Quase dez minutos de poesia pós-punk de cordel, sem refrão e vetada pela Censura. Depois de “Faroeste Caboclo” se tornar um hit nacional, tudo o mais era permitido à Legião Urbana, que iniciou o maior caso de veneração e populari-dade do rock brasileiro
Quando o garoto acordou naquela manhã de 1988, mal conseguiu sintonizar sua rádio preferida. O sono era tanto que o botão do dial, do seu três-em-um invocado, insistia em achar uma estação que tocava Rosana. Com muito sacrifício conseguiu, enfim, encontrar a emissora. A música no ar lhe pareceu estranha. Ainda buscando uma cura para a ressaca que lhe secava a boca, abriu a janela, tomou um copo d’água e foi escovar os dentes. Quando voltou, quase 10 minutos depois, a canção ainda tocava. Foi a primeira vez que escutou os 159 versos de “Faroeste Caboclo”, épico escrito por Renato Russo em 1979 e que lançou, definitivamente, a Legião Urbana ao estrelato e inscreveu seu nome na história.
Naquele mesmo dia, o garoto escutou a triste sina de João de Santo Cristo pelo menos sete outras vezes. As rádios tocavam freneticamente a música, que em pouco tempo assumiu o primeiro lugar nas paradas de sucesso. Era fácil achar rodas de adolescentes pelas ruas tentando decorar a enorme letra sem um refrão sequer.
“Faroeste Caboclo”, lançada no final do ano anterior ao do LP Que País É Este, foi “interditada à execução pública e radiofusão”, como explicava um adesivo pregado na capa do LP. As emissoras de FM tiveram de colocar um sinal sonoro sobre os palavrões da letra.
Pior do que a censura sofrida pela música foi a má vontade da crítica especializada com o novo álbum da Legião Urbana. “Nunca vou me esquecer do que saiu bem grande num jornal de São Paulo: ‘Legião lança disco esquálido e primitivo’”, lembrou Renato Russo em 1991. “Pois o crítico que escreveu isso teve de ouvir a música por mais de um ano, tocando sem parar, em todas as rádios.”
“Faroeste Caboclo” foi o maior sucesso radiofônico de 1988 e, mesmo sem refrão, se tornou obrigatória em bailinhos, sempre cantada em coro. A canção impulsionou a vendagem do terceiro LP da banda e ainda colocou os “punks de Brasília” em primeiro lugar no Globo de Ouro, espécie de Top of the Pops no horário nobre da Rede Globo, o maior termômetro de sucesso na época.
“Acho que (o sucesso) tem a ver com a tradição da música folclórica no Brasil, de possuir uma ligação forte com a narrativa – a música sertaneja tem muito disso”, analisou Renato logo em 1988. “Fora o fato de a música falar de um cara que está sofrendo altas dificuldades, tentando manter sua honra. As pessoas se identificaram com isso.”
Renato Russo falou também sobre o protagonista da história: “Um motorista de táxi me disse que era a história do irmão dele. Tem outros que dizem que eu conheci um marginal e fiz a música. E não é. A música é totalmente fictícia. E é engraçado porque o João de Santo Cristo é um garoto da classe média e as pessoas, parece, não percebem isso. Ele era filho de fazendeiro e o pai dele foi assassinado. Então foi para o reformatório porque não havia ninguém para tomar conta dele. Mataram praticamente toda a sua família e, por isso, ele é revoltado. Acho que, por causa da situação atual do país, as pessoas estão pegando a coisa pelo lado mais comum. E não é. A música é shakespeareana, até. Uma coisa totalmente absurda!”
