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Desenhos , magia digital

Acompanhe uma visita exclusiva aos estúdios da Pixar, a empresa que está revolucionando o mundo dos desenhos animados.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h50 - Publicado em 31 jul 2002, 22h00

Dagomir Marquezi / Marcio Penna / Sam Hart

A os 15 anos de idade, ela resolveu se abrir. Mas só um pouquinho. A Pixar Animation Productions convidou um seleto grupo de representantes da mídia internacional para entrar em sua fábrica de sonhos digitais: uma equipe da BBC, três jornalistas franceses, uma japonesa e Dagomir Marquezi, enviado da Super, apaixonado pelo universo digital.

A empresa começou como uma divisão de efeitos especiais da LucasFilms, a produtora de George Lucas. Em 1986, esse departamento foi comprado por Steve Jobs (o legendário criador da Apple) e batizado como Pixar. Veio, em seguida, a parceria com a Disney e um sucesso depois do outro: Toy Story 1 e 2, Vida de Inseto e, agora, Monstros S.A.

A visita fazia parte da campanha de divulgação do DVD de Monstros S.A, o mais completo produto da história dos DVDs, com sete horas de extras que contam, nos mínimos detalhes (e põe detalhe nisso), todo o processo de criação e produção do filme.

A fábrica

A Pixar estabeleceu um novo padrão em matéria de local de trabalho para atividades criativas. Sua sede foi construída num discreto endereço na vizinhança de Emeryville (um subúrbio entre as cidades de San Francisco e Oakland, na Califórnia). Seu terreno, de 60 000 metros quadrados, já abrigou uma fábrica de frutas enlatadas, um campo de beisebol e uma pista para corridas de cavalo. O prédio levou três anos para ser construído até ser inaugurado em novembro de 2001.

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A “fábrica” não se esconde: tem um ostensivo letreiro na entrada. E, dentro de seus portões, impressionam os jardins e o campo de futebol. O imenso edifício-sede, de dois andares, é construído com madeira e tijolos. Surpresa para quem espera a frieza do alumínio e do aço, arquitetura habitual das empresas de tecnologia.

Passada a recepcionista, vemos um pátio com teto de vidro iluminado pelo sol. Nenhum sinal aparente de trabalho. A Pixar recebe os 600 funcionários com restaurante, lanchonete, videogames, mesas de bilhar. Nas paredes, cartazes dos filmes produzidos na casa em japonês, italiano, alemão. Provas do sucesso global que as animações da Pixar alcançam em todas as culturas. Artistas e técnicos cruzam o grande espaço com seus patinetes. São todos jovens, vestem camisa havaiana ou camiseta, bermudas e tênis ou sandálias. Descontração total. A grande atração desse pátio de entrada é uma passarela. Lá acontecem disputadíssimos concursos de aviões de papel.

O guia da visita é Peter Docter (33 anos, casado, dois filhos), o diretor e co-roteirista de Monstros S.A. Com 33 anos e visual de skatista, ele apresenta uma minúscula parte das atrações do DVD numa confortável sala de exibição. É a sala verde, apenas um “quebra-galho”. Ao lado está a sala azul, a “big one”: um cinema de madeira com 250 poltronas de veludo e o melhor som e imagem que a tecnologia digital pode oferecer. Antes da projeção, as luzes se apagam e ouvimos o cri-cri dos grilos espalhados por dezenas de alto-falantes. No teto, luzinhas simulam as estrelas que aparecem no céu do Hemisfério Norte.

Não tivemos acesso ao fabuloso estúdio de som já freqüentado por astros como John Goodman e Billy Crystal. Vamos ao segundo andar, dividido em duas metades – “técnicos” de um lado, “artistas” do outro.

Nossa excursão não tinha permissão para entrar nas salas. Mas é possível ver espaços amplos, bem iluminados. A Pixar ainda não consegue produzir mais de um longa-metragem por vez, mas vários projetos vão sendo tocados nessas salas que transpiram criatividade.

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Ironicamente, a metade “técnica” parece ser mais divertida e anárquica do que a “artística”. É lá que o vice-presidente John Lasseter dá suas festas às terças-feiras. Ali também está o terraço com vista para os gramados, onde Steve Jobs marca suas reuniões. Um grupo está reunido num canto. Discutem seriamente as regras do speed golf, uma variação de minigolfe inventada e disputada ali mesmo, naquele corredor.

