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Música eletrônica: A reencarnação de Dolores

Menos raiz, mais pop

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h51 - Publicado em 30 nov 2003, 22h00

Alexandre Matias

Pernambucano por opção, DJ Dolores – que nasceu no interior do Sergipe – desfaz a Orquestra Santa Massa e prepara a Aparelhagem. E que ninguém diga que o cabra faz música folclórica…

Do alto do apartamento do roteirista Hilton Lacerda, de quem DJ Dolores roubou o nome (uma homenagem a uma tia rabugenta do amigo), Hélder Aragão observa o centro paulistano, que cresce ao redor da Avenida São Luís. Ele está em São Paulo, gravando guitarras e teclados para seu novo trabalho – aliás, nova encarnação. Sai a Orquestra Santa Massa, entra a Aparelhagem. O lado nordeste roots dá lugar a uma eletrônica mais pop e mais pesada. “É fácil ser vanguarda”, diz Dolores. “Difícil é se comunicar, ser eficiente com as pessoas, ganhar na música.”

O nome Aparelhagem vem das célebres noitadas elétricas na periferia de Belém, mas a referência pára por aí. “É uma boa palavra para música feita com máquinas”, diz Dolores. Ele não quer deixar dúvidas sobre a natureza de sua música, que funde breakbeats do drum’n’bass, a linha reta do quatro por quatro do techno e muita brasilidade acústica (cortesia da percussão, rabeca e vocal dos integrantes de sua Orquestra). Mas o DJ rejeita o rótulo de folclórico. “Meu interesse é puramente musical, não tem pretensão nacionalista, de resgate, de raiz. Quero mostrar uma veia de música que é nova pra muitas pessoas. E que é similar a um monte de coisa que a gente gosta, dancehall, hip hop, jungle. Até porque o que chamam de folclore é apenas festa.”

Dolores critica a dance music abrasileirada que aos poucos vem tomando conta do mercado. “Essa onda de drum’n’bossa, por exemplo. Pegam aquele loopzinho de violão com um distanciamento tão grande… Parece só um toque brasileiro numa coisa já formatada. É isso que me faz ser tão desinteressado com a cena paulista.”

A maior crítica do DJ e produtor é a falta do que ele chama de “apropriação”. “Quero ver alguém dizer: ‘Isso é meu, eu vou fazer do meu jeito’.” Ele lista Chico Science, DJ Marlboro, o coletivo nordestino Pragatecno e o guitarrista Pio Lobato (que misturou as guitarradas do Pará com o som eletrônico) como exemplo de artistas que souberam fazer a fusão direito.

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Mas a crítica de Dolores à eletrônica brasileira não é generalizada – e cita o drum’n’bass de Marky e Patife. “Não curto, mas tem uma brasilidade. Eles não são inovadores só pela música, mas pela atitude. Eles são festeiros, gritam, animam a multidão, que é uma coisa que falta. DJ gringo parece que desenvolve fórmula química. Só toca um disco atrás do outro…”

Pernambucano de formação, Dolores é sergipano de Propriá. Só aos 18 anos mudou-se para Recife, onde sua veia musical veio à tona. Logo na primeira semana na cidade, conheceu Fred Zeroquatro, Chico Science e a turma que mais tarde veio se rotular como mangue beat.

Foi nas primeiras encarnações do Mundo Livre S/A, em meados dos anos 80, que Dolores começou a mexer com a eletrônica. “Eu pegava várias fitas cassete, colava os loops com durex e gravava a batida num daqueles toca-fitas duplos com controle de velocidade. O show ia rolando e eu ia disparando os loops.” A pré-história da eletrônica no Recife vinha acompanhada de perto das novas referências musicais, encarnadas em festas de arromba que aconteciam em terraços de prédios, puteiros e navios abandonados. Valia tudo, de Cramps ao argelino Khaled. “As referências na época eram Kraftwerk, as coisas da (gravadora de hip hop) Tommy Boy, Gang of Four, A Certain Ratio, dance music, funk, rock. As festas, que agora tinham a função de troca de informações, consagraram a figura do DJ como o cara que apresentava novos sons. E o nome de quem escolhia os discos aparecia no cartaz.” Era a semente do mangue beat germinando.

Quando o gênero estourou, Dolores estava afastado da música. Seu interesse era o design. Fez a capa de “Da Lama ao Caos” e clipes pro Mundo Livre. Só voltou à música em 1996, quando comprou um computador. “Comprei um PC 286, que tinha um programa pra editar mensagens de secretária eletrônica. Fiz a trilha de um filme (“Enjaulado”, dirigido por Flávio Mendonça) nesse programa, que chegou às mãos do pessoal da Red Hot Organization (responsável por discos como Red Hot + Rio). Eles queriam uma faixa pra uma compilação. Mandei e responderam que estava tudo uma merda, ultrapassado. Mas também deram muitas dicas. Aí engatou. De uma hora pra outra eu tava ganhando mais grana fazendo música do que qualquer outra coisa.”

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Só a partir da edição de 1999 do festival pernambucano Abril Pro Rock que a carreira do DJ Dolores, como a conhecemos hoje, começou. O cachê do show pagou a primeira demo. Em seguida vieram a trilha de uma peça (“A Máquina”, de João Falcão) e a criação da Orquestra Santa Massa. Em 2002, saiu o disco “Contraditório?” e começaram as turnês pela Europa. No meio deste ano ele passou 56 dias no velho continente acompanhado da banda. Em outubro passado, apresentou-se como DJ. Foram oito datas em lugares tão diferentes quanto o festival de rua que acontece em Notting Hill em Londres e o badalado e enorme clube Lux, em Lisboa.

Agora, Dolores engata a nova fase. A Santa Massa, com quem tem tocado nos últimos dois anos, já está em contagem regressiva, e faz suas últimas apresentações em março de 2004. “A gente já tá tocando junto a muito tempo e todo mundo já está fazendo outras coisas. Além disso, eu me considero produtor e acho importante se modificar a cada trabalho.” O novo trabalho contará com o guitarrista Fernando Catatau (Cidadão Instigado e Instituto) e deve ser lançado em abril do ano que vem, quando o produtor inaugura também seu próprio selo, ainda sem nome.

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Ouça

Uma seleção da produção do DJ Dolores

Álbuns

Enjaulado – Trilha sonora (independente, 1997)

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DJ Dolores – (independente, 2000)

A Máquina – Trilha sonora (Candeeiro, 2000)

Contraditório? – DJ Dolores & Orquestra Santa Massa (Candeeiro, 2002)

Faixas

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“Cuca Fresca”, em “Reginaldo Rei Tributo a Reginaldo Rossi” (Mangroove, 1999)

“A Dança da Moda”, em “Baião de Viramundo Tributo a Luiz Gonzaga” (Candeeiro, 2000)

“Mônica no Samba (She Loves Drum’n’Cavaco)”, em “Capiríssima – Batucada Eletrônica” (Caipirinha, 2000)

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