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Os bastidores dos Simpsons

Personagens invertidos, dubladores em greve, trapaças empresariais, roteiros escritos por cientistas. Prepare-se para conhecer os segredos da família mais politicamente incorreta da TV

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 19h03 - Publicado em 16 set 2010, 22h00

Marcos Ricardo dos Santos

A fita finalmente chegou. E uma pequena multidão de 50 roteiristas, editores, desenhistas, diretores, executivos e até faxineiros se espremeu numa salinha para ver o resultado de 6 meses de trabalho. Era um programa meio estranho. Embora se destinasse a adultos, ele era um desenho animado. Contava a história de uma família disfuncional e estava cheio de humor ácido e politicamente incorreto. Nada a ver com as séries bobinhas que na época (1989) faziam sucesso na TV americana, como Três É Demais, Cheers e Cosby Show. Uma aposta muito ousada, grande cartada da Fox – emissora que acabara de estrear. Alguém colocou a fita no videocassete e apertou o play. “Houve um silêncio mortal. O programa tinha ficado um lixo”, conta o editor Brian Roberts. Tudo porque o dono da emissora, o empresário Rupert Murdoch (que era dono de tabloides sensacionalistas e estava começando a se aventurar no mundo na TV), quis fazer economia: para gastar menos, mandou a animação ser feita na Coreia do Sul. “Várias cenas vieram faltando, as cores erradas, os ângulos errados, uma tragédia”, lembra o desenhista Gabor Csupo. As piadas também não agradaram. Depois dos primeiros 5 minutos, ninguém mais riu, e as pessoas começaram a sair da sala. O cartunista Matt Groening, criador da série, saiu da reunião arrasado e ficou uma semana sem conseguir dormir. Tudo indicava que Os Simpsons iriam acabar antes mesmo de começar.

Não foi assim. A série se tornou a mais bem-sucedida de todos os tempos, com 464 episódios traduzidos para 45 idiomas em 90 países. Os Simpsons são um dos principais, se não o principal, ícone da cultura pop das últimas décadas. Mas só agora, depois de 21 temporadas, seus bastidores começaram a ser desvendados. No livro Simpsons: An Uncensored, Unauthorized Story (sem versão em português), do canadense John Ortved, os criadores da série abrem o jogo pela primeira vez – e revelam uma história cheia de intrigas, conflitos e curiosidades. Entre elas: dois personagens tiveram as vozes invertidas, os roteiros são escritos por cientistas e Matt Groening não é o verdadeiro responsável pelo sucesso.

Filho de uma professora e de um publicitário, Matt Groening teve uma educação meio hippie: se formou numa faculdade que não tinha provas, trabalhos, notas nem aulas obrigatórias. Aos 23 anos de idade, foi para Los Angeles com a ambição de ser escritor. Não conseguiu, odiou a cidade e extravasou criando uma tirinha em quadrinhos chamada Life in Hell (“Vida no Inferno”) – cujos personagens eram um casal gay e o coelhinho Binky, que tinha um filhote bastardo e com uma só orelha chamado Bongo. Mais ácido, impossível. A tirinha começou a ser publicada por revistas alternativas até que um de seus episódios, intitulado Sucesso e Fracasso em Hollywood, foi parar nas mãos do produtor James Brooks. Ele era o completo oposto de Groening: extremamente bem-sucedido, tinha acabado de vencer um Emmy (o Oscar da TV americana) e ganhou essa tirinha emoldurada de presente de uma amiga. Brooks adorou e quis transformar Life in Hell em desenhos animados de um minuto.

Por incrível que pareça, Matt Groening recusou o negócio. Ele estava ganhando algum dinheiro vendendo canecas e camisetas com os personagens da tirinha e não queria transferir os direitos comerciais para a Fox. Mas Groening não dava muita bola para sua outra criação: Os Simpsons, que ofereceu à emissora como uma espécie de prêmio de consolação. Ele desenhou os personagens num guardanapo e anotou seus nomes, que são os mesmos da sua própria família – Homer, Marge, Lisa e Maggie são os nomes do pai, da mãe e das duas irmãs de Groening na vida real (o nome Bart é inventado).

