Secos & Molhados – Secos & Molhados – Continental – 1973
Originalidade, lição 1: Não há nada no mundo, nem feito antes, nem durante, nem depois, sequer parecido com o Secos & Molhados e o som que o grupo registrou em seu primeiro e antológico álbum. A carreira da banda foi tão rápida e sua eficiência tão intensa que não houve tempo direito para que a gente entendesse direito o que se passava. Foi a carreira perfeita, nos conceitos do rock. Era absolutamente brasileiro, mas era glitter, era delicado e agressivo nas doses certas e, acima de tudo, tinha muito apelo comunicativo. Era pop até não poder mais – desde as canções até o visual (e a antológica capa do disco, claro). Extremamente bem tocado e gravado, apesar dos parcos recursos de estúdio da época, até hoje o frescor de faixas como “Assim Assado”, “Fala” e “Sangue Latino” se mantém intacto.
Gilberto Gil – Expresso 2222 – Philips – 1972
Ao voltar do exílio, onde viu frustrado o sonho de uma carreira internacional, Gilberto Gil tratou de remontar as peças que sobraram do tropicalismo. O puzzle tinha Jackson do Pandeiro e João do Vale eletrificados pela guitarra de Lanny Gordin – o matuto de rolê pelas grandes cidades. Se a ditadura tinha obrigado todos a cair na real, Gil replicava: “Quem não dormiu no sleeping bag nem sequer sonhou”. O mangue beat de Chico Science tiraria os pés da lama na década de 90 a partir de discos como este.
Tim Maia – Tim Maia – Polydor – 1970
Nas internas da gravadora, ele era o doidão da firma. Para o público, o vozeirão que fazia dueto com Elis em “These Are the Songs”, do disco Em Pleno Verão (1969). Na estréia solo, a voz de barítono apresentava o parceiro de soul Cassiano (“Primavera”) e o amigo de Clube do Rock Carlos Imperial (“Cristina”). O soul no vaivém manhoso de “Azul da Cor do Mar” ou no lombo do funk-baião de “Coroné Antônio Bento” apresentava novos caminhos para a música brasileira, desatrelados de qualquer rabicho tropicalista.
Novos Baianos – Acabou Chorare – Som Livre – 1972
Os Novos Baianos já haviam incorporado oficialmente os músicos do A Cor do Som. Então, deram conta do tal “som universal”, de Gil e Caetano, na base do “imagem não é nada”. Instalados num sítio em Jacarepaguá (Rio), adestraram a guitarra elétrica hendrixiana para receber sem medo a música de Jacob do Bandolim. Culpa de João Gilberto e suas visitas inesperadas dos tempos de Botafogo. Lisergia, futebol e (por que não?) baianidade dando conta da fusão que a tropicália esboçou entre palavras de ordem e roupas de plástico.
Erasmo Carlos – Carlos, Erasmo – Philips – 1971
O mais curioso entre os jovem- guardistas, Erasmo mantinha-se atento a todas as manifestações musicais que se sucederam. Depois de uma viagem para Londres, recém-casado com Narinha, tratou de montar no cavalo doido da psicodelia britânica, para ver no que dava. E deu em Carlos, Erasmo, o avesso do Tremendão, a afirmação do artista maduro e ousado com muito soul e lisergia. O radicalismo da experiência pode ser medido só com o título das canções “Sodoma e Gomorra” e “Maria Joana”.
Milton Nascimento e Lô Borges – Clube da Esquina – Odeon – 1972
Um dos grandes momentos de criação pura e alegria espontânea do rock brasileiro. Um artista já estabelecido (Milton) e um manancial de energia bruta (Lô), um bando de amigos com muita coisa a dizer, refletindo desde a psicodelia tropicalista (“Pelo Amor de Deus”) até latinidades explícitas (“Dos Cruces”), passando por beatlemanias como “Um Girassol da Cor de Seu Cabelo” e “Nada Será Como Antes”. Tudo com aquele clima de criatividade contida pela timidez, de talento contido pelos tempos difíceis.
