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O mundo das celebridades mortas

Entenda por que alguns artistas ficam mais importantes depois de mortos.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h53 - Publicado em 26 set 2012, 22h00

Davi Rocha e Felipe van Deursen

Por que alguns artistas ficam maiores, mais lucrativos, mais importantes e mais carismáticos depois de mortos? Veja como se formam ídolos imortais, que cruzam décadas e conquistam novos fãs geração após geração. Afinal, eles estão entre nós.

O Coachella 2012 só seria lembrado pelos fãs desse festival de música americano, não fosse o show de encerramento, capitaneado pelo rapper Snoop Dogg. Tupac Shakur, um antigo parceiro, voltou aos palcos após 16 anos, incendiando a plateia. Nada demais, não fosse um porém: Tupac morreu em 1996. No show, ele renasceu em um holograma reproduzido em uma tela invisível no palco. A ideia, concebida pelo colega Dr. Dre, custou mais de US$ 100 mil. Tecnologia de ponta que deu certo. Foi notícia no mundo todo e as vendas do disco póstumo Greatest Hits dispararam 571%, levando Tupac à lista dos 200 mais vendidos da Billboard.

Porém, não foi a primeira vez que um holograma ressuscitou artistas em shows. Elvis Presley cantou em 2007 com Celine Dion graças à tecnologia, por exemplo. E holograma é só uma das tantas formas de explorar a imagem desses zumbis da indústria do entretenimento. Shows e discos comemorativos, biografias, exposições, filmes e aparições em programas estão aí para manter a chama deles acesa. O consumo dessas obras faz críticos torcerem o nariz por não deixarmos os mortos em paz. Mas também contribui para aproximar artistas e fãs. Aliás, anote na agenda porque alguns devem vir ao Brasil. E um deles é este de gingado único aqui ao lado.

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Michael Jackson – O deus redimido

Ao longo de quase toda a primeira década do milênio, Michael Jackson foi visto como um artista extremamente excêntrico, um esquisitão que mudou de cor e que fez enorme sucesso em um passado tão remoto quanto o walkman. Ele era mais lembrado por suas polêmicas relacionadas à pedofilia do que pela música em si. Prestes a voltar para uma turnê, morreu repentinamente, em 2009. Poucos sentirão falta desse show que não houve. Afinal, grandes hits do passado, como Thriller, Bad, Billie Jean, Black or White e ABC, de repente, dominaram as pistas no ano. “Se ele estivesse vivo, dificilmente daria a volta por cima e lançaria algo tão bom como Thriller. Sua figura era motivo de piada nos últimos anos”, diz Kid Vinil, cantor, DJ e referência quando o assunto é música dos anos 80. Só no primeiro mês após morrer, Michael vendeu 4 milhões de álbuns. Muito se deve ao “efeito da morte”, segundo Mark Roesler, empresário especialista em trabalhar com a imagem de celebridades mortas. “Os preços [de produtos relacionados ao artista] sobem consideravelmente em torno da morte, com itens ainda mais populares quando ela foi repentina ou trágica”, diz.

Mas a morte de MJ o sacralizou de uma maneira rápida pouco vista antes. Em um passo de mágica do showbizz, ele voltou a ser apenas o rei do pop – e não aquele homem de nariz bizarro que pendurou o filho bebê na janela. “No fim, o que vai contar é o legado. O movimento para trabalhar a imagem dele já começou e daqui a algumas gerações o rei ainda será lembrado – mesmo por quem não viveu no mesmo período”, diz Moacir Galbinski, vice-presidente da Supermarcas, empresa que cuida do legado no Brasil de nomes como Marilyn Monroe e Jimi Hendrix. Foi tudo rápido. Meses após a morte, foi lançado o documentário This Is It. Em 3 anos saíram o disco póstumo Michael, o jogo Michael Jackson: The Experience, um espetáculo do Cirque du Soleil e clipes especiais. Nos primeiros 12 meses após sua morte, MJ lucrou US$ 1 bilhão, segundo um levantamento da Billboard. Em breve, se depender da vontade de sua família, ele deve voltar aos palcos, em formato de holograma, como Tupac.

Enquanto isso não acontece, seus passos se espalham com o show Thriller Live. Celebrando todas as fases de Michael Jackson, o espetáculo coloca no palco uma banda, 16 bailarinos e 5 cantores (3 homens, uma mulher e um menino) para representá-lo. Cerca de 2,2 milhões de pessoas já viram a apresentação em 24 países. O show deve vir pela primeira vez à América Latina, passando por São Paulo e Rio em 2013. Michael ainda brilha. Então não estranhe se daqui a uns anos continuar vendo gente arriscando os já mitológicos passos moonwalk em uma festa.