Os objetos expostos no corredor dos “técnicos” estão relacionados aos filmes já realizados. Modelos em gesso, esboços, maquetes. Ali está uma lembrança de que mesmo a mais avançada das tecnologias ainda começa seu processo de definição com papel, lápis, tinta e mão na massa.

Cada técnico tem sua sala, e não existe uma igual à outra. Cada um tem o direito de fazer o que quiser com seu espaço. Um dos offices está decorado como uma vila mexicana. Outra sala se inspira nas ilhas do Pacífico, decorada com autênticas máscaras da Polinésia.

Aqueles são homens para os quais o limite entre brincar e trabalhar é sutil. Nas paredes, nenhuma referência ao trabalho. Sofrimento? O mais próximo de zero. Depois de cada reunião pode ter um capuccino lá embaixo ou então uma partida de pebolim.

Entre uma sala e outra existe sempre algum tipo de diversão. Uma sala, uma mesa de xadrez, outra sala, um piano, mais um par de escritórios, um Atari, alvos para dardos, um fliperama. A cada 20 metros, uma minicafeteria com sua máquina de expresso. Afinal, todos sabem que é durante o cafezinho que surgem as melhores idéias.

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O ambiente de descontração é tão forte que o tempo todo os visitantes tinham que ser lembrados que aquela é uma empresa de muitos segredos. Nós só pudemos ver basicamente quatro corredores e o pátio de entrada. A área onde o novo filme (Finding Nemo, a história de um peixe pai que perde o filho e tem que procurá-lo na imensidão do oceano) está sendo produzido é vedada a visitações. Qualquer esboço que for visualizado ali pode acabar chegando às mesas da arquirrival Dreamworks.

Existe um conceito forte em cada tijolo daquele edifício: have fun. Divirta-se. Trabalhe quando e como quiser. Entregue as tarefas em dia, entregue-as bem-feitas e faça o que você quiser do seu tempo. Cineminha? Saudade do filho? Se não tiver nenhuma reunião agendada, as portas estão abertas. Quanto melhor você se sentir, melhor vai trabalhar.

Para uma empresa de mídia, a Pixar está apontando uma utopia altamente produtiva. Essa molecada de bermudas coloridas alterna trabalho duro com diversão, liberdade e uma bela grana. O resultado dessa política está na vitrine, numa esquina do segundo andar: a coleção vistosa de Oscars, Clios, Anima Mundis e outros prêmios internacionais que eles já ganharam em cinema e publicidade. Por trás dos troféus, desenhos feitos por crianças de vários países com os personagens criados ali na Pixar.

Futuro retrô

Existe uma marca presente na Pixar, a empresa que está ajudando a reinventar a tecnologia do cinema: um clima retrô, uma nostalgia que não parece combinar com gente tão jovem. Brinquedos antigos e discos de vinil se misturam a máquinas de jukebox e velhos projetores de 16 milímetros.

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Essa nostalgia precoce entre garotões está presente também em cada um dos filmes produzidos por eles. Toy Story, o primeiro longa feito inteiramente por computador, é uma fantasia sobre brinquedos de plástico e corda que já nem existiam mais quando aqueles garotos nasceram. Vida de Inseto usa como inspiração visual as ilustrações de antigos livros para crianças. E toda a direção de arte de Monstros S.A. se baseou em fábricas da década de 1950, com seus canos mofados e cabos de transporte do filme.

Docter, o diretor de Monstros S.A., considera que parte dessa nostalgia existe porque “é cool”. Mas há uma lógica, e ela está a serviço da história a ser contada: “Depois da Segunda Guerra Mundial, todos aqueles soldados voltaram para casa, aconteceu uma explosão populacional e surgiu um boom de monstros. Havia toneladas de garotos para assustar”, afirma. O desenho Disney favorito de Docter? “Quanto mais eu assisto, mais eu gosto de Dumbo. É tão simples e emotivo. Cinderela também. Começa simples e vai se acelerando e seu coração vai batendo cada vez mais rápido.”

O supervisor de efeitos técnicos Tom Porter, que tem 21 anos de casa, resume o espírito da coisa: “Steve Jobs deixou claro desde o início: ele quer que quando o nome Pixar apareça na tela, provoque a mesma sensação da marca Disney. A marca diz: o que você está para ver é bonito e divertido, e é isso que interessa”. A linha é a mesma desde os tempos de Branca de Neve: misturar qualidade, humor, emoção, histórias conservadoras, vanguarda na linguagem da animação.

