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Os Novos Baianos: Besta é tu

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h49 - Publicado em 31 out 2004, 22h00

Texto Okky de Souza

Com os velhos tropicalistas no exílio em londres, coube aos Novos Baianos a missão de abrir trincheiras de alegria no devastado cenário do rock. Ao converter em música o que ainda era discurso nas mãos de Gilberto Gil e Caetano Veloso, fizeram o país cantar samba e choro na cadência pesada das guitarras elétricas

Hoje em dia, música que importa e empolga é feita de fusão de ritmos, mistura, caldeirada sonora proporcionada pela era da informação instantânea. Mas nem sempre foi assim.

No Brasil dos anos 70, sambista não se misturava com roqueiro. Quem gostava de Led Zeppelin tinha de achar Chico Buarque careta e, para a turma do pandeiro e do tamborim, os cabeludos eram todos alienados e maconheiros. Na época, os mais visionários já sonhavam em combinar o instrumental do rock com a riqueza harmônica da MPB, em misturar as duas músicas mais ricas do planeta – a brasileira e a americana. A tropicália até já tentara realizar essa proeza, mas, se a turma de Caetano e Gil era boa de atitude, o resultado musical era quase sempre ingênuo ou pífio. Foi quando caíram do céu os Novos Baianos. Com seu assombroso LP (sim, estamos na época do LP) Acabou Chorare, aquele grupo de gente esquisita conseguiu pela primeira vez um casamento harmonioso da música brasileira com o rock.

Como sempre acontece nas grandes invenções, a fórmula mágica era na verdade muito simples: um regional acompanhado de guitarra elétrica e bateria. Com essa formação, os Novos Baianos já haviam feito algum barulho no cenário musical de Salvador e do Rio de Janeiro com espetáculos caóticos como O Desembarque dos Bichos e discos abusadíssimos como É Ferro na Boneca. Permaneciam, porém, como uma novidade exótica para paladares hippies mais renitentes. Foi quando aconteceu a grande virada na carreira do grupo. Um dia, eles conheceram João Gilberto, o genial inventor da bossa nova e, como eles, baiano até a medula. Na época, o grupo e mais agregados, dez pessoas ao todo, dividiam um apartamento de quarto e sala no bairro de Botafogo. Para resolver o problema de espaço, montavam-se tendas suspensas pelas paredes e barracas de acampamento. João Gilberto costumava chegar ao apartamento no final da madrugada, esticava uma nota de 50 cruzeiros, mandava comprar café da manhã para todo mundo (uma das convidadas era a mendiga que morava em frente ao prédio) e iniciava intermináveis jam sessions com os Novos Baianos. Antes roqueiros radicais, eles foram aprendendo o valor de uma boa harmonia e o prazer de um suingue brasileiro.

Mais de 30 anos depois de seu lançamento, Acabou Chorare permanece como um dos melhores discos nacionais de todos os tempos. Sua faixa mais emblemática é “Brasil Pandeiro”, um antigo samba-exaltação de Assis Valente, um dos compositores favoritos de Carmem Miranda, que se matou em 1958 ao ingerir guaraná com formicida. O disco inteiro, no entanto, respira inovação, irreverência e vem sendo descoberto por sucessivas gerações. O rock se mistura ao samba, ao choro e ao frevo numa usina sonora que revolucionou a música brasileira na época e abriu caminho para muitas outras fusões do gênero. O disco seguinte, Novos Baianos F.C., embora menos festejado pela crítica, também esbanjava talento e originalidade. O grupo se desfez em 1978 e todos os integrantes de seu núcleo – Moraes Moreira, Baby Consuelo, Luiz Galvão, Pepeu e Paulinho Boca de Cantor – seguiram carreiras-solo em que continuaram a praticar a fusão MPB-pop, freqüentemente com resultados brilhantes.

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Não foi fácil para os Novos Baianos conseguir abrir caminho no showbiz. Com seus cabelos de medéia e roupas saídas de um filme de terror, eles assustavam as pessoas nas ruas. Baby Consuelo costumava andar com um espelho retrovisor de Fusca pregado à testa e a experiência comunitária do grupo era radical demais para os padrões brasileiros. Para se ter uma idéia, tudo o que ganhavam com shows era colocado num saco de papel que ficava atrás da porta da cozinha – cada um tirava dali a quantia que julgava necessária para sobreviver. O cantor Orlando Silva, que durante um tempo foi vizinho do grupo no Hotel Paramount, em São Paulo, costumava refugiar-se em seu quarto quando os encontrava na portaria. Quem acreditou na turma foi João Araújo, produtor e sócio da gravadora Som Livre (e, futuramente, conhecido como pai do compositor Cazuza), que bancou a gravação de Acabou Chorare e impulsionou a carreira do grupo.

