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O livro que acabou com Deus

A revolução intelectual promovida por Kant é comparável à de Copérnico - o primeiro a dizer que a Terra gira em torno do Sol

Por Alexandre de Santi (edição: Bruno Garattoni)
Atualizado em 23 out 2020, 12h34 - Publicado em 13 nov 2015, 18h45

Livro Crítica da Razão Pura
Autor Immanuel Kant
Ano 1781
Por que ler? Para saber que há coisas para as quais nunca teremos resposta – e tudo bem.

kant

Na introdução de Crítica da Razão Pura, Kant avisa: “estamos aqui oprimidos por problemas que não podem ser ignorados… e que não podem ser solucionados”. assim o filósofo metódico nascido em Königsberg (atual Kaliningrado, na Rússia) mudou a história do pensamento humano colocando em evidência os limites da racionalidade. A revolução intelectual promovida por Kant é comparável à de Copérnico, o astrônomo renascentista que, dois séculos antes do filósofo, havia formulado a teoria de que a Terra girava em torno do Sol (e não o contrário). Kant fez a mesma coisa quando afirmou que existem coisas que nem a razão nem a experiência podem conhecer. Uma delas é Deus – as outras são a realidade, o Universo, o infinito, a alma etc., que ainda hoje ninguém consegue definir direito. Não, não somos burros. O problema foi que, desde Sócrates, ninguém havia feito uma pergunta básica: o que e como podemos conhecer?

Pense nesta revista que você está lendo agora. Tem certeza que ela existe? Sim, claro, você está com ela nas mãos. Mas você só sabe que a revista existe porque seus olhos a veem e suas mãos a seguram. Ou seja, ela existe no tempo (momento da leitura) e no espaço (sobre suas mãos), e os seus sentidos a percebem. Esta revista existe independentemente da sua percepção dela, mas é somente por meio da visão e do tato que você pode atestar que ela é real mesmo, conhecê-la. Sacou o problema? A percepção dos objetos depende de um filtro individual, intransferível e intransponível: a nossa consciência. A sacada de Kant foi mostrar que a gente só consegue conhecer as coisas que se apresentam aos nossos sentidos e à nossa experiência. Kant chamou essas coisas de “fenômenos”. O que nem os sentidos nem a experiência captam, o que só pode ser postulado pela razão pura ou intelecto, não pode ser conhecido. Leia-se Deus, definido como uma figura imaterial, infinita e criadora de todas as coisas, logo fora do espaço, do tempo e sem causa nenhuma. E se não podemos conhecer Deus, melhor deixar esse assunto de lado. São sinucas de bico para a razão. A conclusão caiu como uma bomba no mundo filosófico, onde Deus sempre figurou no panteão dos temas mais intrigantes. Kant fez questão de dizer que  acreditava em uma realidade que fica além do nosso conhecimento racional e insistiu na existência de coisas fora do alcance da experiência, o que ele chamou de “coisas em si” ou “númenos”.

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Crítica da Razão Pura tornou obsoletos vários debates mantidos por filósofos até então. Especialistas costumam dividir a história entre antes e depois de Kant. Depois dele, a metafísica clássica, que se propunha a desvendar o que é a realidade, Deus e a essência das coisas, perdeu o sentido. A questão principal passou a ser os limites e as condições do conhecimento humano. O filósofo alcançou sucesso em vida com a publicação da obra, sem ter de sair dos limites de Königsberg. Mas Kant teve de explicar a guinada no seu pensamento. Antes da publicação de Crítica, ele acreditava piamente que o conhecimento científico era infalível. Até fez uma contribuição curiosa, mais como cientista do que como filósofo, com a publicação de Teoria dos Céus, o primeiro livro a oferecer uma descrição do Universo decorrente de uma evolução e não como se tivesse sido criado num único instante, no mesmo formato que o vemos hoje, como acreditava Aristóteles. Mas, ao lançar Crítica, Kant afirmou que havia despertado do “sono dogmático”, muito em razão da leitura de David Hume, seu conterrâneo e o primeiro a criticar o racionalismo que imperava no mundo desde René Descartes.

Não é fácil ler Kant. Na primeira frase, o pensador tenta ajudar você, caro leitor, a entender onde ele queria chegar com a sua obra mais célebre. Mas Kant não nega a tradição alemã (Königsberg pertencia ao Império Prussiano no século 18) e coça a orelha direita com a mão esquerda. Ou seja, por que ser simples se dá para complicar? Ele alterna trechos pedregosos (vale consultar um dicionário para entender os termos técnicos) com outros de uma clareza desconcertante.

Quando terminou Crítica, Kant enviou o manuscrito para um amigo, o filósofo Marco Herz. O amigo devolveu o texto lido até a metade com o bilhete: “Se o terminar, receio enlouquecer”. Kant parece não ter se impressionado com a reação pouco amistosa de Herz e levou adiante a publicação. Viveu até os 80 anos, tempo suficiente para ter sua obra lida e comentada no mundo inteiro.

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