Gal Costa – Fa-tal / Gal a Todo Vapor – Philips – 1971
Com seu cabelão incontrolável, ninguém podia segurar Gal – ela vinha de uma sucessão de discos explosivos e nada seria melhor do que registrar o fogo queimando em um álbum ao vivo. Ela estava com Jards Macalé, estava com Lanny Gordin, estava, de fato, a todo vapor. Enturmada com os melhores músicos, ainda revelava novas forças compositoras como Luiz Melodia (“Pérola Negra”). No palco, livre das quatro paredes do estúdio, “Como 2 e 2” e “Vapor Barato” poderiam ser o que ela quisesse. Depois viria o furacão tropical…
Walter Franco – Ou Não – Continental – 1973
O “hit” desse disco é a angustiante colagem de vozes chamada “Cabeça”. Por aí, você já imagina o resto. Ou Não é um disco desafiador e inquieto, feito sobre os escombros tropicalistas, com a intenção (ilusão?) de levar seus ideais até onde o público pudesse suportá-los. Pesado e cerebral, Walter Franco foi fundo na transposição da poesia concreta para a música (perto de “Mixturação”, coisas como “Batmacumba” ganham um estranho ar de jovem guarda), abrindo o caminho onde gente como Arnaldo Antunes trafega.
Caetano Veloso – Transa – Famous – 1971
É curioso que Caetano, famoso pelo controle artístico que impõe à carreira, tenha gravado seu melhor disco conduzido pelos braços do acaso. Transa é rock’n’roll global modelo 71 da melhor cepa, absolutamente mergulhado na realidade e no sotaque brasileiro/nordestino. “You Don’t Know Me” e “Mora na Filosofia” têm arranjos intrincados (cortesia de Jards Macalé), bordando cada verso, costurando uma cama poderosa em que se desenrolam grandes “climas”. Dos bons tempos em que se “transava um som”, sacou?
Sá, Rodrix e Guarabyra – Terra – Odeon – 1973
Mais um exemplo da explosão de criatividade que o pop brasileiro viveu na virada entre os anos 60 e 70, o rock rural tem neste disco sua bíblia. Hits nacionais como “Mestre Jonas” e “O Pó da Estrada” reúnem os vocais inspirados do trio, violões e guitarras cirurgicamente ensaiados e o acompanhamento dos músicos que dali a pouco embarcariam na viagem progressiva d’O Terço. Terra foi o segundo e último disco da fase clássica do SR&G e um disco para ensinar muito a jovens fãs de “alt country”.
Raul Seixas – Krig-ha, Bandolo! – Philips – 1973
O guru, o roqueiro saudosista, o produtor, o ocultista… De todas as encarnações do “ator” Raul Seixas (como ele se definia), Krig-ha, Bandolo! é a que mais se aproxima do Raul Seixas verdadeiro. As influências de Bob Dylan, Roberto Carlos e tropicalismo estão lá, as reminiscências da música folclórica nordestina também, mas o texto (grande talento de Raul) surge mais puro do que seria a partir de então, ainda distante das encucações místicas/marqueteiras que o tornaram famoso.
Zé Ramalho e Lula Cortês – Paêbiru, o Caminho do Sol – Rozemblit – 1975
Um dos discos de rock psicodélico mais raros de todo o mundo, Paêbiru é um mergulho forte na lisergia nordestina equivalente ao que o Quinteto Armorial fazia com a música medieval. Assustadoras similaridades entre os bosques enevoados do rock internacional e os fantasmas da caatinga, com presença célebre de Paulo Rafael, Robertinho de Recife, Geraldo Azevedo e Alceu Valença. Destaque para os 7 minutos de alucinação musical “Nas Paredes da Pedra Encantada, os Segredos Talhados de Sumé”.
