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“Não deveríamos trabalhar tanto”, diz escritor inglês Tom Hodgkinson

Para o escritor inglês Tom Hodgkinson, a pior coisa que os jovens podem querer é passar no vestibular e trabalhar desde cedo numa grande empresa

Por Maria Eugenia Tomazini
Atualizado em 31 out 2016, 18h54 - Publicado em 30 abr 2008, 22h00

Há 14 anos, o escritor Tom Hodgkinson deixou para trás um emprego estável e uma casa no lado oeste de Londres para não fazer nada o maior tempo possível. Ele mora hoje numa chácara em North Devon, no meio do nada do sul da Inglaterra, e trabalha em média 3 horas por dia. Passa a maior parte do dia na cozinha, lendo, tocando cavaquinho, fazendo pães ou demorando duas horas para lavar a louça com os filhos. Autor da coluna The Idler (algo como “O Vagabundo”), no jornal inglês The Guardian, Tom acha que o melhor jeito de você ser feliz e até mudar o mundo é deixar de sentir culpa por ter preguiça. “Já existe muita gente fazendo coisas demais. Se você deixar de fazer tanto, já vai colaborar”, diz. Nos livros How to Be Idle (“Como Vadiar”) e The Freedom Manifesto (“Manifesto à Liberdade”), ambos sem edição brasileira, ele afirma que trabalhar, especialmente em grandes empresas, só serve para deixar as pessoas ansiosas e deprimidas. E mostra como se entregar ao ócio com profissionalismo, ensinando o leitor a aproveitar os benefícios da ressaca ou a dar a melhor desculpa ao chefe na hora de avisar que faltará no trabalho. Na bancada de sua cozinha, entre bolos, livros e louça para lavar, Tom Hodgkinson conversou com a Super.

Muitos jovens brasileiros, assim que terminam o ensino médio, são pressionados a escolher uma profissão e entrar na faculdade. Qual deveria ser a melhor atitude nessa situação?

Deveriam parar e pensar mais – pensar por alguns anos. Claro que, se o jovem está apaixonado por uma carreira profissional, deve ir atrás dela assim que puder. Mas muitos estudam, conseguem o diploma e, depois de terem pago anos de faculdade, descobrem que estão cheios de dúvidas. O melhor é dar um tempo para encontrar seus interesses e depois, com maturidade, ir atrás deles. Nós temos toda a vida para trabalhar.

O costume de sair da faculdade louco atrás de emprego também não é a melhor opção?

Também não. Quando você é mais novo, recém-saído da faculdade, quer mais é mudar-se para a capital, trabalhar muito e ganhar muito dinheiro. Mal pensa em falta de liberdade. Eu entendo. O que tento mostrar é que existem alternativas. Não é preciso aprender da forma mais difícil o valor que a liberdade tem. O objetivo de meus livros é mostrar que essa busca por segurança e dinheiro leva a outra coisa: ao estresse e ao tédio. O problema do trabalho nas corporações é que as pessoas começam a se acostumar com o tédio. Passam a achar que a situação é normal. Com o tempo, você se acostuma, ganha poder e um salário maior. Mas isso é apenas uma compensação por ter deixado a vida de lado.

Um problema que vem sendo discutido nas grandes empresas é o fato de o funcionário ficar 8 horas na frente do computador com uma produtividade baixíssima. Por que isso acontece?

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Esse é o lado negativo da preguiça. Mesmo em ambientes de trabalho mais modernos, é comum você se perceber na seguinte situação: “São 2 horas da tarde, devo ficar no escritório até as 6 e não tenho nada para fazer. Por que não posso ir para casa?” Qual é o problema de chegar uma hora atrasado no trabalho porque você está de ressaca? Sei que terei de ficar até mais tarde de qualquer forma, chegando ou não atrasado. A única coisa importante é o prazo final para a entrega. Por isso, o melhor é trabalhar para realizar uma tarefa específica, e não pelo tempo que o funcionário passou na empresa.