Há sete anos, aproveitando uma série de shows comemorativos que voltou a reunir os Novos Baianos, o letrista Luiz Galvão lançou um livro imperdível para quem quer saber mais sobre a história do grupo, entender sua importância para a música brasileira e, de quebra, dar boas risadas com as aventuras da turma. Chama-se Anos 70: Novos e Baianos. Vários episódios, por sinal, têm como protagonista João Gilberto.

Conta Galvão que, certa madrugada, como até hoje faz com os amigos, João o convidou para passear de carro pelo Rio. Foram andando e Galvão levou um susto quando João avançou um sinal vermelho sem nem ao menos parar no cruzamento para ver se vinham carros na transversal. Mal teve tempo de se recuperar e… zum! – João cruzou outro sinal vermelho sem olhar para os lados. No quarto sinal, que estava verde, João foi pisando no freio e parou. Um carro passou zunindo por eles. Já sem fôlego, Galvão lhe perguntou: “Como você sabia que vinha um carro?” João respondeu, com a sabedoria musical de velhos e novos baianos: “Pelo som. Estou dirigindo de ouvido”.

1972

JANEIRO

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• David Bowie, em entrevista, afirma ser bissexual.

• Caetano Veloso e Gilberto Gil voltam definitivamente para o Brasil, após o exílio.

FEVEREIRO

• Chega às bancas a primeira edição da revista Rolling Stone brasileira. A editora americana nunca recebeu pelos direitos da marca.

MARÇO

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• Primeira transmissão de TV em cores no Brasil: é a Festa da Uva, em Caxias do Sul (RS).

• Sai Mutantes e Seus Cometas no País do Baurets, último disco dos Mutantes com Rita Lee.

ABRIL

• O Deep Purple lança Machine Head, com “Smoke on the Water”.

MAIO

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• Sai Exile on Main Street, considerado por muitos o melhor trabalho dos Rolling Stones.

JUNHO

• Estoura, nos EUA, o caso Watergate, que envolveu escuta ilegal na sede do Partido Democrata, por membros do governo

• O Pink Floyd registra as primeiras sessões de Dark Side of the Moon.

JULHO

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• Sai The Slider, do T. Rex.

• Apreensão da revista Veja, devido à matéria de capa, que falava sobre um surto de meningite que se iniciava no Norte e Nordeste – o artigo foi considerado pelo Ministério da Saúde um “inimigo da segurança nacional”. Nos meses seguintes, 12 mil pessoas morreriam vítimas de meningite.

SETEMBRO

• Emerson Fittipaldi torna-se o primeiro brasileiro campeão mundial de Fórmula 1 ao vencer o GP de Monza, na Itália.

OUTUBRO

• Estréia, no New York Film Festival, o controverso filme O Último Tango em Paris.

NOVEMBRO

• O poeta tropicalista Torquato Neto é encontrado morto, após suicidar-se com gás.

• Apesar da polêmica de Watergate, Richard Nixon é reeleito presidente dos Estados Unidos.

DEZEMBRO

• O grupo Secos & Molhados sobe ao palco pela primeira vez, em São Paulo.

O guitarrista: Pepeu Gomes

O grande público só o conheceu em 1982 com “Fazendo Música, Jogando Bola”, mas Pepeu Gomes já tinha muita estrada. Ainda adolescente, em Salvador, formou com os irmãos o grupo Os Minos, no qual tocava baixo, que lançou um compacto em julho de 1967 influenciado pela jovem guarda. A guitarra surgiu pela primeira vez em Barra 69, de Caetano e Gil, em que aparece com seu grupo Os Leif’s. Seu estilo foi definido com os Novos Baianos a partir de É Ferro na Boneca (1970). A importância no grupo só fez crescer: se no clássico Acabou Chorare (1972) foi co-autor de “Besta É Tu”, em Caia na Estrada e Perigas Ver (1976) assinava oito faixas. Neste álbum despontou a veia virtuosa em “Brasileirinho” (Waldir Azevedo). Para obter o som distorcido, ele utilizou peças da televisão do sítio coletivo – desde os 14 anos se dedicava à construção de peças como o guibando (fusão de guitarra e bandolim) e os modelo PG, feitos com Roger Meyer (técnico de guitarra de Jimi Hendrix). Em 1978, estreou solo com o instrumental Geração do Som, do clássico “Malacaxeta” e tornou-se referência na fusão do rock com o frevo e o choro. Após tocar em Montreaux, em 1980, deu uma guinada pop em Um Raio Laser (1982), com a então esposa Baby Consuelo. Pepeu chegou às rádios e ajudou a definir os parâmetros do rock nacional pré-Rock in Rio.

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