Fagner – Orós – CBS – 1977
Surgido aparentemente do nada, liderando um certo “pessoal do Ceará”, Fagner já tinha sucessos como “Fracassos” e “Canteiros” e um LP antológico, Manera Frufru, Manera. Quando chegou com status de astro à CBS (onde trabalhou como diretor artístico), Fagner cometeu seu trabalho mais radical, arranjado por Hermeto Paschoal, com novos poemas de Cecília Meireles musicados e muito experimentação. “Cebola Cortada” foi o mais próximo de um sucesso radiofônico. Tudo bem: na época, para ele, havia valores mais importantes.
Jorge Ben – A Tábua de Esmeralda – Phonogram – 1974
O samba-rock de arena que o consagraria na década de 80 já havia sido ensaiado antes deste disco. Mas A Tábua de Esmeralda ainda é uma espécie de bonança antes da tempestade. Certo misticismo paira no ar, mas é a poesia suburbana, surrealista e de alto requinte em “Brother” e “O Homem da Gravata Florida” que se sobressai neste álbum. Inclui também “Os Alquimistas Estão Chegando os Alquimistas” e o pungente retrato da negritude de “Zumbi”. E, claro, aquele violão rascante que deixou saudade.
O Peso – Em Busca do Tempo Perdido – Polydor – 1975
Antes do glorioso rock pauleira ser importado como “stoner rock”, no fim dos anos 90, O Peso já reunia todas as ilicitudes do gênero: riffs envenenados martelando a cabeça, vocal angustiado na paranóia e letras sobre… O quê mesmo?… Ah, maconha, claro! Os feios, sujos e malditos transpiravam arranjos (com piano!) para desdenhar o romantismo careta do mercado fonográfico (“Me Chama de Amor”) e escandalizar geral (“Lúcifer”). Inédito em CD oficial, a versão pirata negociada no mercado negro inclui o single “Pente” como bônus.
Banda Black Rio – Maria Fumaça – WEA – 1977
A maior aposta da gravadora para o “movimento Black Rio”, a banda reunida por Oberdan Magalhães fazia com incrível naturalidade e sapiência a fusão do soul e do funk com a música brasileira. Arranjos cinco estrelas de “Casa Forte” (Edu Lobo) e “Na Baixa Do Sapateiro” (Ary Barroso) supriam qualquer discurso engajado. Grooves modernos, anunciando o rap, com cuícas e bateria de samba – tudo o que Marcelo D2 precisava para poder tirar sua onda, mais de 20 anos depois.
Arnaldo Batista – Loki? – Philips / Phonogram – 1974
Amargurado pelos descaminhos progressivos dos Mutantes, Arnaldo Baptista tirou das vísceras o álbum Loki?. Com a base do grupo, Liminha (baixo) e Dinho (bateria), revelou com mais cores o instrumentista brilhante que sempre foi. Alguns conceitos do passado ainda estão presentes, como “Uma Pessoa Só”, mas “Será Que Eu Vou Virar Bolor?” e “Vou Me Afundar na Lingerie” exibem um humor peculiar que, nos Mutantes, quase sempre era creditado a Rita. A fossa em seu momento tragicômico.
Alceu Valença – Vivo! – Som Livre – 1976
Da geração de “vioelétricos” que se revelou ao Sudeste entre 1973 e 1976, Alceu era a imagem mais forte, com barbas e cabelos longos e carisma evidente. Logo em seu segundo trabalho solo, escolheu registrar o intrigante show que apresentava pelo Brasil (com Zé Ramalho e Paulo Rafael na banda). Quase todo de material inédito, Vivo! é um atropelamento de guitarras pesadas, violas cortantes e temas agrestes (“Sol e Chuva”, “Casamento da Raposa com o Rouxinol”), com uma teatralidade e uma “entrega” que fizeram sua fama.
Frenéticas – Caia na Gandaia – Atlantic / WEA – 1977
As garçonetes de Nelson Motta só poderiam ter se transformado em estrelas pop nos loucos tempos da discoteca mesmo. Mas atrás daquela gandaia toda estavam as assinaturas de Roberto e Erasmo, Rita Lee, Gonzaguinha, Eduardo Dusek e do patrão. O sucesso das meninas não era, como o clichê chateia, somente uma questão de tempo. Tinha de ser ali, naquela hora. Depois, quem não dançou, dançou. Implacável, o mesmo tempo – e os mistérios do showbiz – não permitiria que colocassem as asinhas de fora no rock dos 80.
