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Programa de televisão: Síndrome do Pânico

Um programa de televisão faz sucesso colocando pessoas famosas em situações ridículas. Quando foi que deixamos de adorar nossos ídolos? E por que amamos ver as celebridades pagando micos?

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h47 - Publicado em 28 fev 2005, 22h00

Cláudia de Castro Lima

Eles adoram constranger pessoas famosas. Para a ex-Casa dos Artistas Mariana Kupfer perguntaram: “Você não deu certo como apresentadora, atriz e cantora. O que você é agora?”. Pediram ao ex-prefeito Paulo Maluf a senha da conta na Suíça. Perseguiram o apresentador Clodovil com a intenção de fazê-lo calçar um ridículo chinelo dourado, as “sandálias da humildade”. Em outra ocasião, disseram para a jornalista Marília Gabriela mandar um beijo para o filho dela. “Qual deles?”, perguntou Marília. “O Reynaldo Gianecchini”, responderam.

Parece mau gosto? Pode ser. Mas foi com essas pérolas que o Pânico na TV, exibido pela RedeTV! aos domingos, tornou-se fenômeno de audiência. A atração, que estreou há um ano e meio com 3 pontos de média no Ibope, hoje bate picos de 13 – como cada ponto equivale a 50 mil domicílios na Grande São Paulo, significa dizer que apenas na região metropolitana paulista o programa é sintonizado em 650 mil televisores.

A fórmula é simples: uma boa dose de criatividade, humor negro e, o mais importante, eficiência em tirar sarro dos famosos. “O sucesso do Pânico mostra que a relação entre a sociedade e suas celebridades ocupa um papel cada vez mais central no mundo contemporâneo”, afirma a antropóloga e professora da Escola de Comunicações e Artes da USP, Esther Hamburger. Pelo jeito, além de central, essa relação é também um bocado turbulenta. Por que amamos acompanhar a vida e o trabalho das celebridades mas, ao mesmo tempo, adoramos vê-las em situações constrangedoras? Como entender que um programa como o Pânico faça tanto sucesso? Para começar a responder essas perguntas, temos de voltar no tempo – e voltar bastante, para os tempos das cavernas. É lá que vamos encontrar as origens da…

…HISTÓRIA DA FOFOCA

Foi na pré-história que adquirimos um hábito que transformaria a sociedade: fofocar. Segundo o americano Frank McAndrew, professor de psicologia da Universidade Knox, o ato de falar da vida alheia funcionou como mecanismo de seleção natural dos primeiros Homo sapiens. Os mais bem informados conheciam as fraquezas dos adversários e tiravam vantagem disso. Sabendo que um rival estava com a perna quebrada, era possível tomar seu lugar na caçada. Esses “fofoqueiros das cavernas” tinham mais chances de sobreviver e passar seus genes.

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Séculos depois, a fofoca ganharia um especialista. Na França de Luís XIV, Louis Rouvroy, que mais tarde tornou-se o duque de Saint-Simon, escreveu seu livro Mémoires baseando-se em fuxicos do palácio. “A fofoca sobre gente importante, como senhorios e reis, era vista como uma forma de resistência”, afirma Bernard Capp, historiador especialista no passado das futricas. “Não se podia protestar contra nobres poderosos. Mas, pelas costas deles, fazia-se chacota e contavam-se histórias que diminuíam sua importância.”

Mas a fundação da “fofoca em massa”, como conhecemos hoje, só veio com as colunas sociais nos jornais do século passado. A primeira surgiu em meados dos anos 20, com o americano Walter Winchell. Numa época em que editores relutavam em noticiar o nascimento de algum bebê para não cruzar as fronteiras do bom gosto, Winchell usava seu espaço no The New York Times para contar quem namorava quem, quem estava doente, quem tinha dificuldades financeiras e quais esposas mantinham casos extraconjugais. Diária, a coluna era revendida para dezenas de jornais. Somando seu programa de rádio semanal, o jornalista atingia cerca de 50 milhões de pessoas. Talvez sem saber, ele tenha erguido um dos alicerces da hoje tão famosa…

…CULTURA DE CELEBRIDADES

Desde a pré-história já tínhamos o hábito de adorar coisas ou pessoas – os deuses da Antiguidade, o Deus da Idade Média ou os reis da monarquia absolutista. “O homem costuma ligar-se a algo sobrenatural ou de caráter divino como saída para momentos de repressão”, afirma a professora de comunicação da USP Maria de Lourdes Motter. Mas com o passar do tempo, as entidades adoradas foram ficando cada vez mais terrenas.

