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Novo documentário conta a história de Joaquim da Costa Ribeiro, pioneiro da física brasileira

"Termodielétrico" foi feito por Ana Costa Ribeiro, neta do cientista e que jamais conheceu o avô. Entenda como a obra foi gravada.

Por Manuela Mourão
Atualizado em 15 out 2024, 18h41 - Publicado em 15 out 2024, 18h35

O documentário Termodielétrico chegou às salas de cinema na última quinta-feira, 10 de outubro. Tem direção e edição de Ana Costa Ribeiro e é uma homenagem ao avô da cineasta, Joaquim da Costa Ribeiro, um dos pioneiros da física experimental no Brasil e responsável pela descoberta do fenômeno que dá nome ao filme.  

Ana nunca conheceu o seu avô, que morreu em 1960, aos 54 anos. A ideia do documentário surgiu há sete anos, quando a cineasta estava de luto pela morte do pai.

Como herança, Ana recebeu um extenso acervo familiar de cartas, fotos e documentos do avô, que motivaram o início da pesquisa. “Eu queria entender melhor a história desse avô que eu não conhecia, que descobriu um fenômeno”, disse a diretora à Super

Mas o documentário não se restringe à investigação familiar. “Não passei sete anos fazendo esse filme apenas para dizer ‘olha como o meu avô era importante'”, disse a diretora. “Não é um filme para vangloriar o personagem Joaquim da Costa Ribeiro, mas sim que quer compartilhar o desejo dele pelo conhecimento, pela ciência, pela natureza e pelo mundo.”

Termodielétrico é uma interessante mistura entre o que poderíamos chamar de “documentário convencional” (narração da diretora, valiosas informações históricas…) com um ensaio visual: entre as imagens e vídeos de acervo, há uma porção de paisagens naturais brasileiras que dão um ar mais poético à obra.

Vamos entender a trajetória de Joaquim, a importância de suas descobertas – e como Ana Costa gravou esse filme.

Quem foi Joaquim Costa Ribeiro?

Joaquim nasceu no Rio de Janeiro em 1906 e formou-se em engenharia pela Escola Politécnica da Universidade do Rio de Janeiro (hoje, Universidade Federal do Rio de Janeiro, a UFRJ) em 1928.

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Reconhecido por sua visão e contribuição à ciência brasileira, foi um dos fundadores do CNPq  (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), onde atuou como o primeiro diretor científico a partir de 1951, fomentando pesquisas em diversas áreas. 

Em 1953, a descoberta sobre o efeito termodielétrico rendeu e ele o Prêmio Einstein da Academia Brasileira de Ciências. Além disso, Costa Ribeiro desempenhou um papel crucial nas discussões sobre energia nuclear, sendo delegado na Conferência Internacional sobre a Utilização da Energia Atômica para Fins Pacíficos em 1955, que culminou na criação da Agência Internacional de Energia Atômica. Entre 1958 e 1959, ele dirigiu a Divisão de Intercâmbio e Treinamento de Técnicos e Cientistas dessa agência, contribuindo para o uso seguro da tecnologia nuclear. 

O que é o fenômeno termodielétrico?

Joaquim teve seu grande momento de “Eureca!” na década de 1940. O engenheiro pesquisava por um novo método para medir a radioatividade em minerais quando resolveu estudar dielétricos. Trata-se de um tipo de material isolante que polariza as cargas elétricas que passam por ele entre positivas e negativas. Isso diminui a intensidade da corrente e permite, por exemplo, que capacitores consigam armazenar energia.  

Seu foco foi a cera de carnaúba, uma resina extraída das palmeiras. Até o experimento de Costa Ribeiro, o pensamento é que os materiais isolantes só se tornavam dielétricos com a aplicação de campos elétricos sobre eles. Mas, observando a cera, ele percebeu que esse material ficava carregado quando retornava ao estado sólido após ser aquecido, sem nenhum campo elétrico por perto. 

(A carnaúba é um dos focos do documentário, diga-se. O filme viaja até as dunas do Piauí para que o espectador conheça de perto as palmeiras.)