Recentemente, Flávio Lemos, baixista do Capital Inicial, revelou que a inspiração para “Faroeste Caboclo” teria sido um relacionamento que ele viveu com uma prima de Renato Russo. “Estava no Rio de Janeiro, na Ilha do Governador, na casa da tia do Renato Russo. Ele gostava de uma prima, a Mariana, e eu sabia, mas não rolava nada entre os dois. Fomos viajar para Búzios, a turma toda, menos Renato. E eu fiquei com a prima dele, transei com ela – foi minha primeira vez. A prima voltou antes para casa e contou a história para todo mundo. Quando voltei, ele já sabia. E considerou aquilo uma traição. Cheguei de madrugada, tinha viajado a noite toda, e ele me acordou bem cedinho. Renato tinha passado a noite inteira escrevendo a música. Ele me disse que eu era o Jeremias, o maconheiro sem-vergonha. Ele era o João de Santo Cristo – olha o nome que ele deu a si mesmo! E a prima Mariana era a Maria Lúcia. Renato criou um épico com essa história.”
“Faroeste Caboclo” virou um clássico do rock nacional e é uma das músicas mais executadas pelas rádios em todos os tempos. E transformou uma banda de sucesso, como tantas outras em sua época, num legítimo objeto de culto, maior do que qualquer outro.
O sucesso do épico de João de Santo Cristo ocupava o espaço que, havia um ano, era do RPM. O rock brasileiro dos anos 80 dava sinais de esgotamento artístico e mercadológico, mas a Legião Urbana vinha em curva ascendente. Ainda que tenham se destacado do movimento após 1988, os brasilienses eram perfeitamente integrados à geração que sacudiu o Brasil ao longo daqueles anos.
Quando a Blitz lançava “Você Não Soube Me Amar”, a Legião Urbana arriscava fazer punk rock em Brasília. Quando os Paralamas do Sucesso alcançavam o sucesso, os primeiros a quem estenderam a mão (incluindo a cover de “Química”, de Renato Russo, em seu primeiro LP, Cinema Mudo), foi à Legião. Quando o circuito pós-punk fervilhava em São Paulo, Renato, Dado e Bonfá estavam lá, tocando no Napalm e assistindo a vídeos no Rose Bombom. No auge do sucesso de sua geração, a banda emplacou “Será”, “Tempo Perdido” nas danceterias e “Eduardo e Mônica” nas rádios. A entrevista a seguir, conduzida por Sonia Maia e publicada pela revista Bizz em abril de 1989, rememora os primeiros passos do grupo, dos tempos de Brasília até o “choque” com o circuito profissional.
Nos tempos de Brasília, vocês tinham contato com o que estava acontecendo em São Paulo, por exemplo?
Renato – Não! Achávamos que éramos os únicos punks do Brasil!
E como ficaram sabendo da movimentação? Alguém foi para São Paulo?
Dado – Eu fui. E vi um cara com uma camiseta do Ramones.
Renato – Quer dizer, algumas pessoas falavam. Por exemplo, o Ezequiel Neves, em sua coluna (na revista Pop), em que ele assinava Zeca Jagger, Zeca Rotten. Mas parou aí. A gente realmente achava que não tinha nada.
Dado – Na verdade, se eu ia a São Paulo de férias, ficava nos Jardins, na casa da minha prima milionária. Quando fomos ao Napalm, é que sentimos! Aí foi f***!
Renato – Porque até então era só o lance musical. O Punk Rock Movie – que mostra o Clash no começo, Siouxsie –, conheci só no Rose Bombom. Fiquei horrorizado! Não tínhamos vídeos, nada. Então, assistir a Siouxsie conversando com a Cat Wornan com aquela garrafa de água mineral cheia de bolinhas na mão e engolindo tudo! O Sid Vicious se cortando com a gilete… Aquilo era muito, muito negativo. Paradoxalmente, a gente tinha essa coisa toda do punk, mas era muito positivo – pegávamos sol de manhã, íamos ao Rio, uma coisa supernatural. Quando fui a São Paulo, pensei: “Opa! Isso é verdade?” No dia em que tocamos no Napalm, meu Deus! Que paranóia! Se eu soubesse, tenho certeza de que não tinha batido tão forte. Imagine eu, que tenho formação católica… Rebeldia, rebeldia, mas…
Dado – Acho que o glamour todo tomou uma forma muito negativa. Você ver o cara se cortando com a gilete, aquilo não fazia parte da nossa viagem.