Coube aos famosos sentarem-se nos tronos outrora ocupados por reis e deuses. Com uma vantagem (ou desvantagem?): tudo o que fazem e falam alcança um número infinitamente maior de pessoas. Apoiada na mídia, a indústria das celebridades despontou para a fama com as primeiras estrelas de Hollywood, nos anos 30. E daí cresceu com a velocidade de uma boa fofoca, até despertar a atenção dos acadêmicos nos anos 60. Foi nessa época que o historiador americano Daniel Boorstin cunhou uma das mais precisas definições da fama nos dias atuais: “O herói é distingüido por seu conhecimento; a celebridade, por sua imagem. A celebridade é a pessoa notória por sua notoriedade”.

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Ao mundanizar a fama, transformamos o ídolo. Hoje ele não precisa ter virtudes. Nem talento. O sucesso dos participantes de reality shows comprova isso – eles são conhecidos por serem alguém e não por terem feito algo. Porém, é impossível acreditar que a condição básica para ser ídolo tivesse se transformado tanto sem a ajuda daqueles que sustentam todo esse esquema: nós, aqui do outro lado da tela. “O fã transforma o ídolo numa versão perfeita de como ele queria ser”, diz o professor de comunicação P. David Marshall, da Universidade Northeastern, nos Estados Unidos. As celebridades tornam-se pessoas familiares, que vemos sempre na televisão, na revista, no cinema. Até elas passarem a representar uma nova comunidade de pessoas sobre as quais sabemos tudo – embora nem ao menos a conheçamos. É exatamente aí que está a raiz do porquê…

…AMAMOS ODIAR OS FAMOS

Assim como fazemos com as pessoas próximas, também julgamos os comportamentos dos famosos. E por nos sentirmos tão próximos aos famosos, estendemos a eles os mesmos critérios de avaliação que vão determinar, por exemplo, se gostamos ou não do vizinho. “Quando Hugh Grant foi pego com uma prostituta enquanto namorava Liz Hurley, mostrou arrependimento genuíno”, afirma o escritor americano Andrew Breitbart, autor de Hollywood Interrupted (“Holywood Interrompida”, sem versão em português). “A maioria das pessoas imediatamente o perdoou. Isso porque ele mostrou a humildade que não costuma estar associada com os ricos e famosos.” De acordo com o escritor, quando temos qualquer tipo de ressentimento em relação à celebridade, tendemos a ficar felizes quando algo de ruim acontece a ela. É o que os alemães chamam de schadenfreude, que quer dizer algo como ter prazer com a desgraça alheia.

Voltemos então ao ponto de origem. Por que Pânico na TV faz tanto sucesso? Por que um bando de marmanjos com um prazer quase sádico em fazer piadas com pessoas conhecidas atrai tanto? “Porque programas assim mostram que os famosos também são iguais a todo mundo, iguais a mim e a você – ou seja, também são falíveis e pagam mico”, afirma a antropóloga Maria Claudia Coelho, autora do estudo acadêmico A Experiência da Fama.

“Acho que nos tornamos uma espécie de porta-vozes de algumas pessoas que, se pudessem, falariam para os famosos as mesmas coisas que falamos”, afirma Wellington Muniz, o Ceará, um dos humoristas do Pânico. Rodrigo Scarpa, o repórter Vesgo, concorda: “Apenas critico a celebridade sem conteúdo, aqueles que acham que são famosos mas não mostram nada para o público”. Na prática, não é bem assim. As vítimas não precisam ser necessariamente celebridades menos talentosas ou “sem conteúdo”. Vai dizer que você não daria risada se Vesgo e companhia fizessem uma de suas perguntas desconcertantes para, por exemplo, Nicole Kidman – que além de belíssima, é considerada por muitos especialistas uma das mais talentosas atrizes de sua geração? Será que mora aí uma pontinha de inveja? Para o professor Leo Braudy, da Universidade Southern California, o sentimento que temos ao ver um famoso como vítima de uma piada tem a ver com o poder que exercemos sobre a tal celebridade. “Não é inveja. Nós não necessariamente queremos ser ela ou ter seus privilégios”, afirma. “O que nós queremos é que ela saiba que deve sua fama a nós, a audiência. Nós demos a ela nossa atenção e é melhor ela perceber que, sem nós, não é nada. Tirar sarro dela, satirizá-la, é o preço que a fazemos pagar.”

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Ao mostrar os famosos em cenas pouco usuais – como o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin respondendo que achava justa a eleição que o colocara como o segundo “careca do ano”, atrás do prefeito paulistano, José Serra –, o Pânico tem o que alguns críticos afirmam ser uma “função social”. “Gostamos de ver os famosos sendo feitos de bobos porque, assim, podemos nos sentir melhor por sermos quem somos”, afirma o escritor Andrew Breitbart. Respiremos aliviados: ah, como é bom ser anônimo…

Os 5 pecados capitais da fama

A rota que leva da idolatria ao ódio é manjada. Mas não faltam celebridades dispostas a segui-la

