Por que Brian Wilson desistiu de terminar um álbum dos Beach Boys?
Seu projeto ambicioso depois da obra-prima "Pet Sounds" era "Smile", que nunca saiu em sua forma definitiva – mas, ainda assim, influenciou gerações de artistas

A morte de Brian Wilson, aos 82 anos, foi anunciada na última quarta-feira (11) por um post no Instagram feito por sua família. O membro dos Beach Boys, banda californiana de rock que inspirou os Beatles e praticamente tudo que aconteceu na música popular depois deles, é tido como um dos maiores compositores e arranjadores da história do pop.
Wilson e seus companheiros dos Beach Boys começaram a carreira cantando sobre surfe, garotas e passear pelos Estados Unidos, mas sempre com arranjos vocais criativos e harmonias complexas, raras na música pop. A cada álbum que passava, na primeira metade dos anos 1960, eles experimentavam técnicas de gravação mais modernas, novas drogas como o LSD e a mistura entre instrumentos de orquestra, teclados eletrônicos e os de uma boa e velha banda de rock.
Em 1966, Wilson compôs e gravou sua obra-prima, Pet Sounds. O título do álbum foi inspirado na reclamação de um dos membros da banda, seu primo Mike Love, que disse que só quem ouviria aquelas músicas seriam cachorros. Ele estava errado, claro: na lista mais recente da revista Rolling Stone sobre os maiores álbuns de todos os tempos, o disco aparece em segundo.
Pet Sounds mudou o som da música popular que o prosseguiu: ele inspirou os Beatles a gravar álbuns mais psicodélicos e conceituais, incentivou inúmeros artistas a procurar por ideias no campo da música clássica e plantou as sementes de gêneros como art pop e dream pop. Influenciou até os emos.
Foi um álbum visionário, mas uma decepção comercial quando lançado. Wilson era um gênio incompreendido do pop, e até alguns membros da banda desconfiavam do seu talento.
Ainda assim, para suceder o Pet Sounds, Wilson dobrou a aposta. Sua ideia ambiciosa foi criar uma “sinfonia adolescente para Deus”. O álbum, chamado de Smile (“sorriso”), começou a ser gravado em 1966 só por Brian, enquanto o resto dos Beach Boys estavam em turnê.
Esse foi o começo de um processo de gravação complicado, marcado por problemas de saúde mental e abuso de drogas, que levariam a uma perda de importância de Wilson no processo criativo dos Beach Boys. A versão final do disco nunca saiu.
Sem sorrisinho
O início foi o single “Good Vibrations” (“boas vibrações”). A música começou a ser gravada para o Pet Sounds, mas foi deixada de lado porque Wilson não estava satisfeito com o arranjo.
Ele resolveu, então, experimentar com uma técnica diferente: em vez de gravar tudo numa única performance, Wilson picotou a canção em segmentos e depois, juntou as sessões em um produto final coeso na edição.
Pode não parecer grande coisa, já que hoje qualquer um pode gravar uma música assim usando o celular. Porém, para a época, o experimento de Wilson era novidade. Ele resolveu fazer um álbum inteiro a partir de fragmentos modulares, com assistência do instrumentista e letrista Van Dyke Parks. Alguns pedaços de músicas seriam reutilizados em outras, e tudo poderia ser reorganizado no produto final, que misturaria algumas canções tradicionais com outras vinhetas experimentais.
Pet Sounds não era o álbum mais bem-sucedido da banda, mas a crítica e os britânicos, sempre a frente dos Estados Unidos na experimentação musical, tinham adorado o disco. Por isso, a Capitol Records resolveu apoiar o projeto vanguardista de Wilson, que queria sair na frente dos Beatles e de outras bandas do Reino Unido na corrida pelo trono da música pop.
A imprensa musical da época estava pirando com as coisas que ouvia no estúdio, e os jornalistas diziam que o álbum tinha um potencial revolucionário. Mas a gravadora começou a ficar cansada de esperar.
Mike Love estava brigando com Van Dyke Parks por causa das letras esotéricas demais, e o próprio Wilson tinha medo de completar o projeto e enfrentar a reação negativa do público. Sem good vibrations rolando no estúdio dos Beach Boys.
Brian já tinha sofrido um colapso nervoso em 1964 que o levou a parar de acompanhar a banda em todas as turnês. Seus problemas de saúde mental se misturavam com um perfeccionismo obsessivo, que o levou a gravar mais de 50 horas de música durante as sessões de estúdio para o Smile. Mesmo assim, no meio de 1967, o álbum ainda estava só 50% pronto.
Anos depois, Wilson foi diagnosticado com transtorno bipolar e esquizoafetivo. Não se sabe se ele já sofria com essas doenças durante as gravações do Smile, mas há registros de alucinações e paranoia, e tudo isso provavelmente era intensificado pelo uso de drogas como o LSD e a maconha.
No final de 1966, o perfeccionismo de Wilson havia atrasado o projeto, que deveria seguir o single Good Vibrations, lançado em outubro de 1966. A maioria das músicas já estava em produção, mas poucas estavam finalizadas. Parks parou de trabalhar no álbum, várias fitas de música se perderam e a banda entrou numa briga judicial contra a Capitol para receber mais dinheiro de royalties. A paranoia de Wilson só aumentava, e ele passou a duvidar de todos à sua volta.
Wilson desistiu de lançar o álbum, com medo do que o público ia achar. Mas os Beach Boys ainda precisavam lançar alguma coisa, depois de tanto tempo no estúdio trabalhando em músicas novas. Entre junho e julho de 1967, os membros da banda se dedicaram a gravar algumas novas músicas e versões simplificadas de algumas faixas do Smile.
O resultado foi o disco Smiley Smile, lançado em setembro do mesmo ano – e recebido com confusão pelos fãs.
Depois disso, Wilson passou a ter um papel cada vez menor na produção dos álbuns dos Beach Boys. Algumas músicas do Smile foram retrabalhadas para projetos futuros, mas o álbum dos sonhos foi abandonado por décadas.
Em 2004, Wilson se reuniu com Parks para gravar uma versão ao vivo do álbum, como eles haviam imaginado nos anos 1960, que foi lançada como um projeto solo. Em 2011, a banda lançou The Smile Sessions, contendo várias das gravações não finalizadas do álbum.
Apesar de nunca ter sido lançado na versão definitiva, a obra-prima que nunca aconteceu inspirou artistas do mundo todo a gravar música de um jeito diferente. Mesmo sem Smile, as músicas de Brian Wilson nunca deixaram de fazer as pessoas sorrir.