O diabo fala em versos
O livro, do poeta inglês John Milton, trata sobre a rebelião de Lúcifer, o pecado original e a queda de Adão no Paraíso
Francisco Botelho
Obra-prima do poeta inglês John Milton (1608-1674), O Paraíso Perdido é um desses livros cujo maior fascínio é a ambigüidade. Desde muito jovem, seu autor acalentou o projeto de compor um grande poema épico, que se comparasse à Ilíada de Homero e à Eneida de Virgílio. Ao longo da vida, Milton procurou por um tema que se adequasse a seu talento e sua ambição: encontrou-o, por fim, nas tradições cristãs sobre a rebelião de Lúcifer, o pecado original e a queda de Adão.
No entanto, o que deveria ser uma grande parábola religiosa tornou-se uma involuntária obra-prima da literatura fantástica, povoada por anjos belicosos, demônios contemplativos e um Deus gloriosamente mal-humorado. Em meio a esse maravilhoso pesadelo, os propósitos moralizantes do autor são constantemente empalidecidos pela fúria de sua imaginação absurda e sublime.
O centro dramático da obra não é a revelação divina, mas a rebelião satânica: atormentado por sua própria malevolência, mas incapaz de escapar a ela, o Satanás de Milton está mais próximo dos heróis da tragédia grega que dos híbridos vilões das fábulas medievais. Esse demônio demasiado humano tem eloqüentes crises de consciência, espanta-se perante a beleza do Paraíso e chega a simpatizar com as criaturas que está prestes a perverter. Espécie de guerreiro-filósofo condenado ao infortúnio, ele foi descrito pelo crítico Harold Bloom como um dos personagens mais shakespearianos de toda a literatura.