Elvis – O deus dos deuses

Elvis Presley tem 58 anos de carreira. Os últimos 35 começaram quando ele foi encontrado morto em sua mansão Graceland – que, a partir de então, tornou-se um marco peregrinatório do culto ao rock. Tudo bem, tem gente que leva a sério a história de que “Elvis não morreu” e jura que ele vive no interior dos Estados Unidos ou na Argentina, sob o pseudônimo John Burrows. Mas o fato é que esse ex-caminhoneiro que virou cantor e de quebra mudou a música para sempre é uma das maiores celebridades que, após morrerem, tornaram-se divindades pop.

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Pense em uma música dele. Agora pense no seu visual. Possivelmente foi mais fácil lembrar-se do topete e do rebolado do que de uma canção específica. “Quando se lida com um artista morto, não há a geração constante de novos materiais e aparições públicas para reforçar a imagem. Você trabalha com o vazio da presença”, diz Galbinski. Ou seja, a morte congelou a imagem de Elvis. Seu visual está eternizado. E imagem forte pede mais merchandising, que deixa essa imagem ainda mais forte. É uma bola de neve. Mas o que também alimenta esse legado é uma legião de sósias. Graças à internet, conhecer a obra do artista e interagir com outros imitadores ficou mais fácil. Por isso há mais covers de Elvis hoje do que há 10 anos, segundo Marcelo Neves, presidente do fã-clube Elvis Triunfal. “Cerca de 70% dos associados não eram nascidos quando Elvis morreu”, diz. Mas os covers formam apenas uma camada mais visível do culto. Há 200 marcas licenciadas com a grife do cantor, fora espetáculos como Viva Elvis, do Cirque du Soleil. Suficiente para ele ter lucrado US$ 55 milhões em 2011 (muito mais que os US$ 18,9 milhões, em valores corrigidos pela inflação, no ano em que morreu). Sim, Elvis morto rende mais do que Elvis vivo. Porque Elvis morto é a representação incólume de um ícone do século. Não há escândalos, músicas ruins ou problemas de saúde que corroam essa imagem. Há somente o eterno galã e o gênio roqueiro.

Agora, para lembrar os 35 anos de morte, o cantor também vai voltar aos palcos. O show Elvis In Concert passará pela Europa, EUA e Brasil com a banda que o acompanhava em vida. No espetáculo, Elvis canta em um telão, com gravações originais, enquanto a banda toca ao vivo. Vida longa ao rei.

Marilyn – A deusa da beleza

O vestido rodado branco de frente única. O cabelo loiro cacheado. O vento. A boca. Você talvez nunca tenha assistido a um filme estrelado por ela, mas provavelmente reconhece essa imagem (que, aliás, está no final do clássico O Pecado Mora ao Lado, de 1955). Afinal, nesse meio século, desde que ela morreu aos 36 anos por overdose de barbitúricos e foi alçada a uma espécie de Afrodite pop, Marilyn Monroe jamais foi esquecida. “Criou-se um modelo de mulher perfeita, desejada por muitos e imitada por muitas, transformando-se em um ícone”, diz Galbinski. Morreu jovem e linda, e assim permaneceu. Quer dizer, melhorou com o tempo, graças à construção do mito. “Ela ficou mais bonita e moderna com os anos. As últimas fotos dela viva mostravam Marilyn mais jovem do que quando era moça”, diz o crítico de cinema Rubens Ewald Filho. “Quem cuidava da imagem dela era o fotógrafo Milton Greene, que fez as fotos dela nua [publicadas na primeira edição da revista Playboy]. Era um dom. Têm rostos que envelhecem, outros ficam modernos”.

Órfã, Marilyn não deixou herdeiros. Sua fortuna é controlada pela filha do ator Lee Strasberg, mentor da carreira da artista. A Marilyn Monroe LLC está por trás, por exemplo, da campanha de celebração dos 50 anos da morte da atriz, do cartaz do festival de cinema de Cannes de 2012, de uma nova linha de maquiagem e de uma mostra que passou pelo Brasil.

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Os 50 anos de morte aqueceram o fenômeno, mas ela está sempre em evidência. Se Marilyn atuou em 33 filmes em vida, depois que morreu apareceu em mais de 190. Foi eternizada nas artes plásticas por Andy Warhol. Madonna usou sua imagem em 3 clipes. A diva continua aí. No filme Sete Dias com Marilyn, ela faz um pedido com chances de se concretizar: “Quero ter essa imagem com 400 anos”.