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Imagem retrata um amplo lugar com montes de areias e coqueiros.
(Ana Costa Ribeiro/Documentário Termodielétrico/Reprodução)

Um material dielétrico, então, também é capaz de adquirir cargas elétricas ao alterar seu estado físico (desde que a fase sólida seja uma das etapas do processo). Joaquim batizou a descoberta de “efeito termodielétrico”, que também ficou conhecido como “efeito Costa Ribeiro”. Ele foi publicado em 1944 nos Anais da Academia Brasileira de Ciências (ABC), a revista científica mais antiga em circulação contínua no Brasil.

Em 1950, os cientistas americanos  Everly J. Workman e Steve E. Reynolds descreveram o mesmo fenômeno após um experimento envolvendo água e gelo. É por isso que, lá fora o processo às vezes é identificado por “efeito Workman-Reynolds” – mas é fato que Joaquim largou na frente deles.

A produção do documentário

À Super, Ana confessou que se apaixonou pela história logo no começo da pesquisa, mas que ficou receosa devido ao seu tema central. “Como é que eu vou falar de ciência? A física sempre foi a minha pior matéria na escola, não sei como eu passei no vestibular, eu sempre fui das humanas, então eu não me sentia capaz de falar sobre ciência.”

A saída foi unir esses dois universos. “Foi muito difícil entender de que forma uma artista fala sobre ciência, mas esse era um dos objetivos do filme também, estabelecer o diálogo entre os dois.” 

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Para além do acervo pessoal, Ana foi atrás dos arquivos públicos sobre a termodielétrica no Museu de Astronomia e Ciências Afins do Rio de Janeiro. Lá, ela encontrou mais de 800 documentos sobre o assunto. “Eu fiquei muito encantada porque eu vi que, além de documentos científicos sobre os quais eu não entendia nada, tinham também textos sobre a natureza, a realidade, um olhar bem poético, filosófico sobre o mundo que a gente vive. “

Olhar feminista

Para além do avô, a diretora também dá voz às mulheres que se misturavam de alguma forma com a narrativa do documentário – um detalhe importante para uma história do mundo acadêmico, ambiente densamente povoado por homens.

A primeira a aparecer é Urânia, a musa da astronomia e matemática que é a estrela de um vitral logo na entrada do Museu de Astronomia, onde o arquivo de Joaquim reside. Curiosamente, uma das pedras que o avô pesquisava era a uraninita, um mineral radioativo. 

Depois, Ana cita Marie Curie. A vencedora de dois prêmios Nobel (e que visitou o Brasil) pesquisava as mesmas pedras que o avô. E, apesar de não ter um documentos que comprovem, Ana acha provável que seu avô tenha assistido a palestras da cientista por aqui.

“Faz todo sentido. Ele estudava na mesma faculdade e na mesma época em que ela veio para cá palestrar sobre os minerais radioativos. E, dez anos depois, ele vai pesquisar os mesmos minerais. Não creio que tenha sido apenas uma coincidência”, sugere. 

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A terceira mulher a aparecer é a avó de Ana, esposa de Joaquim. Apaixonada e apoiadora do marido, ela segurava a barra com nove filhos para cuidar – e não pensava duas vezes caso fosse preciso se impor ao marido. Por fim, a própria diretora tem seu espaço, já que sua narração é o fio condutor do longa. 

Um chamado para a valorização da ciência

“Termodielétrico” não apenas mergulha em uma exploração íntima e estética, mas também provoca uma reflexão crítica sobre a interseção entre ciência e política na sociedade contemporânea. Ao abordar o atual cenário de desvalorização da ciência no Brasil, a obra destaca a urgência de reavaliar o papel dos saberes científicos em um contexto onde a desinformação e o negacionismo proliferam.

“Queria que este documentário impactasse o mundo da ciência brasileira, para o reconhecimento dos movimentos, não só estudantis, mas de estudos e pesquisas brasileiras”, reflete Ana Costa. Até porque a descoberta do fenômeno foi feita aqui no Brasil, sem ajuda exterior.  

A cineasta conclui analisando a mensagem criada por trás do conhecimento: “Se você é muito apaixonado por um tema científico, artístico, seja lá o que for, se você for lá todo dia, fizer um pouquinho, experimentar, sem tanto desejo de que aquilo tenha que ser grandioso, mas pela sua paixão, pela pesquisa, você vai se aprofundar e possivelmente isso vai gerar frutos para a sua vida e para a vida do coletivo.

Para conferir o trailer, basta clicar aqui:

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