Contem mais sobre a chegada a São Paulo.
Renato – Eu era o empresário da banda e, não sei por que cargas d’água, viemos para o Rio, onde ficamos sabendo de algumas casas noturnas em São Paulo. E entrei em contato com o pessoal de lá – lembro que ficava horas e horas falando com a Fernanda (promoter do Napalm, atual esposa de Dado), e ela já conhecia muitas bandas. Porque, mesmo entre as pessoas que sabiam de certas bandas, havia algumas – como Young Maible Giants, minha favorita – que pouca gente conhecia. E pintou uma superempatia, pois a Fernanda tinha morado em Nova York… Bem, e assim armamos essa apresentação em São Paulo.
Dado – No dia do show, estava havendo uma polêmica, porque o dono da casa, o Ricardo Lobo, em vez de pagar cachê para as bandas, fornecia um vídeo. Só que ainda por cima você tinha de dar a fita para ele gravar. A gente passando o som e estavam lá as Mercenárias, o Thomas Pappon, sei lá, um monte de gente discutindo com ele sobre esse esquema. Pensamos: “Não vamos nos deixar filmar também! Vamos tomar partido da nossa classe!”. Subimos no palco e Ricardo pegou o vídeo. Aí desceu o Bonfá da bateria, dizendo para ele parar de filmar. Hoje em dia, é uma pena porque somos a única banda que não tem vídeo daquilo!
Renato – Logo eles perceberam que a gente sabia de alguma coisa, porque usávamos as camisetas, as roupas e tudo. Mas, comparando, éramos filhinhos de papai em Brasília.
Dado – Tanto que no show o pessoal falava “Mais forte, filho de general!”
Renato – Mas acho que as pessoas gostavam. A gente sempre teve uma coisa meio pop. O Aborto era meio MC5 e o Legião mais Jam. E acho que eles gostavam, porque até hoje temos amigos lá. Se fôssemos uma banda ruim mesmo, não deixariam a gente tocar no circuito todo que fizemos: Woodstock, CIash, Paradise etc. Era bacana, porque tinha uma galera que sempre ia aonde a gente tocava.
Dado – No Rádio Clube, logo depois da gente, tocou O Terço. Eu desci e chegou o Alex (Antunes, jornalista e vocalista do grupo Akira S & As Garotas Que Erraram) dizendo: “Aí, tá vendo, seu merda! Vai lá ver o Terço e aprender a tocar guitarra”. Eu olhei para ele com uma cara de ódio!
O que chocou vocês, além disso?
Renato – A gente foi de ônibus e não sabia… Porque eu nunca percebi nossas letras como uma coisa urbana. Era, mas eu via mais como uma coisa emotiva.
Então por que o nome Legião Urbana?
Renato – Por causa da turma e porque éramos da cidade. Eu sempre inventava nomes para a turma. Era para ser Organização do Desespero, O.D. Mas aí as pessoas falaram: “Pô, Renato! Que nada! A gente não é dessa turma!. Depois foi Sociedade Pré-Cambriana. Não deu certo e a organização virou desorganização. Desde pequeno eu era ligado em filmes de “tchurmas” e, aí, armei a turma. Eu era muito pentelho – juntava as pessoas, tipo “O que vamos fazer hoje? Vamos mudar o mundo!”, e não-sei-o-quê. Eu era uma espécie de catalisador. Várias pessoas eram, mas eu insistia muito nisso. E eu nunca tinha percebido o lance de cidade mesmo, desemprego… Isso me espantava muito. A gente morava bem e em SP fomos parar lá no bas-fond mesmo, na sujeira. A Fernanda morava perto da Praça da República e era aquela coisa: você abria a porta da geladeira do apartamento de um cara e tinha só um litro de vodca. Coisa de junkie (risos)! E eu: “Mamãe! Eu quero minha mãe!” Era fogo, porque a gente estava acostumado a acordar de manhã, geladeira cheia e, em São Paulo, íamos tomar um chocolate no boteco e falávamos: “Moço, põe mais um pouquinho de Nescau!” E ele: “Não, tem de pagar mais tantos cruzeiros”. E a gente: “Por favor!” Vivíamos assim, de iogurte, on the road mesmo, dormindo no chão, superemocionante.
