Que a americana Isadora Duncan (1878-1927) foi a precursora da dança moderna e uma das personagens mais fascinantes do nosso tempo, ninguém duvida. Inúmeros livros e filmes já foram lançados sobre sua vida e sua arte, dois de autoria da própria Isadora. Resultado de dez anos de pesquisas, o cuidadoso trabalho do escritor americano Peter Kurth em ISADORA, UMA VIDA SENSACIONAL (Editora Globo) mostra que, além de dançarina incomparável, ela era uma ótima contadora de histórias. As lembranças de Isadora, no entanto, nem sempre são precisas e confiáveis. Mesmo a sua “mais remota memória” – a de ter sido atirada de uma janela durante o incêndio de sua casa, em San Francisco – é apontada por Kurth como um possível delírio de Isadora.
A dançarina foi uma transgressora. Ela se rebelou contra o formalismo do balé tradicional e criou um estilo mais solto, dançando descalça e usando uma túnica que lhe permitia maior liberdade de movimentos. Durante sua última turnê nos Estados Unidos, em 1922-23, exibiu os seios no palco (se a cantora Janet Jackson escandalizou os americanos ao fazer algo parecido durante o intervalo do Super Bowl, em fevereiro deste ano, imagine o escarcéu que Isadora provocou há mais de 80 anos…).
Sua vida foi repleta de escândalos e desgraças. Adepta do amor livre, deu à luz três filhos de três homens diferentes. Todos os filhos morreram precocemente – dois deles afogados, e o terceiro, logo após o parto. A própria Isadora teve um desfecho trágico: morreu estrangulada com uma longa echarpe, que se enroscou na roda do carro em movimento. Só os dramas pessoais seriam suficientes para compor uma existência incomum. Somados ao seu impacto na dança, no feminismo e na moda, sua vida torna-se mais do que sensacional.
As aventuras de Nureiev
O ficcionista irlandês Colum Mc-Cann criou uma história imaginativa em O BAILARINO (A Girafa), uma biografia do russo Rudolf Nureiev (1938-1993). McCann deixa claro que seu interesse é mais pela maneira como uma história é contada do que pela objetividade dos fatos. Para amarrar melhor o enredo deste livro, pessoas reais convivem com personagens inventados, com direito a im-pactantes descrições de cenas da Se-gunda Guerra Mundial.
Auto-retrato de um intelectual
Em uma cuidadosa edição, A IDADE VIRIL (Cosac & Naify) chega às livrarias como o primeiro de uma série de textos autobiográficos do antropólogo francês Michel Leiris (1901-1990). Quem se aventura pelo texto denso é logo cativado pela detalhada e sincera descrição da personalidade do autor. Misto de romance e ensaio, traz as primeiras impressões da infância, seus relacionamentos e a compreensão da morte.
Álbum de família
Da apresentação ao posfácio, TARSILA POR TARSILA (Celebris) é uma home-nagem terna à pintora modernista, feita pela sobrinha-neta – que também se chama Tarsila do Amaral. O livro traz fotos inéditas ou pouco conhecidas, assim como a correspondência da família e o álbum de viagens daquela que é considerada a maior pintora bra-sileira. A maioria dos capítulos recebe títulos de quadros da Tarsila-tia, com um texto explicando em que contexto foram produzidas as obras.
Olhos que choram
DORA MAAR, PRiSIONEIRA DO OLHAR (Imago), da escritora argentina Alicia Dujovne Ortiz, é a história da fotógrafa e pintora francesa Henriette Théodora Markovitch, mais conhecida co-mo Dora Maar (1907-1997). Aman-te do pintor Pablo Picasso durante sete anos, aparece em algumas das principais telas do mestre catalão, como A Mulher Chorando e Guernica. Das várias mulheres de Picasso, foi a que mais sofreu com a separação.
Desvendando a espiã
A narrativa fluida da escritora de best-sellers Lauren Kessler faz o leitor se sentir com um romance policial nas mãos. Mas ELIZABETH BENTLEY, UMA ESPIÃ AMERICANA A SERVIÇO DA KGB (Landscape) é a história real da “Cle-ver Girl”, codinome da mulher que, durante a Segunda Guerra, fez espionagem para os soviéticos e depois virou uma informante do FBI, desencadeando assim o macartismo, a caça a comunistas nos Estados Unidos na época da Guerra Fria.
Che por Ernesto
DE MOTO PELA AMÉRICA DO SUL (Sá Editora) é o diário de Ernesto Che Guevara sobre a viagem que realizou da Argenti-na à Venezuela, em 1952, junto com o amigo Alberto Granado. O livro, que inspirou Diários de Motocicleta, está sendo relançado na carona da estréia do filme do diretor Walter Salles. Revela a faceta humana do jovem de 23 anos que, mais tarde, combateria em Cuba ao lado de Fidel Castro. Em seu diário de viagem, o futuro guerrilheiro deixa o altruísmo de lado ao ver que seu ami-go Alberto estava com forte dor de estômago. Ernesto estava cansado de-mais para se preocupar com as dores de outra pessoa. “Então lhe receitei coragem, virei de lado e dormi até de manhã”, conta. Depois de visitar a tribo Yaguas, comentou, um tanto desapontado, sobre o uso de roupas pelas índias: “Não se pode admirar seus pares de seios”. Não é que o camarada era gente como a gente?
Pingue-pongue
Três perguntas para Peter Kurth, autor de Isadora, Uma Vida Sensacional
Por que Isadora Duncan teve papel fundamental na dança moderna?
Ninguém havia dançado com o corpo por inteiro antes de Isadora. O balé que ela conheceu e desdenhava não era o balé que conhecemos hoje. Era um espetáculo acrobático, sem a graça e fluidez que existe atualmente. Essa mudança foi determinada por ela.
Há poucas fotos de Isadora dançando e nenhuma imagem em movimento. Como escrever sobre a artista quase sem seu registro visual?
Foi um enorme desafio. Quase todos os textos escritos sobre Isadora cometeram o erro de tentar descrever sua dança, o que resultava em textos tediosos. Meu objetivo foi assegurar que minha história nunca perdesse o movimento. Assim, os leitores poderiam ter uma sensação de como ela dançava.
Como foi retratar o temperamento difícil de Isadora?
Foi o que mais me assustou quando comecei o trabalho, além do fato de não ter qualquer conhecimento anterior a respeito da dança. Como torná-la simpática e como fazer fluir a história de uma pessoa cuja personalidade, essencialmente, não muda? No fim, estava apaixonado por ela.
Na cabeceira
Samuel Rosa*
“Acabei de ler Dylan: a Biografia, de Howard Sounes (Conrad Editora). Uma das coisas que mais me marcaram nesse livro foi constatar que Bob Dylan não se transformou no artista cultuado e respeitado que é hoje de modo premeditado. Sua carreira foi, quase na totalidade, construída de modo espontâneo, natural. Se existe hoje resquício de inteligência no pop mundial, devemos isso a Bob Dylan.”
* Vocalista e guitarrista do grupo Skank