Rebeldia e paz – O olimpo de Dean e Lennon

Ele tinha 18 anos, trocou o Direito pelo teatro, foi descoberto pela Warner Bros. e morreu aos 24 em um acidente de carro quando seu primeiro filme ainda lotava as salas de cinema. O sucesso de James Dean poderia acabar junto com sua vida. Mas ele é talvez o exemplo mais bem acabado de celebridade que se agigantou depois de morta. A maior parte dos créditos é da Warner. Com mais dois filmes prontos para ser lançados, o estúdio promoveu à exaustão o ator morto. E, como ele fez papéis semelhantes em todos eles, encarnando um jovem barulhento, a morte em alta velocidade foi perfeita para fazer de Dean o símbolo máximo da rebeldia adolescente. “A Warner não podia deixar morrer o ícone”, diz Ewald Filho. Então ela transformou esse ator de teatro em início de carreira no mito transgressor de uma geração. Funcionou. Dean foi o primeiro ator a concorrer ao Oscar postumamente. E os números de antes e depois impressionam. Juventude Transviada, de 1955, lançado um mês antes de ele morrer, rendeu US$ 39,4 milhões. Assim Caminha a Humanidade saiu um ano depois e arrecadou US$ 118 milhões (os valores estão corrigidos pela inflação).

Por mais que hoje essa pose de jeans desbotado e casaco de couro em um carro conversível soe quase anacrônica e inocente, a imagem de James Dean sempre ecoa quando se fala em moda e comportamento jovens. “Ele viveu rápido e morreu jovem, virando um ícone cultural associado a coragem e revolta”, diz Mark Roesler, o empresário das celebridades mortas e responsável pela imagem de Dean. Basta ver Robert Pattinson, ídolo adolescente e astro da saga Crepúsculo. Ele, que nasceu 31 anos depois da morte de Dean, contou que bebeu na fonte de Juventude Transviada para atuar. E assim esse mito de 50 anos atrás segue notável.

Se rebeldia virou algo com rosto graças a Dean, a paz também ganhou um ícone pop com John Lennon. “O discurso da paz, que poucas pessoas tinham coragem de fazer, e o tipo de morte trágica o transformaram em mártir”, diz Eduardo Brocchi, coordenador de um curso específico sobre Beatles da PUC Rio. Isso ajudou a manter a banda de Lennon no topo. Os Beatles acabaram em 1970 e ele morreu em 1980, mas ela continua sendo uma das maiores vendedoras do mundo: pelo menos 1 milhão de discos por ano, só nos EUA.

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Quando Lennon foi assassinado em frente ao prédio em que morava em Nova York, ele já era, havia muito tempo, um ícone consolidado. Mas, a partir de então, Strawberry Fields, um jardim no Central Park próximo ao local do crime, virou ponto de peregrinação roqueiro. E qualquer coisa que ele tenha tocado virou ouro. Um dente molar do artista, amarelado e cariado, foi comprado por R$ 54 mil. Hoje, o Cirque du Soleil (sempre ele) explora sua mística no show Love. E ainda tem o licenciamento de produtos para a marca Mont Blanc, a chegada dos Beatles ao catálogo da iTunes Store e o jogo Beatles Rock Band, entre outros. São coisas assim que o fazem ser uma das figuras sempre presentes na lista de mortos mais ricos da revista Forbes (além dele, só Elvis e Charles Schulz, o pai do Snoopy, estão sempre no ranking). Quando morreu, ele deixou para a mulher Yoko Ono uma fortuna avaliada em US$ 250 milhões. Hoje, Lennon tem US$ 800 milhões. Sua influência está dissolvida e espalhada mundo afora. Artistas de mais de 30 países já fizeram versões diferentes de músicas dos Beatles ou da carreira solo de Lennon. Um exemplo do Brasil: um dos maiores legados dele no País está na voz da cantora Simone. A música Então, É Natal, que, desde que foi lançada, em 1995, toca todo fim de ano no rádio e na TV, é uma versão para Happy Xmas (War is Over), de 1971. John está por perto e muitas vezes não nos damos conta. Gostem os fãs ou não.

Artistas Rodrigo Jam: michaeljacksoncover.blogspot.com; Allvis Bueno: mr.bueno@ig.com.br; Bob Lee: elviscoverboblee.com; Bruno Elvis: elviscoverbruno.com.br; Priscila Freitas: priscilafreitasatriz@gmail.com

Agradecimento Coqueiro Drinks.

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