A ideia da emissora era colocar os Simpsons dentro de seu programa de humor, o The Tracey Ullman Show. E, para economizar, a emissora não contratou dubladores. As vozes dos personagens seriam feitas pelos próprios atores do programa principal: Dan Castellaneta, como Homer, e Julie Kavner, como Marge. A atriz Yeardley Smith, que iria fazer a voz de Bart, não agradou. Ela afinou um pouco a voz e acabou pegando o papel de Lisa. E vice-versa: Nancy Cartwright, que iria dublar Lisa, ficou com Bart. Tudo porque, quando viu o desenho e a descrição do personagem, ela soltou um elogio com sua voz esganiçada: “Whoa, man, yeah!” (“uau, cara”, que viria a se tornar a principal expressão de Bart).

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O SEGUNDO AUTOR
O primeiro clipe dos Simpsons ficou péssimo. Mas, depois de ser refeito várias vezes, acabou dando certo e indo ao ar. E o livro conta que isso, segundo as pessoas que trabalharam nele, foi mérito de uma pessoa: o roteirista Sam Simon. Matt Groening levava a fama, mas Simon era o responsável pela criação, pela animação, pela produção e pela pós-produção dos Simpsons. Ele redesenhou praticamente todos os personagens e deu a eles suas características atuais. O palhaço Krusty, por exemplo, tinha sido inspirado em Rusty Nails – um palhaço idoso e bonzinho que Groening havia visto na TV quando era criança. Foi Sam Simon que o transformou numa figura depravada (e hilária), que fuma como uma chaminé e se aproveita de crianças. Simon é considerado o verdadeiro responsável pelo sucesso dos Simpsons – inclusive quando a série deixou o Tracey Ullman Show e ganhou vida própria.

“Matt Groening era o rei do marketing. Ele ficava sentado em sua sala assinando pôsteres e criando novas maneiras de fazer merchandising, enquanto Sam e os roteiristas produziam episódios brilhantes”, acusa o editor Brian Roberts. Com o tempo, Groening começou a ser ignorado pela própria equipe. “Às vezes, ele entrava na sala com as ideias mais estúpidas. Por exemplo: estávamos escrevendo um episódio no qual finalmente Marge desprendia o cabelo. Matt queria que ela tivesse orelhas de coelho, o que seria ridículo”, conta a roteirista Daria Paris. Groening e Simon passaram a brigar cada vez mais. Até que, na 4ª temporada, Simon deixou a série. Mas até hoje, mais de 15 anos depois, ele recebe da Fox. O valor é estimado em US$ 30 milhões anuais e vem de um contrato que dá a Simon participação vitalícia nos lucros dos Simpsons (que ele convenceu a emissora a assinar quando trabalhava na série).

No fim de sua 1ª temporada, em 1990, Os Simpsons colocaram a Fox no mapa: o programa foi o único da emissora a figurar entre os 10 mais vistos da TV americana. Então Rupert Murdoch tomou uma decisão: enfrentar o Cosby Show, que era estrelado pelo comediante Bill Cosby na emissora NBC, e havia vários anos o programa mais assistido dos EUA. Os Simpsons começou a ser exibido no mesmo horário de Cosby – que perdeu espaço e saiu do ar alguns meses depois. A partir daí, o sucesso começou a atingir proporções inimagináveis: era vendido 1 milhão de camisetas por dia com a estampa de Bart Simpson. Com o sucesso, a equipe de roteiristas cresceu e chegou a 16 pessoas, o que se mantém até hoje. Mas eles não vieram de Hollywood, da cena de humor ou dos bares de stand-up comedy. A maioria foi recrutada numa das melhores universidades do mundo: Harvard, onde os estudantes produziam um jornalzinho satírico chamado Harvard Lampoon. “Entre a 2ª e a 8ª temporada da série, pelos menos 80% dos nossos roteiristas eram gente vinda de Harvard”, conta o produtor Bill Oakley. Foi uma grande inovação no jeito de fazer TV. E foi o que deu aos Simpsons suas piadas sofisticadas – cheias de referências a questões culturais, sociais e políticas.

