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Por que é que o final de Game of Thrones foi tão decepcionante

O final foi insatisfatório para boa parte dos fãs, que estavam acostumados com outro tipo de série. Uma teoria explica exatamente o que mudou.

Por Ana Carolina Leonardi Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 2 ago 2022, 11h20 - Publicado em 20 Maio 2019, 14h50

George R. R. Martin sempre avisou que o final de As Crônicas de Gelo e Fogo seria agridoce. O que ele provavelmente não desconfiou é que a série – que ultrapassou os livros e encerrou a saga primeiro – terminaria descrita por boa parte dos fãs (e do elenco) como uma decepção completa.

Fato é que Game of Thrones mudou muito da 7ª temporada em diante. Muita gente percebeu a mudança, mas não sabia exatamente como descrevê-la. Até que surgiu uma voz no meio do ruído que soube explicar exatamente o que aconteceu. Daniel Silverman, um filósofo fã de sagas de fantasia, criou uma thread no Twitter capaz de cravar o que está na raiz desse estranhamento.

Como muitos fãs já desconfiam, grande parte da diferença entre o antes e o depois da 7ª temporada está na maneira como os roteiristas deram seguimento à história no momento em que ela ultrapassou os livros de Martin, e parou de ser adaptada em cima de uma narrativa já escrita.

A responsabilidade pela decepção geral, portanto, acaba caindo no colo de David Benioff e Daniel B. Weiss, os showrunners, principais autores da série para a TV. Mas Silverman, de uma maneira bastante racional, deixa claro que não existe nada de intrinsecamente ruim na maneira como os produtores trabalharam. Ela só foi radicalmente diferente do tipo de narrativa com a qual os fãs se acostumaram por 6 temporadas.

Vamos às diferenças?

Primeiro, Silverman explica que, na hora de começar a escrever uma história, um autor pode escolher algumas estratégias diferentes. Ele pode escolher ser um “plotter”, uma espécie de esquematizador de enredo. Antes de colocar qualquer palavra no papel, ele cria um esqueleto da história… Baseado no capítulo final.

Ou seja: um escritor, como plotter, sabe exatamente como quer que a história termine. Ele tem um gran finale claro em mente, e a partir daí trabalha de trás para frente para entender o que os personagens precisam fazer para atingir aquele final.

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Benioff e Weiss agiram como plotters de Game of Thrones. Eles sabiam qual era o final que queriam – e entendiam que parte desse final tinha sido estabelecido por Martin lá atrás, quando ele começou a escrever a saga.

Houve um momento bastante específico em que os produtores criaram o esqueleto que levaria até os últimos capítulos: o final da 6ª temporada. Eles decidiram, ali, que a série teria mais 13 episódios, divididos em duas temporadas. E que, ao final desses 13 episódios, eles precisariam atingir o fim que estabeleceram, a qualquer custo.

Saíram dali com um checklist de onde os personagens chegariam e pelo que teriam de passar. E só aí foram escrever as temporadas.

O problema

Não existe absolutamente nada errado com essa forma de abordar uma narrativa, é claro. Colocar a ênfase no final da história pode ter um resultado positivo. Mas, se é assim, porque foi tudo tão decepcionante?

Bem, é que existe uma segunda forma de tratar a narrativa, como Silverman explica. De um lado você tem um autor plotter. De outro, você tem o que ele chama de “pantser”, um autor que tem uma ideia geral de onde quer chegar, mas que segue a narrativa segundo o tipo de personagem que ele criou.

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George R. R. Martin é esse tipo de escritor: ele tinha pontos principais da história delineados, mas, a partir do momento em que cria e amadurece seus personagens, ele deixa que a personalidade desses personagens guie todas as ações da trama. Uma ação só é colocada no papel se ela faz sentido com relação ao espírito daquele personagem, e ao momento que ele está vivendo.

