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Profissão: coveiro e escritor

Quem vê Francisco Pinto de Campos Neto, o Tico, enterrando corpos, nem imagina que é um autor elogiado

Por Taísa Szabatura
Atualizado em 7 mar 2024, 11h14 - Publicado em 28 set 2014, 22h00

Como você se tornou coveiro?

Quando minha mãe morreu, em 2010, fiquei muito abalado, fui parar na rua e nas drogas. Eu vivia como um mendigo quando vi o anúncio de um concurso para ser sepultador no Cemitério da Consolação. Consegui R$ 10 emprestados para a inscrição, me preparei e passei.

E a carreira de escritor?

Em 2006, lancei meu primeiro livro, uma coletânea de contos chamada Elas, etc., bancada por um amigo. Ninguém leu. Em 2012, enquanto eu esperava o resultado do concurso, outro amigo meu, o Binho [Robson Padial, poeta que organiza um sarau na Zona Sul de São Paulo], me deu hospedagem. Nesse mesmo período consegui, via Binho, que uma agência de fomento à cultura publicasse 500 cópias do meu segundo livro, As Núpcias do Escorpião. As duas notícias, que meu livro seria publicado e a aprovação no concurso para sepultador, vieram juntas.

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Você já escrevia fazia muito tempo?

Desde os 14 anos, tenho muita coisa guardada. No colégio, eu era um aluno bagunceiro, e depois virei um aluno apático, que só se interessava por redação. Passei em letras na USP em 1980, mas não cheguei a terminar o curso.

Já se sentiu mal por ser coveiro?

Jamais. O prestígio deveria ser igual ao de toda profissão. O martelo do borracheiro deveria ter o mesmo peso do martelo do juiz – se furar o pneu, ele não chega à audiência. Já trabalhei com todo tipo de bico. E, veja, eu estava numa situação ruim, vivendo na rua ou em albergues. Precisava trabalhar, então vi essa profissão como um começo.

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Você escreve no cemitério?

Nunca escrevo lá por falta de tempo. Porém, o escritor está sempre trabalhando, se você for pensar. Enquanto caminho pelo lugar, tenho ideias.

Seus contos abordam temas mórbidos e dolorosos. A carreira funerária o inspira a seguir essa linha?

Gosto de dizer que escrevo, para citar Dostoievski, sobre os humilhados e os ofendidos. Os miseráveis de modo geral. Não falo só de grana: os miseráveis de criatividade, de afetividade, de tudo. E falo muito sobre loucura. Estive 20 vezes internado por causa de drogas. Fiquei em clínica classe média e até em lugares horríveis onde te tratam como um animal, com arame farpado, jaulas e punição. Quis mostrar o que eu vivi.

E hoje, você está bem?

Faço meu trabalho e tenho meu quartinho numa pensão. É um lugar pequeno, mas é meu. E é lá que escrevo.

O cineasta Zé do Caixão elogiou muito sua obra. Deu “nota 8,5 numa escala onde o Edgar Allan Poe é nota 10”. Como você se sentiu depois disso?

Meu ego ficou duro. Fiquei lisonjeado e deu uma força grande para o meu trabalho. Tivemos até que fazer uma reimpressão. Primeiro foram 500 exemplares e agora sairão mais 2 mil cópias.

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Elvis Presley e Rod Stewart também foram coveiros antes da fama. Você acredita que pode fazer o mesmo sucesso como escritor?

Não sei se tanto sucesso quanto o deles, mas espero que sim. Sem parecer pretensioso, quero que meu próximo livro, um romance, chegue para arrebentar. Quem viver, verá.

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