Dado – Edgard (Scandurra, Ira!) emprestava os pratos de bateria… Eu andava São Paulo inteira atrás de instrumentos.
Renato – Poxa, como o pessoal ajudou a gente! Claro, umas pessoas eram mais amigas que as outras. Então, o pessoal do Azul 29 ajudou a gente pra caramba. Até as coisas menores, como pagar um milk-shake ou dar uma carona para tal lugar. Ou explicar um pouco como funcionava a cidade. Eu lembro das pessoas falando: “Olha, não liga não, São Paulo é assim mesmo!” E a gente andando de metrô – parecia que estávamos na Alemanha. Porque em Brasília morávamos com os nossos pais. Éramos rebeldes e tal, mas domingo, 3 da manhã, voltávamos para casa. Em São Paulo foi a primeira vez que tivemos contato com os jovens da nossa idade que moravam sozinhos, que tinham um emprego, sua própria casa, sua própria vida, e ninguém mandava neles. Em Brasília as pessoas namoravam e tudo o mais, mas era meio escondido – sexo era coisa que rolava, mas não muito. Em SP existia essa maturidade de comportamento. Já havia transado antes de chegar lá, mas a primeira vez que me senti como um homem – tipo, agora sim, estou transando –, foi em São Paulo. Isso foi uma coisa muito importante para mim.
Dado – Rolou total lá, tanto é que eu voltei casado. O Rio já era mais familiar.
Como foi morar no Rio de Janeiro, já que vocês tinham gostado tanto de São Paulo?
Renato – Os Paralamas estavam aqui e quando viemos nossa base era o apartamento do Bi. O Rio parecia mais seguro, mais saudável. São Paulo dava um certo medo.
Bonfá – Mas estávamos loucos para voltar para Brasília. A gente gravou o disco rapidinho, voltou pra casa e depois de cinco meses é que viemos morar no Rio.
O trio original foi acrescido do baixista Renato Rocha pouco antes das gravações do primeiro LP, Legião Urbana, de 1985. Três anos e “Faroeste Caboclo” depois, o grupo já era praticamente uma empresa, ou, pelo menos, a galinha dos ovos de ouro da gravadora, a tábua de salvação em tempos de baixa mercadológica do rock nacional. Não havia mais espaço para amadorismos.
Durante as gravações do quarto álbum, os desentendimentos entre os fundadores e Rocha (por causa de atrasos e uma alegada falta de profissionalismo) afastaram o baixista da Legião Urbana. O grupo voltava a ser um trio.
Sua saída provocou uma reviravolta não só nas gravações de As Quatro Estações, mas na própria sonoridade da Legião, que deixou a agressividade punk em favor de climas românticos, acústicos, adultos. O público aprovou: o disco vendeu 1 milhão de exemplares, em plena ressaca do rock nacional. Na entrevista concedida a Sonia Maia, repórter da revista Bizz, em junho de 1989, a Legião fala da saída do baixista e das novas “vibrações” que a banda passava a procurar.
E essa nova fase rende um quarto LP.
Renato – Você tem de se lembrar que só descobrimos isso agora, porque só trabalhamos assim: dando cabeçadas. O que está pintando é que eu me sento para escrever as coisas mais bonitas que posso pensar e só saem coisas tristes, um ressentimento, um ranço. Ficamos tão chateados com o Billy, porque ele inventou de sair da banda… Então, pintou uma coisa de: “Vamos provar que conseguimos sem ele”. Uma energia assim… meio vingativa.
Dado – Como a gente falou no elevador, o Billy é que se deu bem! (risos).
