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O dólar deixasse de ser a moeda mais forte do mundo?

Se o dólar deixasse de ser a moeda mais forte do mundo, o mercado de exportação seria totalmente diferente do atual.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h49 - Publicado em 30 abr 2003, 22h00

Rodrigo Velloso

Dentro das fronteiras de um país, é o governo local que determina a moeda em circulação. Fora do território, no entanto, não há uma moeda oficial internacional. Vale a que todos aceitam, ou seja, aquela pela qual há maior demanda. Nos primórdios do comércio internacional, o único instrumento aceito mundo afora era o ouro. Na esteira da Revolução Industrial do século 18, iniciada na Inglaterra, a moeda inglesa, a libra esterlina, passou a ser aceita internacionalmente. Hoje, esse privilégio é do dólar. Além de ser a moeda corrente na maior economia do mundo, a dos Estados Unidos, é a mais usada para realizar transações entre países, emitir dívidas internacionais e armazenar reservas de governos. Por tudo isso, é a moeda mais forte do mundo. Essa hegemonia se consolidou no século 20, por um processo cíclico: quanto mais era usado, mais o dólar se fortalecia. E quanto mais forte se tornava, mais era usado.

Mas esse movimento também pode ser revertido. Aliás, uma reversão se tomou mais provável a partir da introdução do euro, moeda da União Européia, em 1999. Juntas, as economias dos países europeus são maiores que a dos Estados Unidos e é por isso que o euro tem potencial para desbancar o dólar. Para entender como isso aconteceria, digamos que você viaje para a China. Como é muito difícil comprar yuan (a moeda chinesa) por aqui, você compra dólares e, chegando lá, troca-os por yuans. Mas, se você e outros turistas passassem a fazer esse tipo de transação em ouro em vez de dólar, a procura pelas verdinhas cairia e, conseqüentemente, seu valor. É claro que os trocados dos turistas não vão quebrar os Estados Unidos. Mesmo que todos os exportadores brasileiros fizessem o mesmo, ou seja, cobrassem e recebessem em euros por suas mercadorias vendidas no exterior, o impacto seria pequeno.

Para abalar mesmo a moeda americana, estima-se que seria necessária a troca de pelo menos 4 trilhões de dólares por euros. A mudança talvez não chegue a esse volume, mas ela já começou. Hoje em dia, comerciantes internacionais já fazem transações em euros. Empresas e bancos já trabalham com papéis de dívida em euros. No Brasil, os bancos oferecem cada vez mais opções de investimentos atrelados à moeda européia. “O mais provável é uma transição gradual, mas há cenários possíveis de uma queda abrupta do dólar”, afirma Jane d·Arista, diretora do Financial Markets Center, uma ONG dedicada ao estudo das atividades do Banco Central americano, órgão responsável pelo dólar.

O primeiro efeito da queda do valor do dólar seria sobre o comércio exterior americano. Os Estados Unidos passariam a importar menos e a exportar mais. Países como o México, que vendem muito ao seu vizinho do norte, sofreriam bastante. O Brasil seria menos afetado, porque exporta menos para lá e porque compensaria parte da perda com aumento de exportações à União Européia.

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Num segundo momento, a demanda por produtos americanos daria novo impulso à indústria e à agricultura, e os Estados Unidos poderiam voltar a crescer com base em exportações, exatamente como o Brasil tenta fazer hoje. Um impulso em uma economia do tamanho da americana já seria o suficiente para fazer a demanda por dólares aumentar no mundo e talvez os Estados Unidos recuperassem parte do valor de sua moeda.

Já a Europa viveria a situação contrária. Os produtos importados seriam muito mais baratos que os nacionais, debilitando a indústria e jogando uma pá de cal sobre a já combalida agricultura européia. O protecionismo europeu ruiria e haveria um florescimento do setor de serviços, que já é bem desenvolvido.

No plano das finanças, quem tem dívida em dólar ganharia com a desvalorização da moeda, enquanto quem tem a receber em dólar perderia. Governos como o do Brasil talvez se dessem bem. É que quase metade (44%) da dívida brasileira é fixada em dólar ou atrelada a ele. A queda da moeda americana reduziria nossa conta. Por outro lado, os brasileiros que investem em fundos cambiais perderiam dinheiro.

Nos Estados Unidos, as conseqüências seriam mais drásticas. Eles também têm uma dívida externa gigantesca, mas podem se dar ao luxo de mantê-la porque ditam os juros que irão pagar, já que todo mundo quer as verdinhas feitas pela Casa da Moeda americana. Se ninguém as quisesse, o governo teria que fazer o que faz o Brasil: oferecer mais juros para conseguir dinheiro emprestado e cortar gastos para poder pagar esses juros. O resultado nós já conhecemos: queda nos investimentos e no consumo e uma recessão braba.

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Se a Casa Branca fosse obrigada a usar esse remédio amargo, um dos cortes de gastos poderia atingir as Forças

Armadas, que hoje consomem 4% do orçamento do Tio Sam. Se isso ocorresse, provavelmente os militares ianques não teriam o fôlego que têm hoje para patrulhar o mundo. Nesse cenário, é provável que o governo americano cortasse também a ajuda financeira que dá a outros países, o que reduziria ainda mais sua influência no mundo. Os países europeus, embora concordem em questões econômicas, não têm posições políticas unificadas, como se pôde ver na atual guerra no Iraque, em que Espanha e Itália apoiaram os Estados Unidos, sob o protesto da Alemanha e da França. Além disso, cada país europeu tem suas tropas. Ou seja: não haveria mais uma potência para dizer ao mundo como agir.

A ausência de uma potência abriria espaço para conflitos regionais que há muitos anos estão contidos pelo poder americano. E não faltam rusgas mal resolvidas mundo afora. Para ficar em três exemplos, há problemas diplomáticos graves entre as Coréias do Norte e do Sul, entre Israel e seus vizinhos árabes e entre a Índia e o Paquistão. Detalhe: em todos esses conflitos, pelo menos uma das partes possui armas nucleares, à exceção de Índia e Paquistão, onde os dois possuem ogivas nucleares.

Ou seja, a ausência de uma superpotência certamente seria sentida pelo mundo. Talvez isso levasse ao fortalecimento de uma entidade supranacional, como a Organização das Nações Unidas, que então receberia apoio de todos os países e poderia, finalmente, agir como uma entidade mundial. Caso contrário, o mundo se tornaria um lugar bem mais perigoso.

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Mas cortar os gastos militares não seria a única opção dos Estados Unidos. Eles poderiam, por exemplo, dar o calote em seus credores. Se isso acontecesse, o mundo sofreria também. Seria como se uma parte da riqueza global evaporasse, o que provocaria uma recessão mundial. Esse cenário é improvável, mas nos ajuda a perceber algo que já sabemos: o que acontece com os Estados Unidos afeta o mundo. Por isso, só podemos esperar que a transição de dólar para euro seja gradual. Assim, o mundo terá tempo para se adaptar à nova realidade com calma.

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