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E se a capital do Brasil ainda fosse o Rio de Janeiro?

De fato, se a capital ainda estivesse à beira-mar, a pressão popular sobre as decisões do governo federal seria muito maior do que se vê em Brasília.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h54 - Publicado em 31 jul 2003, 22h00

Artur Louback Lopes

O Lula já estaria com muita gente protestando na sua porta.” Essa foi a primeira idéia que veio à cabeça do cientista político Carlos Novaes ao pensar no cenário do Rio de Janeiro como sede do atual governo. De fato, se a capital ainda estivesse à beira-mar, a pressão popular sobre as decisões do governo federal seria muito maior do que se vê em Brasília. O adensamento urbano carioca possibilitaria a reunião de grandes massas em movimentos reivindicatórios. Basta dizer que no Rio vivem hoje cerca de 4 600 habitantes por quilômetro quadrado. Em Brasília, o número cai para 350.

E esse contingente seria bem maior se a Cidade Maravilhosa ainda abrigasse a administração federal. De 1960, ano da transferência da capital, a 2000, data do último censo, a população carioca foi a que menos cresceu entre as capitais. Não se pode afirmar que o Rio acompanharia o ritmo de crescimento de São Paulo, nem que receberia os migrantes que povoaram Brasília. Afinal, a capital paulista passou por uma explosão demográfica incomum, motivada pela industrialização, e o novo Distrito Federal nasceu do nada, atraindo muita gente interessada na sua construção. Mas pode-se dizer que a mudança da capital estimulou dois tipos de movimento, que contribuíram para o esvaziamento do Rio: imigrantes passaram a preferir destinos como São Paulo e Brasília, em vez da antiga capital, e antigos moradores emigraram, alguns envolvidos com a burocracia federal, outros pela queda da qualidade de vida na cidade.

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De fato, a perda do status de capital levou consigo o dinheiro ligado à presença da burocracia, gerando um empobrecimento da cidade, que culminaria, ao longo dos anos, no crescimento da informalidade e na escalada da violência. Segundo o sociólogo Luís Antônio de Souza, do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, a presença do poder público federal poderia ter evitado muitas das agruras sofridas pelos cariocas nos últimos 40 anos. “Poderia haver maior controle sobre o tráfico de drogas e armas, com a presença dos Três Poderes”. Souza não descarta, entretanto, um outro panorama, muito mais pessimista. Como capital, o Rio receberia um fluxo maior de imigrantes, veria crescer ainda mais as favelas e subúrbios e as áreas mais ricas e seguras se isolariam definitivamente. “Nesse caso, a cidade seria ainda mais violenta.”

Ao mesmo tempo em que o Rio de Janeiro se esvaziava, Brasília crescia, baseada em vultosos empréstimos externos e financiamento inflacionário. Calcula-se que a construção do novo Distrito Federal tenha custado de 2% a 3% do PIB, ao longo dos quatro anos de obras. Em valores atuais, isso representaria um investimento de 6 a 10 bilhões de reais por ano, valor semelhante ao Orçamento anual da cidade do Rio, calculado em 8 bilhões de reais para 2003. Ou seja, sem Brasília, nossa dívida externa com certeza seria menor e, conseqüentemente, os juros, hoje, seriam menores.

Mas a construção de Brasília teve outras conseqüências, além de onerar as contas públicas. Primeiro, estimulou o povoamento de algumas regiões do Centro-Oeste, principalmente no entorno da nova cidade e ao longo das rodovias construídas para ligar a capital ao resto do país. Sem esse impulso, o interior do país ainda seria uma espécie de faroeste, uma terra meio sem lei, isolada por milhares de quilômetros do centro de poder. Além disso, a mudança da capital pariu uma classe profissional que se nutriu não só de muito dinheiro, mas de poder para interferir na vida política brasileira: os empreiteiros. “Houve muita promiscuidade no trato com esse tipo de empresário”, afirma Maria Victoria Benevides, cientista política.

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Brasília, no entanto, não gerou apenas problemas políticos e econômicos. No Planalto Central nasceram, a partir dos anos 80, algumas das principais bandas do rock brasileiro. Segundo o crítico Arthur Dapieve, “a porção mais politicamente engajada do nosso rock nasceu ali”. E não foi por acaso. A proximidade do poder, o contato com culturas estrangeiras por meio de filhos de embaixadores e o fato de a maioria dos roqueiros brasilienses ter pais ligados ao funcionalismo público são algumas razões para o surgimento desse movimento no Distrito Federal. Sem isso, adeus aos versos de Legião Urbana, Plebe Rude, Capital Inicial e Raimundos.

Vizinhança privilegiada

A massa de aposentados no Rio não aceitaria a reforma da Previdência

O principal projeto do governo Lula até aqui, a reforma da Previdência, dificilmente seria concluído se o Rio de Janeiro continuasse como capital federal. Se já está difícil conciliar tantos interesses contrariados na distância e no isolamento de Brasília, imagine a gritaria se a sede do governo estivesse encravada entre os maiores beneficiários da atual política previdenciária, os servidores federais. Há vários fatores que tornariam a situação explosiva no Rio. Primeiro, o número de servidores em atividade seria enorme. O Rio de Janeiro já é, hoje, o estado que mais possui investimentos federais, na forma de hospitais, unidades das Forças Armadas e outros órgãos públicos que restaram por lá depois que o presidente se mudou.

Se continuasse capital, o investimento federal na cidade seria ainda maior e os funcionários públicos constituiriam uma das maiores forças econômicas da cidade. Além disso, os servidores possuem uma série de mecanismos que lhes permitem se aposentar mais cedo, às vezes aos 40 anos. Resultado: os aposentados seriam uma massa organizada e cheia de saúde e juventude para brigar. Babau reforma.

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Foto: GettyImages

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