Renato – E tem a história do consumismo, também – é um trabalho canalizado pela mídia e pelo público e não sei se isso é uma coisa legal. Uma conversa como essa é legal, mas a partir do momento em que você tem revista, reuniões e tudo, não sei se isso não vai invalidar o que você faz. É mais ou menos assim: você quer plantar uma árvore linda e maravilhosa no meio de um estacionamento. Sabe quando não tem a ver? Eu vou falar certas coisas, vou tocar num ginásio onde a garotada sofre, sofre para comprar disco, pois é tudo caro… Sabe quando não bate? Parece esses evangelistas de televisão: se você der o dinheiro, Jesus te salva! As coisas que eu escrevi o Dado gosta, acho que o Bonfá também, mas tem esse ressentimento.
Dado – É que existe essa máquina por trás, então você está no quarto andar dessa desgraça dessa máquina (refere-se ao prédio da EMI), e aí tem certos compromissos que me angustiam muito, muito, muito. Nego tá arrancando os cabelos lá dentro! Não gosto nem de vir aqui porque as pessoas ficam: “Será que o Renato vai botar vocal hoje, será que…”
Renato – Eles ficam dependendo de você e eu não quero mais ninguém dependendo de mim. Pô, a gente não depende mais de ninguém. Gente, eu não dependo mais nem do rock’ n’ roll.
Ao lado dos paralamas do sucesso e dos Titãs, a Legião Urbana terminou os anos 80 como um dos poucos grandes nomes estabelecidos vindos do pop produzido na “década do rock”. Nos anos 90, a banda ainda lançou os discos V, O Descobrimento do Brasil e A Tempestade ou O Livro dos Dias, emplacando diversos sucessos, como “Perfeição”, “Vento no Litoral”, “Giz” e “Dezesseis”.
A Tempestade, planejado como um álbum duplo, foi lançado em setembro de 1996. Na faixa de trabalho, “A Via Láctea”, o vozeirão de Renato insistia em sair fraquinho, amuado. Era apenas a voz-guia, acrescida da produção de Dado Villa-Lobos. Enfraquecido pela aids, Renato não teve forças para acompanhar o término das gravações. Era um adeus em forma de música: Renato faleceu um mês depois, no dia 11 de outubro.
A Legião Urbana acabou oficialmente no dia 22 de outubro de 1996, mas o culto em torno da banda só parece ter aumentado desde então – evidentemente, muito graças ao desafio sugerido por “Faroeste Caboclo” oito anos antes. Por mais irônico que pareça, Renato Russo contraiu o HIV pouco depois de assumir publicamente o homossexualismo. Quando recebeu o repórter Hussein Rimi, da revista Interview, para a entrevista a seguir (publicada em julho de 1991), Renato já sabia ser soropositivo. Ainda assim, falou abertamente sobre a decisão de assumir-se gay.
Essa decisão foi uma necessidade interior ou um apelo de marketing?
Renato – Eu senti que, se não falasse, não me abrisse com o meu público, não me sentiria bem. Estava me sentindo como se estivesse cometendo uma gafe, mandando mensagens através das minhas músicas, e as pessoas ficando sem saber ao certo o que estava acontecendo. Não é nem uma questão sexual, tenho a minha emotividade ligada a isso, é uma questão espiritual eu me sentir atraído por pessoas do meu sexo. Se for uma estratégia de marketing, sou a pessoa mais corajosa do Brasil.
As pessoas são preconceituosas?
Renato – Vai admitir que você gosta de homem nessa terra, meu filho! Nem para ganhar dinheiro uma pessoa arriscaria passar pelo que passei. Tem muito preconceito ainda. São os vizinhos, as piadinhas, você não é considerado uma pessoa normal. Eu acabei de sair de um relacionamento no qual meu par achou que a barra pesava demais e que não valia a pena enfrentar as dificuldades. Mas não tenho problemas com isso, estou muito satisfeito do jeito que sou.
E saindo um pouco desse assunto, o que é que as drogas representam para você em termos de criatividade?