A revista americana People publicou recentemente a lista das personalidades mais chatas do planeta. O ranking foi elaborado com base no tratamento que artistas dispensam aos fãs. No topo da lista ficou a cantora Britney Spears, seguida pela atriz Cameron Diaz, o ator Leonardo DiCaprio e o rapper Eminem. Embora os critérios que fazem uma celebridade odiada sejam subjetivos, com a ajuda de especialistas juntamos alguns dos principais:

1. Perfeição em excesso

Quem são eles: Esse tipo de celebridade, de tão perfeita, fica até chata. Sabe aquele doce que dá água na boca exposto na vitrine, mas que ao ser mordido enjoa de tanto açúcar que tem? Esse famoso é exatamente assim. Os psicólogos e estudiosos apontam outro tipo de problema causado na audiência pela celebridade perfeita: ela faz a gente, do lado de cá da tela do televisor, sentir-se inadequado e inferior

Exemplos mais famosos: Tom Cruise e Sandy

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2. Perdularismo

Quem são eles: Numa época em que é bacana e faz bem para a imagem usar o dinheiro para causas nobres e beneficentes (que o digam os astros do esporte, do cinema e da música que doaram milhões de dólares para as vítimas do tsunami asiático), algumas pessoas são notórias por seus gastos extravagantes em viagens, roupas e outras coisas supérfluas. Enquanto isso, a audiência mal consegue passar o mês com seus ganhos

Exemplos mais famosos: Jogadores de futebol em geral e as socialites Vera Loyola e Paris Hilton

3. Complexo de falta de holofote

Quem são eles: Nada pior do que aquela pessoa que pensa que é celebridade porque ficou cinco dias em algum reality show e que, após o fim do programa de TV, persegue os holofotes incansavelmente. “A idéia corrente é de que a existência de quem é famoso é mais importante do que a de quem não aparece”, afirma a antropóloga Esther Hamburger. “Mas isso é um mito, porque as pessoas mais poderosas são as que menos aparecem – assim, estão menos sujeitas aos desníveis de audiência”

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Exemplos mais famosos: Ex-Big Brothers Brasil

4. Vaidade

Quem são eles: Gente que usa e abusa do corpo acaba nos passando a imagem de que não é talentosa o suficiente e que só chegou onde está por sorte ou porque nasceu com o derrière avantajado. A associação de beleza com falta de talento é tanta que, para atrizes notoriamente lindíssimas, a glória é interpretar papéis em que aparecem desfiguradas – como Charlize Theron no filme Monster ou Cameron Diaz em Quero Ser John Malkovich

Exemplos mais famosos: Luma de Oliveira e Jennifer Lopez

5. Falta de humildade

Quem são eles: O “nariz empinado” acontece quando a fama sobe à cabeça e a pessoa acha que, por aparecer na mídia, é mais importante que outros mortais. “A idéia de ver essa celebridade em uma situação constrangedora é que a justiça prevalece, que a arrogância invariavelmente é punida e que a celebridade não é melhor e nem superior aos seus fãs”, afirma o especialista em narcisismo Sam Vaknin

Exemplos mais famosos: O apresentador Clodovil

Histórias da fama

Alexandre, o célebre

Alexandre, o Grande, é considerado a primeira celebridade da história. De acordo com o professor Leo Braudy, da Universidade da Califórnia, o líder macedônio perseguia a fama e, para isso, montou um aparato de divulgação de seus feitos. Suas campanhas levavam historiadores, pintores e lapidadores de pedras preciosas para divulgar e eternizar os momentos que vivia. “Como muita gente hoje, ele queria chegar ao topo”, afirma Braudy.

Ódio é pouco

A relação com ídolos pode ser muito mais tumultuada do que uma celebridade fustigada imagina. A lista de assassinados por causa da fama tem “Dimebag” Abbott, ex-guitarrista da banda Pantera, o Beatle John Lennon e a cantora mexicana Selena Quintanilla Perez, interpretada por Jennifer Lopez no filme que leva seu nome.

Mercado 5 estrelas

De acordo com o IVC (Instituto Verificador de Circulação), as sete principais revistas de fofoca vendem, por semana, quase 1,6 milhão de exemplares no Brasil. Outra pesquisa, do instituto Ipsos, apontou que 12% das pessoas com mais de 13 anos de idade, dos grandes centros urbanos, lêem revistas de celebridades. Ou seja, 33,8 milhões de brasileiros têm o hábito de saber o que sua celebridade favorita anda fazendo.

Para saber mais

Na livraria:

Hollywood Interrupted – Insanity Chic in Babylon: the Case Against Celebrity – Andrew Breitbart e Mark Ebner, John Wiley & Sons, 2004

Celebrity and Power: Fame in Contemporary Culture – P. David Marshall, University of Minnesota Press, 1997

The Frenzy of Renown: Fame and its History – Leo Braudy, Vintage Books, 1997

The Image: A Guide of Pseudo-Events in America – Daniel J. Boorstin, Vintage Books, 1992

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