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A minha história Star Wars

Visitei os bastidores de Star Wars: Os Últimos Jedi e encontrei uma Millennium Falcon de madeira, lutei de sabres contra uma jornalista russa,

Por Felipe Germano, da Inglaterra, editado por Tiago Jokura
Atualizado em 23 out 2020, 16h58 - Publicado em 21 nov 2017, 18h29
“A espuma interna do capacete mantém meu rosto confortável. As lentes cinza, porém, não corrigem miopia e astigmatismo, como eu preciso.” (Marcos de Lima/Superinteressante)

Do alto da montanha o sol bate forte no meu rosto. Sigo uma trilha, íngreme, que abre espaço entre o relevo irregular dos pedregulhos. Eu nunca tinha ido àquela montanha, mas não me era estranha. Me distraio. A inclinação me faz perder o equilíbrio e, instintivamente, meu pé esquerdo pisa forte no primeiro apoio que encontra: uma pedra ao lado da trilha. Só que a rocha não me sustenta. Pelo contrário. Ela se molda ao formato do meu pé e afunda, como se eu estivesse entrando em uma cama elástica. A sensação não foi à toa: a pedra era feita de látex.

– Cuidado! – disse rindo o guia do passeio, enquanto me oferecia o braço como apoio. – Isso deve custar alguns dólares – completou.

A pedra em questão não é uma exceção. As rochas ali são feitas de borracha, pintadas em tons de cinza e verde, simulando um musgo que enganaria botânicos distraídos. As árvores são, realmente, feitas de madeira, mas não completamente. Elas são ocas e, de suas partes traseiras, é possível ver a entrada e a saída de fios. Eu não estou em cima de uma montanha; estou em cima de uma réplica que recria uma ilha irlandesa a 690 quilômetros dali – uma locação que, dois anos antes, ambientou a última cena do sétimo Guerra nas Estrelas. Olho para a base da instalação e vejo 11 homens construindo uma Millennium Falcon. Eu estou no set de Star Wars: Os Últimos Jedi.

Naquele momento eu nem sabia que o filme teria esse nome. Na minha frente, os membros da equipe só se referem ao longa como “Star Wars VIII”. A visita acontece em 5 de maio de 2016, oito meses antes da divulgação do título oficial. A omissão já é melhor do que uma mentira espalhada propositalmente. Quem passa nos arredores do estúdio Pinewood, a 32 km de Londres, acredita que ali estava sendo filmado um certo Space Bears, título falso que está estampado por várias placas no entorno da locação – numa tentativa de despistar fãs, curiosos e paparazzi.

O lado marceneiro da Força

Uma caixa de som estoura hits dançantes dos anos 1980. Entre elas, Down Under, do Men at Work, ironicamente embalando um grupo de trabalhadores. São os responsáveis por construir a Millennium Falcon – nave-símbolo da série. Nove homens circulam embaixo da estrutura que, feita de madeira, passa dos 3 m de altura e 30 m de comprimento. Todos de coletes amarelos e capacetes laranja, alguns colam peças soltas, outros pintam detalhes. Em cima da nave, outros dois martelam.

– Não dá para entrar nela – diz um dos guias, me jogando de volta para a realidade. – Quer dizer, quase não dá – completa.

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– Tá vendo aquela rampa? –  aponta para uma placa de madeira que serve de ponte para o interior da nave. – Ela dá direto no cockpit. Essa nave só serve para cenas exteriores. Tudo que você vê  acontecendo dentro dela é filmado em um estúdio a uns quilômetros daqui – informa. Um dos construtores limpa o suor, e o guia me diz:

– Eles passam dias construindo, filmam algumas cenas e logo depois destroem tudo.

Não existe lugar nem motivo para guardar uma nave espacial, afinal. Mais fácil construir outra daqui uns anos.

Atrás da nave, a montanha que quase me engoliu centraliza a atenção. O cenário é uma reprodução de um dos montes da ilha Skellig Michael, formação a 13 km da costa irlandesa que abriga um mosteiro centenário tombado como patrimônio histórico da humanidade. E a réplica só não é perfeita porque os produtores não quiseram. Quase no cume, uma gigantesca árvore com dois galhos curvados formam, do ângulo certo, o símbolo da Aliança Rebelde. Isso não tem na ilha original, claro. Lá de cima, a mais de 15 m de altura, enxergo melhor as proporções do que é feito ali: os trabalhadores da Millennium agora parecem minúsculos.

“Percebo que a Millennium Falcon é toda de madeira, com detalhes de plástico colados por trabalhadores que ouvem Men at Work.” (Marcos de Lima/Superinteressante)

O diabo veste trooper

O trajeto entre a Millennium Falcon e um galpão onde outras cenas de Últimos Jedi são filmadas leva 15 minutos. Me entregam uma credencial com o logo do Space Bears e entramos em um galpão. Ao entrar, vejo uma cena pouco comum: 20 stormtroopers batendo papo. Abruptamente, o silêncio impera no ambiente. A julgar pelo olhar assustado dos soldados do Império, é claramente a primeira vez que eles veem jornalistas no set. Passamos ao lado dos atores e avisto uma tenda branca do tamanho de uma casa com quatro dormitórios. É a central de figurinos.