“Hoje em dia, nas melhores escolas de escritores, os jovens não querem escrever literatura. Eles querem escrever para a televisão. E o prêmio maior é conseguir escrever para Os Simpsons”, diz o jornalista e escritor Tom Wolfe. Mas a equipe de roteiristas também incluía pessoas sem formação em literatura, como físicos e advogados – o único requisito para ser contratado pelo desenho era ser engraçado e saber escrever piadas. E a tradição continua até hoje: o roteirista Matt Warburton tem um diploma de neurociência cognitiva pela Universidade Harvard, mesma instituição onde o diretor Al Jean se formou matemático, e o redator Bill Odenkirk é doutor em química pela Universidade de Chicago.

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Se o sucesso intelectual dos Simpsons é fruto da inteligência criativa reunida na sala dos roteiristas, o sucesso comercial é mérito do produtor James Brooks. Mas, segundo o livro, ele nem sempre agiu de forma totalmente honesta. Passou a perna no também produtor Jerry Benson, que era seu amigo íntimo e parceiro desde os anos 60. Benson participou da criação do desenho e supostamente teria direito, por contrato, a ficar com uma parte dos lucros dos Simpsons. Mas nunca levou nada, e teve de entrar na Justiça para brigar por seus direitos. Acabou aceitando um acordo de US$ 100 mil – valor irrisório por uma participação que valia milhões de dólares. Os dois nunca mais se falaram, e Benson morreu em 2006.

A BRIGA NA FAMÍLIA
Nas duas primeiras temporadas, os atores que fazem as principais vozes (Bart, Lisa, Homer e Marge) recebiam US$ 3 mil por episódio cada um. Com o passar dos anos, esse valor foi aumentando até chegar, em 1999, a US$ 25 mil por episódio. Era bastante, mas era nada perto do que ganhavam os astros da série Seinfeld, por exemplo (US$ 600 mil por episódio cada um). Isso causou revolta entre os dubladores, que entraram em greve. Eles achavam que suas vozes eram essenciais para os personagens. Rupert Murdoch não concordava, e ameaçou demitir todo mundo. Os contratos acabaram sendo renegociados – hoje cada voz dos Simpsons recebe US$ 300 mil por episódio -, mas a Fox fez uma malandragem: com uma manobra jurídica, conseguiu que o aumento só começasse a ser pago 5 anos depois. Mais uma greve, e mais um surto de ódio entre os atores e a emissora. O dublador Harry Shearer, que faz as vozes de vários personagens (como Mr. Burns, Smithers, Flanders, Diretor Skinner e Reverendo Lovejoy), começou a andar pelos estúdios da emissora vestindo uma camiseta na qual estava escrito: “Você vai receber em 2005”. A crise foi resolvida, mas deixou marcas profundas. No 13º episódio da 10ª temporada da série, Homer faz um ataque velado à Fox: diz que as emissoras gostam de desenhos animados porque podem pagar uma mixaria aos dubladores. E Ned Flanders completa: “E podem trocá-los sem que ninguém perceba a diferença”. Apesar dos conflitos, das polêmicas e das brigas por dinheiro, os Simpsons conquistaram um legado indiscutível: US$ 3 bilhões em receita (somente o filme rendeu US$ 526 milhões) e fãs incondicionais em todo o mundo. Mas o verdadeiro motivo disso não é o que se imagina. O produtor Jay Kogen explica: “Nós pensávamos que estávamos escrevendo programas inteligentes e especiais, cheios de boas piadas. Foi aí que vimos um estudo feito pela Fox. Ele mostrava que os principais motivos pelos quais as pessoas gostavam dos Simpsons eram as cores bonitas, e quando Homer batia com a cabeça”. Doh!

PHDs em piadas
Como os redatores-cientistas influenciaram a série.
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Entre os roteiristas dos Simpsons, há cientistas de várias especialidades (leia no texto ao lado). E isso teve efeitos nítidos sobre a série. Entre todas as celebridades que já tiveram participações no desenho, quem mais apareceu foi um cientista: Stephen Hawking (4 vezes). E os redatores também incluíram diversas piadas de teor científico. No 21º episódio da 6ª temporada, por exemplo, Lisa tenta criar uma máquina de moto-perpétuo. E Homer diz: “Lisa, nesta casa obedecemos às leis da termodinâmica”.

Para saber mais

The Simpsons: An Uncensored, Unauthorized Story
John Ortved, faber & Faber, 2010.

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