Então a ressaca é um motivo justo para faltar em um dia de trabalho?

Qualquer pessoa pode criar boas desculpas para não trabalhar, tirar um dia de semana de descanso ou ficar com os amigos. Uma empresa britânica criou o Dia do Edredom, permitindo que cada funcionário, uma vez por mês, ligue para o chefe informando que naquele dia não está apto para o trabalho. Você pode fazer isso mesmo se a sua empresa não implantou um programa assim. Com relação à ressaca, o problema é que tentamos nos comportar como se ela não existisse. Depois daquela noitada, você acorda tentando negar que está de ressaca. Só quando o dia passa você se dá conta que não está conseguindo fazer nada. Então o melhor é evitar o excesso de atividades quando estiver nesse estado. O importante é não se sentir culpado por ter gastado o tempo se divertindo.

E os colegas não têm direito de reclamar de quem falta porque está de ressaca?

Não! Quem está errado é esse colega que trabalha demais. Ele é que deveria se sentir culpado por fazer hora extra e trabalhar até tarde da noite. Graças a esse profissional, outras pessoas se sentem culpadas por trabalhar menos.

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Sem trabalhar, como vamos sobreviver?

Não digo que devemos deixar de trabalhar, apenas parar de considerar o emprego um fator tão importante na vida. Eu larguei uma grande empresa para ficar em casa, ganhando dinheiro como jornalista freelancer. Se um médico não pode deixar o hospital, consegue facilmente trabalhar por meio período. Se você não pode largar o trabalho, tente não se incomodar tanto com ele.

Gastar menos também é uma opção?

Exatamente. O slogan de uma das maiores empresas farmacêuticas do mundo é “faça mais, sinta-se melhor, viva mais”. Tudo gira em torno dessa idéia de fazer mais, ser mais eficiente para viver 1 000 anos com a aparência de estar sempre novo. Estamos assustadoramente ocupados e, mesmo assim, entediados. Mas, se você fizer menos coisas, vai gastar menos dinheiro. Pode trabalhar menos mantendo o mesmo padrão de vida.

O ambiente de trabalho muitas vezes é responsável pela sua vida social. Você não sente falta desse tipo de contato?

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De forma alguma. Temos que nos esforçar para encontrar amigos em outros ambientes. Gosto do ambiente de trabalho, gosto de trabalhar com outras pessoas com quem agora falo apenas por telefone. Mas existem muitas outras formas de vida social que estão bem longe do emprego. Eu trabalho exaustivamente por 3 horas e depois tenho o resto do dia livre para encontrar quem quiser. Da forma como o trabalho está estruturado, acaba virando um espaço importante da vida social – muitas vezes, o único. É da natureza humana tentar aproveitar ao máximo cada situação, mas isso não significa que a situação não seja ruim.

Trabalhar menos também vale para países como o Brasil, onde se trabalha muito e se ganha pouco?

Minha idéia não é resolver os problemas do mundo, mas buscar outros caminhos para o modelo de vida que pessoas da classe média perseguem em muitos países do mundo. Na Inglaterra, a classe média certamente poderia trabalhar menos e ter uma vida mais ociosa. Acredito que o objetivo de vida das pessoas não deve ser perder dias e meses no escritório.

Quem tenta ficar sem fazer nada geralmente acaba lidando com sentimento de culpa. Por quê?

Outro dia recebi uma carta de uma leitora da Austrália falando que se sentiu muito bem ao ler um dos meus artigos. Ela percebeu que sua família sempre a considerou uma perdedora por causa das escolhas que tinha feito na vida – não ir para faculdade, trabalhar com teatro e morar numa casa mais simples. Assim como ela, você não precisa se sentir culpado por não fazer nada. Tente olhar para os motivos históricos de tanto sentimento de culpa. Ele é um resultado de uma condição imposta pela nossa sociedade e não é um estado nato do ser humano. Somos obrigados a ser bons consumidores e bons trabalhadores, como se quem fugisse desse padrão estivesse agindo da forma errada.

