivos para presidiários – os detentos eram público cativo do cantor, por assim dizer. O álbum Live at Folsom Prison, gravado em 1968 numa penitenciária da Califórnia, se tornou a obra mais celebrada de sua discografia. Assim, não surpreende que Johnny Cash tenha se tornado ídolo para várias gerações de roqueiros. O último sucesso de Johnny Cash foi uma versão para a música “Hurt”, da banda Nine Inch Nails, lançada em 2003 – ano da morte do cantor. (Divulgação/Reprodução)
Jerry Lee Lewis foi vítima do mesmo fenômeno que atingiu quase todos os pioneiros do rock – de Elvis à Jovem Guarda brasileira. Depois de um curtíssimo período no topo, ele não teve fôlego para prosseguir na carreira de popstar. A música caipira sempre esteve no repertório de Jerry Lee. Seu diferencial estava no piano boogie-woogie, no andamento frenético das músicas e na performance endiabrada no palco – que incluía até o piano em chamas. A pose de rebelde custou muito caro ao rapaz da Louisiana. No final de 1957, ele se casou escondido com Myra Gale Brown, uma prima de 13 anos de idade. O caso virou escândalo nacional nos Estados Unidos. Acabado no rock, Jerry Lee se refugiou na música country, com eventuais comebacks. (Divulgação/Reprodução)
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Little Richard era o perfeito desajustado numa época em que a sociedade tinha pouca tolerância com os misfits. Para os brancos racistas, ele representava o demônio negro que transbordava energia sexual e ameaçava a estrutura de suas famílias. Para as comunidades afro-americanas – em especial os grupos religiosos, de onde Richard veio –, ele era uma figura degenerada e efeminada, que abandonou o caminho da fé para se vender aos brancos. Apesar desse cenário desfavorável, Little Richard conseguiu o que queria. Ex-cantor de música gospel, ele se tornou o mais incendiário dos roqueiros da primeira geração – secundado por Jerry Lee Lewis, que, coitado, era um caipira branco. Gritava, martelava o piano e pulava como um possuído em surto. No fim, os demônios internos do cantor venceram a briga. Após um ano ou dois de sucessos como “Tutti Frutti” e “Good Golly Miss Molly”, Little Richard retornou à música de igreja. Depois voltou ao rock. E assim por diante, flertando com o sagrado e o profano até ficar velho demais para se apresentar. (Gilles Petard/Getty Images)
No documentário Hail! Hail! Rock ‘n’ Roll (em português, Chuck Berry, o Mito do Rock, 1986), fica evidente a personalidade pouco sociável do roqueiro. Tratava-se de um show para comemorar os 60 anos de Chuck, organizado por Keith Richards, dos Rolling Stones. Keith, um tipo esquentadinho, faz de tudo para se manter calmo ante a antipatia explícita do ídolo. Chuck chega para o show em cima da hora, sozinho, carregando apenas a guitarra. A banda que se virasse. E se virou muito bem, como o filme mostra. Assim sempre foi trabalhar com Chuck Berry. Ele não ensaia, não combina o set list, não passa o som. Começa a tocar e a banda o acompanha. O comportamento sempre foi tolerado porque Chuck é o cara que traduziu o blues para a linguagem rock. Foi graças a ele que a guitarra elétrica se tornou o símbolo máximo da música jovem. Praticamente todos os guitarristas da geração seguinte estudaram por sua cartilha: o próprio Keith Richards, Eric Clapton, Jimi Hendrix, Malcolm Young, Stevie Ray Vaughn. Chuck Berry foi também o compositor mais prolífico do rock dos anos 1950. Sua obra foi regravada por um sem-número de artistas. O primeiro álbum dos Stones, apesar de ter apenas uma faixa assinada por Berry (“Carol”), parece um disco do ídolo de Richards, tamanha a semelhança no som da guitarra. Também interpretaram números de Chuck Berry gente dos mais variados estilos, dos Beatles (“Rock & Roll Music!” e “Roll Over Beethoven”) ao reaggaeman Peter Tosh (“Johnny B. Goode”), passando por Simon and Garfunkel (“Maybelline”) e The Trashmen (“Little Queenie”). (Michael Ochs Archives/Getty Images)
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Quando Elvis Presley se alistou no exército americano, em 1958, muitos vaticinaram o fim próximo do rock ‘n’ roll – mais um surto efêmero de música e comportamento a afetar a juventude. Os profetas do Apocalipse teriam acertado em cheio se, do outro lado do Atlântico, rapazes ingleses não estivessem cuidando de manter o estilo vivo. O fato é que o Elvis roqueiro teve vida curtíssima. Ele foi engolido pela indústria para se transformar no primeiro – e ainda o maior – semideus da música pop americana. A imagem que ficou para a história é aquela do Elvis de Las Vegas, do Elvis balofo nadando em sanduíches de banana com pasta de amendoim, do Elvis paranoico da mansão Graceland. Antes de chegar a esse estágio, Elvis formatou aquilo que a gente passou a conhecer como rock ‘n’ roll. O rapaz loiro do Mississippi, que passou a pintar o cabelo de preto, se mudou na adolescência para Memphis – centro criativo tanto da música negra quanto do Country & Western. Absorveu ambas as influências e foi bater à porta da gravadora Sun, que também teve em seu portfólio Jerry Lee Lewis e Carl Perkins. O Elvis seminal é cru e selvagem. Toca blues com levada country (“That’s All Right”, “Mystery Train”) e country com batida rhythm & blues (“Blue Moon of Kentucky”). Mais ou menos a definição clássica de rock ‘n’ roll. Catapultado para a TV, o caipira branco com voz de negro agradou às adolescentes com a aparência de bom moço e rebolado de pura safadeza. Não demorou para que sua dancinha sensual – que, em comparação com o que viria mais tarde, é ciranda infantil – fosse censurada. Elvis agora só apareceria da cintura para cima. Não adiantou nada, pelo contrário. A imaginação das garotas explodindo em hormônios seguia em todo vapor – sem falar que existiam as apresentações ao vivo. Assim, Elvis foi o primeiro cantor de rock a suscitar desmaios, gritaria histérica e arremesso de calcinhas ao palco. A sociedade conservadora não gostou, mas outra turma viu em Elvis a galinha dos ovos de ouro. Na década de 60, sob a marcação cerrada de seu empresário, o coronel Tom Parker, adotou um repertório mais palatável para as audiências brancas da América profunda. Ele se aproximou de artistas mainstream como Dean Martin e foi se metamorfoseando em cantor romântico. Gravou baladas napolitanas (“It’s Now or Never” é uma versão de “O Sole Mio”), atuou como ator em filmes estilo “Sessão da Tarde” e não fazia mais shows ao vivo. Insatisfeito com o rumo que estava tomando, Elvis se reencontrou no antológico NBC Special, em 1968. O show de TV bateu recordes de audiência e fez com que voltasse a se apresentar ao vivo. Em 1969, gravou o disco From Elvis in Memphis, um último sopro de autenticidade do maior cantor da música americana. Nele, Elvis interpretava algumas de suas canções favoritas, como “In the Ghetto”. Na década de 70, em infindáveis turnês pelo país – incluindo o primeiro show de música ao vivo transmitido via satélite – a saúde de Elvis começa a degringolar. O resto da história é sanduíches, comprimidos e macacões abertos no peito. Até sua morte, em 1977. Ou não. (Michael Ochs Archives/Getty Images)