“Filmes para família”, com forte apelo infantil, é a opção dos próximos anos – o mesmo credo que, durante décadas, animou a Disney. O mercado de computação gráfica para jovens ainda está nos seus primeiros passos. Existem alguns seriados na TV (como Tropas Estelares) e uma experiência única em longa-metragem “adulto”: Final Fantasy, que não deixou ninguém satisfeito. Tom Porter usa uma imagem divertida para dar uma idéia da frustração que o filme provocou em todo mundo: “As imagens eram ótimas, mas era um filme gelado. Parece um grupo de atores ruins. Não há vida”.

Existem três brasileiros na folha de pagamento da Pixar. Conversei com um deles, o carioca Ivo Koz, 33 anos. Casado com uma executiva financeira, pai de uma menina de 7 meses, torcedor do Fluminense, engenheiro de formação. Está desde 1989 na Califórnia, atuando em computação gráfica. Trabalhou em alguns clássicos recentes do cinema de efeitos especiais: Matrix, Godzilla e Tropas Estelares (o longa original). Na Pixar, Ivo trabalha como diretor técnico desde Toy Story 2. Em Monstros S.A., utilizou um computador Silicon Graphics e programas Maya e Renderman para iluminar cenas e criar cenários.

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Ivo é um dos diretores técnicos. Pega modelos criados em papel e modelagem e os transforma num personagem. Ele também cria cenários e, às vezes, os “ilumina”, tudo no universo virtual. O mais difícil? “Criar pêlos é um problema. O visual dos humanos é difícil, pois a gente não faz nem realista nem cartum. A representação de elementos naturais, como água, é outro desafio.”

Soft e hard

A evolução da computação gráfica dá a impressão de que, por ser mais complexa, ela está ficando cada vez mais difícil de ser realizada. Ivo diz que é o contrário: “Os softwares estão mais interativos. Você pega um modelo de cadeira já pronto e a transforma na cadeira que você quiser. Está cada vez mais fácil. Daqui a pouco vai ter catálogos de superfícies, de cores e você apenas adapta o que você quer. Basta dar uns cliques em imagens prontas. Automático”.

O brasileiro trabalha com instrumentos desenvolvidos originalmente em programas de inteligência artificial. “Para movimentar os três milhões de pêlos independentes do Sullivan (de Monstros S.A.), usamos controles para que esse movimento se torne aleatório”, diz. “Você pega uma superfície lisinha de madeira, por exemplo. Para criar ranhuras, manchas e fendas são usados fractais. Às vezes, quando queremos fazer uma mesa bem realista, simplesmente escaneamos uma mesa de verdade.”

A melhor conseqüência do aperfeiçoamento é que estúdios menores que a Pixar ou a Dremworks estão colocando seus produtos no mercado. Jimmy Neutron foi produzido por um modesto estúdio texano. A Idade do Gelo, por uma empresa pequena de Nova York. Final Fantasy foi realizado no Havaí por uma empresa japonesa com pessoal americano.

Ivo deixa a entrevista para voltar ao seu escritório. Ele está trabalhando em Finding Nemo. O brasileiro empacou numa cena em que o pequeno peixe é engolido pela grande baleia. “Tenho que mostrar o peixinho passando pela língua da baleia e a água entrando junto. Ninguém nunca viu uma cena dessas para me contar como é.” O resultado de todo esse trabalho poderá ser conferido em 2003.

Pixels animados

A Pixar afia seus instrumentos realizando curta-metragens premiados. Conheça alguns deles agora

1986

André & Wally B., quando a empresa ainda era de George Lucas.

1986

Luxo Jr., inspirado por objetos que os desenhistas têm em seus escritórios

1987

Red’s Dream inovou ao apresentar cenas noturnas, raras no mundo da animação digital.

1988

Tin Toy, com brinquedos retrôs, o primeiro filme com as expressões animadas digitalmente.

1989

KnickKnack, outra experimentação com o universo surrealista do cartum.

1997

Geri’s Game, a história de um velhinho que joga xadrez consigo mesmo, ganhou o Oscar de melhor curta de animação.

2001

For the Birds, que retrata pássaros pousados em um fio elétrico, serviu para o estúdio experimentar a linguagem de cartum.

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