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O gênio da comédia pastelão

Olimpíadas, música e bangue-bangue: a vida e a obra do ator Bud Spencer, que morreu hoje aos 86 anos

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 19h00 - Publicado em 27 jun 2016, 21h15

Didi, Dedé, Mussum e Zacarias mais uma vez tomam um pau depois de arrumar confusão, num programa dos Trapalhões de 1983. A diferença é quem desce a mão nos quatro: os italianos Carlo Pedersoli e Mario Girotti, dois caras que estavam mais acostumados a atender por seus nomes artísticos, Bud Spencer e Terence Hill.

Os mestres do pastelão foram apresentados um ao outro em 1967, nas filmagens de Deus Perdoa… Eu Não, um daqueles westerns feitos aos montes na Itália da época. Depois de alguns bang bangs à italiana sérios e violentos, a dupla atravessou os anos 70 e 80 fazendo uma comédia atrás da outra.

Mas essa história começaria bem antes. Em uma piscina de Roma.

Caminhos tortos

Até chegar ao estágio de ganhar a vida socando malfeitores, o napolitano que se tornaria Bud Spencer faria um pouco de quase tudo. Nascido em 1929, começou vivendo em cidades e países diferentes acompanhando o pai, um homem de negócios. A primeira mudança foi aos 17, quando foi morar em Roma. Ali começou a fazer faculdade de química. Mas logo foi obrigado a se mudar para vários lugares da América do Sul, incluindo o Recife, onde trabalhou no consulado italiano da cidade e, de quebra, aprendeu a falar português.

Aos 19, Carlo estava de volta à Itália. Trocou o curso de química pelo de direito e passou a se dedicar cada vez mais à sua maior paixão. Atuar? Não: nadar. Carlo treinava no clube de natação da Lazio. Na mesma piscina, aliás, um italianinho dez anos mais novo que ele também dava suas braçadas. Era um garoto que passou parte da infância na Alemanha, terra da mãe dele. Quase morreu durante os bombardeios dos aliados durante a Segunda Guerra Mundial. E acabou se mudando para Roma. O nome dele era Mario Girotti, ninguém menos que o futuro Terence Hill!

Mesmo competindo pelo mesmo time de natação, Carlo e Mario nunca conversaram no clube. Mas que a piscina foi determinante para os dois, foi. Mario, por exemplo, disputava uma prova de natação no começo dos anos 50 quando foi descoberto pelo diretor de cinema Dino Risi. Encantado pelos olhos azuis e a cara de menina daquele moleque de 12 anos, o diretor o convidou para um papel na produção Vacanze com Il Gangster (Férias com o Gângster), de 1951. E foi neste mesmo ano que Carlo Pedersoli estreou na telona. Ele podia não ter a cara de anjo de Mario, mas os músculos bem distribuídos em seu 1,94 m de altura lhe renderam um convite para ser figurante na superprodução Quo Vadis (1951) como um dos guardas do imperador Nero.

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Mas o que ele gostava era de nadar. E a coisa foi além das competições regionais. Para começar, Carlo integrou a equipe italiana de pólo aquático na Olimpíada de Helsinke-52, na Finlândia. E não ficou nisso: quatro anos depois foi aos Jogos de Melbourne, na Austrália, para disputar os cem metros livres na natação. E chegou às semifinais, ficando em 11º na classificação geral.

Era uma posição nada desprezível, mas que não permitia a Carlo viver do esporte. No cinema, as coisas também não estavam lá muito bem. Em seis anos, tinha conseguido quatro papéis pequenos. Frustrado, resolveu dar uma guinada na vida. E em 1957 voltou à América do Sul para trabalhar na construção de um trecho da Panamericana, estrada que ligaria as três Américas, mas que não foi concluída.

A cabeça de Carlo também não tinha sido concluída. Ele resolveu voltar à Itália para a Olimpíada de Roma-60. Desta vez a participação foi um tiro na água. Mas a vida de Carlo entrou nos eixos: ele casou e foi trabalhar na filial italiana da gravadora RCA neste mesmo ano. Ainda em 1960, arranjaria mais uma pontinha no cinema, no épico Annibale. Um ator bem mais experiente, por sinal, estava ali também. Era o ex-colega de clube de Carlo, Mario Girotti. A essa altura, o futuro Terence Hill já tinha feito 22 filmes e era um rosto conhecido na Itália.

Já Carlo continuou seu trabalho na gravadora. Lá, ele compunha músicas para intérpretes populares. Às vezes resolvia se aventurar no microfone. E chegou até a se apresentar em clubes noturnos. Mas a sorte grande dele não estava na música. Mas na esposa. Sua mulher, Maria, era filha de um dos maiores nomes do cinema italiano, Peppino Amato, produtor de clássicos como Ladrões de Bicicleta (1948) e La Dolce Vita (1960).

Com a morte do sogro magnata, em 1964, Carlo decidiu seguir os passos do homem e estreou como produtor de cinema, rodando documentários.

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Enquanto isso, Mario Girotti seguia uma carreira prolífica no cinema. Como falava alemão fluentemente, por causa da mãe, ainda arrumou papéis em nove produções germânicas. Mais: em 1963, participou de um clássico do cinema italiano, O Leopardo, de Luchino Visconti. E em 1967 fez dois com a cantora Rita Pavone, maior popstar italiana da época.

Mas o auge só chegaria para Mario depois que ele cruzasse de novo com o ex-colega de natação.

Dupla dinâmica

No fim da década de 60, boa parte do cinema italiano estava voltado para a produção de faroestes. Começava a era dos westerns spaghetti: filmes de orçamento baixo, com histórias simples e desempenhos excepcionais de bilheteria – um equivalente italiano às nossas pornochanchadas, mas com menos mulher e mais tiros. O gênero deu fôlego à indústria de cinema na Itália. E Carlo, que nunca havia tido um papel decente na vida, aproveitou a onda.