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Lá dentro, as dezenas de suportes para cabides demarcam os corredores. Em cada cabide há uma roupa e,  em cada roupa, uma etiqueta com quatro dígitos – é a identificação do ator que as veste. Dois homens se aproximam: são Dave Tincombe e Pierre Bohanna, os desenvolvedores dos figurinos dos novos filmes – trabalho que chamou atenção principalmente pela remodelagem dos stormtroopers.

– Não conseguimos achar no mercado um material que desse a cor, o formato e a consistência que queríamos, então desenvolvemos uma resina nova para fazer o design  – explica Pierre.

Os soldados precisam ter mais ou menos a mesma altura (em torno de 1,8 m) e sofrem com algumas limitações. Depois de vestido, é difícil descansar – a veste não permite que o ator sente por causa das inúmeras partes plásticas. – Mas dá para deitar – brinca Dave.

A área é movimentada e barulhenta.

– Como as informações não vazam? – pergunto.

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– Os figurantes não recebem o roteiro inteiro. E, mesmo entre nós da produção, usamos codinomes para dificultar o entendimento caso alguma coisa vaze – conta Pierre.

– Os “cubos de açúcar”, por exemplo, são nossos apelidos para os stormtroopers – diz Dave, apontando para um capacete em uma das prateleiras.

Resolvo experimentar. Ando até a estante, pego um dos capacetes e coloco no rosto. Uma espuma interna mantém o rosto confortável, e as lentes cinza deixam tudo com uma tonalidade pastel – infelizmente, porém, não corrigem miopia e astigmatismo, como eu preciso. Tiro o capacete e coloco meus óculos redondos. Quando minha visão volta ao normal, vejo Dave e Pierre rindo.

– “Storm Potter”! – gargalha Pierre, misturando Hogwarts com uma galáxia muito, muito distante, enquanto eu ajeito minha armação.

Tiro, porrada e sabre

Um tanque de guerra com detalhes em branco e partes arredondadas está disposto à frente de um galpão. O hangar em questão é onde são produzidos todos os armamentos de Star Wars. Uma bancada chama atenção, já que acumula dúzias de armas – entre elas o Blaster Dl-44, a arma de Han Solo. Pego para dar uns tiros. Ela emite sons e luzes e dá um coice a cada disparo. Parece um revólver real.

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Um bastão com uma espécie de armadilha de urso presa em sua extremidade, uma lança vermelha e uma metralhadora chamam a atenção: são armas inéditas na série.

– Elas pertencem aos cavaleiros de Ren – afirma Doust, sobre a guarda real do vilão.  – Vão ser bem importantes no próximo filme – completa. Spoiler.

Finalmente encontro o que procurava: um sabre de luz. A base dele é alumínio, não de plástico como nos brinquedos; a lâmina, um pedaço de policarbonato.

–  A ideia é que os sabres sejam resistentes, para que se choquem de verdade nas lutas – explica Rob Seex, outro artista envolvido na produção das armas.

Ele aperta um botão de seu controle remoto. O sabre acende. Pela cor e formato da base, reparo que aquela não é uma arma qualquer: é o sabre de Luke Skywalker. Seex dá o sabre de Kylo Ren para uma jornalista russa.

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–  Lutem. Podem bater para valer.

A arma é ergonômica, feita para prender na mão mesmo com o impacto das batidas. Seex ainda mima a gente: a cada vez que nossas armas se encostam, ele aperta outro botão e o som característico dos embates de Star Wars ecoa pelo salão.

“O sabre encaixa na minha mão como uma luva. Fico tão feliz que até esqueço que uma jornalista russa vai me atacar.” (Marcos de Lima/Superinteressante)

Eu, robô

A poucos metros dos armamentos, na entrada de outro galpão, dá para ouvir gritos animalescos. É uma mistura de cavalo com galinha e anta. A estranheza é maior ainda porque o animal não tem corpo. É uma cabeça sustentada por dois homens que colocam seu braços dentro do pescoço alienígena, a fim de dar movimentos para o bicho. Suas expressões faciais e sons ainda são controladas por um quarto funcionário, via controle remoto.

–  Nós gravamos com uma câmera amadora  e depois mandamos para o Rian [o diretor]. Se ele gostar, entra no filme, senão, voltamos ao trabalho – explica um dos operadores da cabeça.

Percebo então que o recinto está lotado de alienígenas. Alguns inteiros, outros só do pescoço para cima. Sinto algo na minha perna.

BB-8, o robô introduzido no sétimo filme, é quem me cutuca. Dou uma risadinha e sigo olhando para os lados, tentando encontrar algum monstro conhecido nas abarrotadas prateleiras. Vejo a máscara de Chewbacca. BB-8 me cutuca de novo. Dessa vez emite ruídos agudos, como um cachorro irritado, e inclina sua cabeça para o lado. Ele quer um carinho. E só para de apitar quando eu lhe faço um cafuné. Essa é a sacada dos produtores. Criar personagens não humanos que transbordam sentimentos, o que demanda técnicas complexas.