O Terço – Criaturas da Noite – Copacabana – 1975
Os Mutantes pós-Rita podem ter sido a mais poderosa banda progressiva do Brasil, mas O Terço foi a mais inventiva e a que melhor sobreviveu ao tempo. Seus temas mais pesados (“Hey Amigo” e “Volte na Próxima Semana”) ganharam a simpatia dos rocks mais ingênuos, mas o lado mais bucólico da banda (“Jogo das Pedras” e a faixa-título) é a ponte para o rock rural e o pop que o 14 Bis (formado pelo tecladista Flávio Venturini) praticaria depois. E mesmo no prog legítimo (“1974”) a peteca não cai.
Cassiano – Cuban Soul/ 18 kilates – Polydor – 1976
Militando na causa da soul desde o tempo de Os Diagonasi, Genival Cassiano construiu carreira errática pontuada por baixos mercadológicos e altos criativos. Depois de alguns anos em que foi vendido como uma alternativa a Tim Maia, finalmente Cassiano descobriu o sucesso com a balada “Coleção” (da trilha da novela Locomotivas), que lhe permitiu gravar o disco mais bem produzido de sua carreira, em que toca diversos instrumentos. O álbum ainda traz seu outro grande sucesso, “A Lua e Eu”.
Tim Maia – Tim Maia Disco Club – Atlantic / WEA – 1978
Os passos de Tim Maia nos tempos da discoteca não descaracterizaram sua música. Balanço ensaboado, metais entrosados e calorias pelo ralo. Obra maior do “síndico”, gerou o superhit “Sossego” e “A Fim de Voltar”– e ele voltou, do misticismo Racional e dos discos em inglês, para fazer a galera cantar nos embalos de sábado à noite. Em seu Disco Club, hedonismo e inspiração dançam de mãos dadas, selando a paz (temporária) do artista com o mercado fonográfico.
Rita Lee & Tutti-Frutti – Fruto Proibido – Som Livre – 1975
Os Mutantes já estavam se esfacelando quando Rita veio com a forra. Perto de seus pares de rock, ela e sua banda estavam milhares de anos à frente na evolução da espécie. As guitarras robustas de Luiz Carlini não comprometiam a viabilidade comercial de Rita – a parceria “Agora Só Falta Você” mostra o casamento harmonioso entre os dois. Hard rock como T.Rex, mas brasileiro como Lamartine Babo, numa mistura digna do passado mutante. E “Ovelha Negra” conseguia a proeza de agradar fãs neófitos e velhos brutos.
Gilberto Gil – Realce – WEA – 1979
Dez anos depois do tropicalismo, Gilberto Gil engalfinhou-se com os ritmos africanos em Refazenda (1975) e Refavela (1977). Atualizado pelo funk e a disco da época, levantou-se, sacudiu a poeira e, com o acompanhamento luxuoso do Earth, Wind and Fire, atingiu picos de popularidade. O pop e o reggae recebem aquele abraço para gerar hits como “Toda Menina Baiana” e a faixa-título (“quanto mais purpurina, melhor”, mais inconseqüente, impossível), além da versão “Não Chore Mais”, trazendo Bob Marley para a boca do povo brasileiro.
Rita Lee – Rita Lee – Som Livre – 1979
O futuro – e o Tutti-Frutti – já havia absolvido Rita Lee. Disposta a fazer amor, e não a guerra, rompeu com o grupo e bandeou-se com Roberto de Carvalho. Sua estréia (realmente) solo é um batismo beeem pop. As camas de teclado de Lincoln Olivetti entraram em cena, para ela deitar e rolar com o maridão. Os sucessos continuavam num ritmo alucinado, como numa corrida de dominós: “Mania de Você”, “Chega Mais”, “Doce Vampiro”… Se o rock avançou com sede rumo aos estádios nos anos 80, quem acendeu o fogo foi Rita Lee.