Renato – Deus me livre. Quase morri com isso. Sabe, pouco me importo com essas campanhas antidrogas do governo, mas o grande erro delas é justamente não dizer que droga dá prazer só no começo. Tenho me esforçado muito para sair e estou conseguindo. Tive um problema sério com bebida, ano passado. Eu estava com tolerância e dependência cruzada de benzodiazepine e álcool. Me sentia a própria Judy Garland: valium, valium, valium e uísque, uísque, uísque… não estava agüentando mais, minha vida desmoronou. Mas agora estou fazendo análise e sentindo que as coisas podem ser feitas de outro jeito.
Ultimamente você está mais calmo, comedido. Por que essa mudança?
Renato – O meu problema é que eu sempre fui muito sincero em tudo que digo ou faço. Estou aprendendo agora não necessariamente a mentir, mas a usar de mais tato, diplomacia, não preciso ser carne viva em todas as situações.
1988
Abril
• O grupo Sepultura assina com o selo alemão Road Runner.
Maio
• Morre o jazzista Chet Baker, aos 58 anos.
Junho
• Ocorre no estádio de Wembley, em Londres, o Free Mandela Concert.
• Morre aos 71 anos, vítima de uma parada cardíaca, o apresentador Abelardo Barbosa, o Chacrinha.
• O Congresso marca a data da primeira eleição presidencial direta para 15 de novembro de 1989.
Julho
• Morre, vítima de um derrame cerebral, a cantora Nico, ex-Velvet Underground.
• Iggy Pop se apresenta no Brasil.
• Ian McCulloch anuncia o fim do Echo & the Bunnymen, depois de quase dez anos de carreira.
• Um show da Legião Urbana, no estádio Mané Garrincha, em Brasília, acaba em tumulto e depredação do palco.
Setembro
• Em São Paulo, dezenas de pessoas são pisoteadas em um show realizado no Parque do Carmo para cerca de 600 mil espectadores, com as presenças de Tim Maia e Titãs, entre outros.
Outubro
• É sancionada a nova Constituição brasileira, a primeira depois do fim da ditadura.
• A turnê da Anistia Internacional chega ao Brasil, com artistas como Bruce Springsteen, Peter Gabriel e Sting.
• No Japão, a Sega lança o Mega Drive.
Dezembro
• Morre Roy Orbison, uma das lendas do rock’n’roll.
• James Brown é condenado a seis anos de prisão, acusado de assalto a mão armada e resistência a prisão.
• O líder sindical Chico Mendes (dirigente da CUT, um dos fundadores do PT e defensor incansável da Floresta Amazônica) é assassinado. A comoção mundial leva até Paul McCartney a compor uma canção sobre o assunto.
• Roberto Carlos torna-se o primeiro artista brasileiro a lançar um álbum em compact disc.
O personagem: Fejão
Quando Renato Russo morreu, em outubro de 1996, todo o país veio às lagrimas. No mesmo ano, um negrão com cara de mau, de apelido Fejão, também faleceria, mas sem os holofotes ou a histeria registrada na morte do ex-líder do Legião Urbana.
Fejão e Renato eram considerados gênios na cena de Brasília do final dos anos 70. Fejão tocava guitarra, baixo, bateira, teclados e ainda cantava. Autodidata e fuçador apaixonado de instrumentos, Fejão fundou seu primeiro grupo, o Nirvana, no final dos anos 70. Logo depois fundou o XXX, que trocaria o nome para Escola de Escândalos. A Escola chegou a tocar no eixo Rio–São Paulo e conseguiu gravar uma demo com a ajuda de Herbert Vianna e Philippe Seabra. Além de na Escola, Fejão tocava em outra banda, o Anjo Caído (depois Fallen Angel).
O nome Fejão, que tinha como ídolos bandas de heavy metal e George Benson, surgiu de um episódio na cozinha do colégio, quando os alunos a invadiram e Fejão atirou uma panela de feijão pra todo lado. Em Brasília, Fejão deixou discípulos como Loro Jones, Digão, Tom Capone e um sem-número de guitarristas.
Antes de falecer, no início dos anos 90, o Fallen Angel se tornou Dungeon, que chegou a lançar o disco See the Light pela Rock It!, gravadora de Dado Villa-Lobos.