– Tem personagens que são só mecânicos, como o BB-8. Tem outros que são uma fantasia, como o Chewbacca, e outros que são uma mistura dos dois – explica Neal Scalan, o responsável pela concepção das criaturas.

O terceiro tipo é o mais interessante. Neal aponta para uma alien roxa no canto da sala. Um funcionário dita suas feições por controle remoto, mas só o rosto é mecânico. O resto é humano. Um ator entra nela, como em uma fantasia, sem enxergar nada. Não dá para fazer furos para os olhos, então ele fica com um fone de ouvido, recebendo comandos por rádio.

O rosto cheio de detalhes deve custar uma fortuna. Certo, Neal?

– Desde a aprovação do design até o desenvolvimento, um robô pode custar de US$ 5 mil a algumas dezenas de milhões – ele diz. – A questão é saber quando usar cada técnica. Às vezes o digital é importante, mas eu sinto que ter o BB-8 no set também muda as coisas.

Atrás de mim está Carrie Fisher, a princesa Leia, que faleceria 7 meses após minha visita. Quer dizer, quase isso. Leia é, na verdade, uma cópia emborrachada da princesa. A personagem está de olhos fechados, com expressão serena, como se estivesse dormindo.

–  A gente faz essas réplicas para que o ator não tenha que ficar parado em uma cena onde ele não tem que atuar. Se precisar ser carregado também, é uma saída. O boneco é mais leve que um humano – diz Neal.

Era uma casa muito engraçada

Minutos depois, me sinto em uma obra de Escher. Estou em um quadrado de corredores que se ligam entre si, sem levar a lugar nenhum.

– Esses quatro corredores servem para filmar todas as cenas do interior das naves da Nova Ordem –  explica Rick Henrich, designer de produção do filme, que venceu o Oscar pela direção de arte de A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça. – Mudamos os ângulos e fazemos cortes diferentes para dar a impressão de que são dezenas de corredores, mas são só esses aqui mesmo.

Agora somos levados para a sala de storyboards. Nas paredes, mais de 40 fotos servem de referência para uma cena que envolverá 300 robôs em um planeta-cassino. A sala ainda esconde desenhos de personagens montando uma espécie de cavalo colorido e rascunhos das armaduras dos cavaleiros de Ren (em sua maioria, vermelhas com um capacete que esconde a viseira. A exceção é um guerreiro azul com visual espartano). Uma porta se abre.

Mão na arma

De pertinho, as armas mais famosas da série revelam detalhes curiosos

Sabre do Luke
Feito de alumínio, tem ranhuras para simular desgaste.

Sabre do Kylo Ren
Com fios soltos, a arma traz a ideia de que o vilão a modificou.

D1-44 (Han Solo)
O motor dentro da arma reproduz o coice de um revólver.

Eu sou seu pai

Quem entra sem bater é Rian Johnson, diretor do filme, conhecido por ter comandado Looper, filme de ficção científica que chamou atenção pelo grande lucro com baixo orçamento – custou US$ 45 milhões e faturou cinco vezes isso. Ele também dirigiu três episódios de Breaking Bad, entre eles o da mosca (um dos mais detestados) e Ozymandias, antepenúltimo episódio da série (um dos mais amados).

– Meu primeiro filme custou US$ 17 milhões, depois pulei para um com três vezes mais orçamento e hoje estou em Star Wars. Cheguei a pensar “caramba, isso vai mudar tudo”, mas no final sou só eu e grandes atores – afirma o ruivo americano do alto dos seus 1,68 m.

Meses depois, Rian chegaria a ser cotado para dirigir também o nono episódio da saga, depois que Collin Trevorrow foi demitido da sequência. A vaga acabou com J. J. Abrams, diretor de O Despertar da Força, mas o caso levantou dúvidas sobre quanto os diretores podem opinar dentro da saga.

–  Eles me deram bastante liberdade. Claro que se eu falasse “Todo mundo morre nos primeiros cinco minutos, depois Chewbacca faz amor com o R2-D2” as portas iam se fechar, mas estamos atravessando algumas barreiras aqui, levando as coisas para outras direções– diz.

Ousadia, aparentemente, na medida certa. Rian não conseguiu o emprego para o episódio 9, mas ganhou ainda mais: a Disney anunciou que ele será o responsável pela criação de toda uma nova trilogia, que se passará em um canto da galáxia que “Star Wars nunca explorou”, de acordo com o anúncio. Será a Terra?

Não dá tempo de falar mais nada. Rian olha para o relógio, se despede e sai da sala. Pouco depois é a minha vez de me despedir do estúdio de “Space Bears”. Antes de entrar no ônibus, olho para a réplica da ilha irlandesa que escalei no começo do dia. Mark Hamill chegou a declarar que atuar nas montanhas de Skellig Michael foi um dos pontos altos de sua carreira. Da minha também.

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