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Você largou um bom emprego para morar no meio do nada. Como está sendo a experiência?

Ainda estamos aprendendo. No mês passado o portão caiu e os cavalos comeram toda a plantação. Uma perda! Aprendemos o tempo todo. Agora criamos galinhas e porcos – a carne deles deu um bom dinheiro. Temos uma vida bem confortável, não somos pobres, mas nos esforçamos para precisar de dinheiro o menos possível. Tentamos vender um dos carros para ficar só com um veí­culo. Em vez de viajar para outro país, fomos a festivais de música pela Inglaterra.

Você costuma criticar o mundo urbano. Se as cidades são ruins, por que tanta gente se muda para elas?

Para mim, viver no campo é mais barato e menos estressante, mas não sou contra as metrópoles. Viver na cidade pode ser motivante. Toda vez que vou a Londres fico impressionado com a quantidade de oportunidades que o lugar oferece. Não estou dizendo “larguem seu trabalho e mudem-se para o campo”. A cidade pode ser um local libertador, se o que você busca é liberdade.

Mas sempre há coisas chatas para fazer, não?

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Sim. Minha próxima tarefa é gostar de lavar louça. Por que ninguém gosta? A água é quente, tenho uma linda paisagem pela janela e há todas essas texturas diferentes com que entro em contato com as mãos. Desde que a lavadora de louças quebrou, lavar os pratos se tornou uma atividade familiar – as crianças adoram ajudar. Victoria, minha esposa, acha um absurdo: sei que em breve vou acabar consertando a lava-louças, mas até lá…

 

Muitos jovens são obcecados por academias de ginástica. No livro How to Be Idle, porém, você diz que o esporte perfeito é a pesca. Como assim?

A pesca é conhecida como a “meditação do homem comum”, como se fosse o budismo da classe trabalhadora. Ficar sentado, sozinho, na água, é uma interação meio espiritual, que nos dá tempo para pensar. A pesca tem todo o ritual de conexão com a natureza. Cumpre muito bem a função de nos levar para longe dos problemas diários, fazer esquecer o mundo.

Então pegar o peixe não é essencial?

É isso mesmo. Pegar o peixe é o menos importante. O importante é não fazer nada.

 

Tom Hodgkinson

• Sua casa fica no alto de uma montanha do litoral inglês, com vista para a costa do País de Gales.

• Tem 46 anos e 3 filhos, de 8, 5 e 3 anos.

• Tem uma cadela labrador preta, a Puppy.

• Considera a melhor desculpa no trabalho dizer que teve “problemas familiares”. “Ninguém vai te perguntar detalhes”, diz.

 

Sem hora para trabalhar

As idéias do inglês Tom Hodgkinson parecem fantasiosas, mas algumas já fazem parte do dia-a-dia de grandes empresas ao redor do mundo. Um exemplo é a tática de pagar os funcionários por tarefas, e não pelas horas que eles tiveram que passar nas baias da firma. Uma reportagem da publicação americana Harvard Business Review mostra que aquela história de ficar 40 horas por semana dentro do escritório é coisa do passado. Na sede americana da IBM, 40% dos funcionários não têm mesa fixa. No escritório da Best Buy, uma empresa de vendas de eletrônicos pela internet, a produtividade dos cerca de 4 mil funcionários aumentou 35% depois que mais da metade deles passou a ser avaliada por tarefas, sem a obrigação de bater ponto todo dia.

Não é apenas uma estratégia dos patrões para pagar menos aos empregados. Pesquisas mostram que os jovens da “geração Y” – que nasceram a partir de 1980 – preferem trabalhar com horários mais flexíveis e receber pelo que fazem, comunicando-se com os colegas a partir de casa, pela internet.

 

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