Martin, inclusive, costuma dizer que criar a saga foi como cultivar um jardim. Ele plantou seus personagens como se fossem sementes. Regou cada um deles. E, então, seu enredo passou a ser pautado por essas “plantas”, e pela forma como elas naturalmente se desenvolviam.

(Uma pequena digressão: a origem do termo “pantser” vem da expressão, também em inglês, “flying by the seat of his pants”. Ela se refere aos pilotos do início da aviação, que voavam com poucos equipamentos de auxílio, só sentindo as condições de voo e da aeronave. Eles dirigiam por feeling, mais ou menos como os autores pantsers fazem em suas histórias).

Bem, escritores como Martin pensam as histórias conforme as escrevem, apesar de também terem em mente um esqueleto da história. Eles sabem onde querem chegar, mas priorizam como vão chegar neste final.

Voltando, então, a Game of Thrones: o que surpreende, de fato, não são os destinos finais dos personagens, em si. Os produtores não imaginaram esses finais sozinhos – tem o dedo de George R. R. Martin ali também. Mas a prioridade de Weiss e Benioff era chegar a este final. Enquanto Martin, como vimos, prioriza como esse final é construído.

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A mesma narrativa, com o mesmo final, poderia ter sido profundamente mais satisfatória – e é isso que esperamos dos livros, no dia em que eles forem finalmente publicados.

Existem vantagens e desvantagens tanto na perspectiva de Weiss e Benioff quanto na de Martin. Os plotters geralmente chegam a finais surpreendentes. Mas seus personagens, como diz Silverman, acabam ficando mais duros, e bem menos realistas. Por isso, a surpresa acaba sendo insuficiente para satisfazer quem acompanha a série.

Do outro lado, George R. R. Martin vive o principal problema de escrever como um “pantser”: às vezes, a história trava. Em alguns momentos, pode ficar difícil fazer com que os personagens avancem na narrativa sem que isso pareça artificial. Martin se recusa a criar atalhos artificiais para seus personagens – o que torna seus livros extremamente complexos de escrever conforme a saga se aproxima do final.

E o que dá para concluir de tudo isso?

A grande conclusão aqui é que não há problema em ser um plotter. Nem em ser um pantser. Só que essas duas formas de roteirizar uma história não se misturam muito bem.

Nos acostumamos por seis longas temporadas a personagens extraordinariamente bem construídos e repletos de nuances. Quem eles eram e como suas personalidades se moldavam era a principal matéria-prima de Game of Thrones. Os plot twists, nesse sentido, eram até secundários – só aconteciam porque o momento dos personagens assim permitia.

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Até a 6ª temporada, os roteiros buscavam as coisas mais surpreendentes que poderiam ocorrer com aqueles personagens, considerando o que eles tinham vivido até ali, e a consciência própria que essas personas já tinham desenvolvido. A prioridade, de novo, não era o que acontecia. Era como acontecia.

Da 7ª temporada em diante, essas prioridades se invertem. Os roteiristas tinham um objetivo final, e cada capítulo era um passo dado em direção a esse objetivo. Com poucos capítulos disponíveis à frente, a narrativa acelerou muito – coisa que os fãs rapidamente perceberam.

Mas a verdadeira mudança era mais profunda que isso. Sem querer soar maquiavélico demais, o fim se tornou mais importante que os meios… Numa série que se tornou hors concours em construir esses “meios”. Como Silverman coloca brilhantemente: “Uma série cujo grande tema era o peso do passado passou a ser sobre o espetáculo do presente”.

Resultado: a sensação do público foi de que a narrativa passou por cima dos personagens, ao invés de caminhar com eles.

Para encerrar, deixamos aqui a thread original, com alguns exemplos extras dos diferentes desafios que Martin encontrou enquanto pantser, e da lógica dos produtores ao escolher como escreveriam o final.

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E este vídeo de Emilia Clarke, atriz que interpretou Daenerys Targaryen, imitando sua própria reação quando leu o roteiro final.

Sabemos como você se sente, Dany.

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