Ajudado de um lado pela cara de mau, perfeita para westerns violentos, e de outro pelos contatos que tinha com produtores de cinema por causa do sogro, ele conseguiu um papel de destaque em Deus Perdoa… Eu Não (68), de Giuseppe Colizzi. O protagonista seria o veterano de westerns spaghetti Pietro Martellanza. Mas ele quebrou o pé e acabou substituído por outro ator. Quem? Ele mesmo: Mario Girotti.

Para fazer o filme, Carlo e Mario tiveram de jogar no baú seus nomes italianos. Os produtores achavam que, para vender os westerns no mercado americano, era melhor que os atores tivessem nomes artísticos em inglês. Mario escolheu o seu a partir de uma lista com 20 nomes. Pescou “Terence Hill”, que tinha as iniciais da mãe dele. Já Carlo quis fazer duas homenagens pessoais: uma para seu ídolo Spencer Tracy. Outra à marca de cerveja que o ajudou a perder o corpo de nadador e ganhar aquele visual roliço que a gente conhece.

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Bom, apesar de Deus Perdoa… Eu Não ser o primeiro filme da dupla, não era uma comédia. Mas um bang bang barra pesada mesmo, sobre ódio, vingança e tudo o mais. O que tinha de engraçado ali era o nome do personagem de Terence Hill: Cat Stevens (qualquer semelhança com o nome do cantor de Wild World não é concidência). O fato é que o filme serviu para mostrar que Terence e Bud tinham nascido um para contracenar com o outro. Funcionaram como par e o filme fez sucesso. Tanto que o diretor montou duas continuações. A primeira tinha como título original Os Quatro da Ave Maria (I Quattro dell’Ave Maria, de 1968). Só que esse filme só chegou por aqui anos depois e a versão nacional ganhou o patético nome de Assim Começou Trinity. Patético porque não tinha nenhum Trinity no filme. Só o tal Cat Stevens!

A chamada “trilogia Cat Stevens”, enfim, seria completada com Boot Hill – A Colina dos Homens Maus (1969). Mas o fenômeno que a dupla virou só começou a tomar forma quando o cineasta Enzo Barboni chamou os dois para fazerem os personagens Trinity e Bambino na obra-prima Trinity É o Meu Nome (1971). O filme estourou em meio mundo. Agora, sim: Mario Girotti e Carlo Pedersoli estavam mortos de vez. A partir daí se tornariam os grandes Terence Hill e Bud Spencer. Para sempre.

Eles ainda fariam 13 filmes juntos até 1985 (confira os mais legais aqui ao lado). Aí, depois de uma separação de dez anos, juntaram os trapos de novo em um “neo-western spaghetti” dirigido pelo próprio Terence, A Volta de Trinity (1994) – por sinal, esse é mais um truqueiro título usado só no Brasil. A tradução correta seria Véspera de Natal, e o personagem de Hill se chama Travis…

Texto Shin Oliva Suzuki (originalmente publicado na revista Flashback, em 2005)

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TOP 5

Meu Nome É Trinity (70)

O vagabundo Trinity encontra seu irmão Bambino bancando o xerife em uma cidade do Velho Oeste – depois de ter matado o xerife de verdade. Quando bandidos chegam lá com o objetivo de tomar terras, a dupla começa a quebrar o pau.

Cena marcante – Bud estréia seu “golpe de mestre”: marretar a parte de cima da cabeça dos inimigos com os punhos fechados.

 

Trinity Ainda É Meu Nome (71)

Trinity e Bambino se reencontram na casa dos pais para tomar o seu banho anual (!) e um jantar em família. Boa parte da crítica considera este o supra-sumo da obra do duo italiano. Aqui, os dois irmãos precisam cumprir um último desejo do pai: virarem bandidos famosos, com a cabeça a prêmio e tudo.

Cena marcante – Bambino não deixa um bar fechar e, toda vez que seu dono se prepara para ir embora, ele vai lá e atrasa o relógio.

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Eu, Você, Eles e os Outros (84)

Dois primos, homens de negócio que moram no Rio de Janeiro, estão aterrorizados por uma ameaça de morte. A solução é contratar sósias e eles chamam o dublê Elliot Vance (Terence) e o saxofonista Greg Wonder (Bud). Os dois aproveitam então a boa vida em terras cariocas, mas têm de enfrentar os malfeitores.

Cena marcante – Bud Spencer conversa com a bunda de uma passista de escola de samba, perguntando se ela viu Terence por aí.

 

Par ou ímpar (78)

Além do Velho Oeste, outro cenário constante nas produções do duo é a cidade de Miami. O policial Johnny (Terence) recebe a missão de combater o negócio clandestino de jogos de azar na cidade. Para isso ele pede ajuda a seu meio-irmão Charlie (Bud), craque das cartas, que resiste a ter novamente contato com o mundo das apostas. Mas Johnny usa a malandragem e diz que o pai deles está ficando cego e vai precisar de dinheiro.

Cena marcante – Bud, já pra lá de Bagdá, destrói um bar inteiro na porrada e em outro momento ainda troca tapas com o companheiro Terence.

 

Dupla explosiva (74)

Terence e Bud se engajam (separadamente) na disputa de uma corrida de carros cujo prêmio é um buggy vermelho de capota amarela. Eles empatam ao final e precisam decidir quem é que vai ficar com o carro. Aí os problemas começam. 

Cenas marcantes – O acrobático quebra-pau na academia de ginástica e Bud cantando gaiato em um coral enquanto um matador está à espreita.

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